Guilherme Belido escreve: Desgaste do Supremo vem de dentro
28/10/2017 17:39 - Atualizado em 01/11/2017 18:03
Divulgação
Definitivamente a surpresa e o espanto que frequentemente juristas revelam ante algumas condutas do Supremo Tribunal Federal (STF), não figuram no topo do que pode ser definido como desgaste da Corte, na esteira de uma fatia de decisões – não a maioria, naturalmente – que se divide entre o exótico e o inesperado.
Neste particular, em especial no âmbito das liminares, o ministro Gilmar Mendes tem sido o protagonista de situações em que os protestos a ele desferidos podem até ser vistos como excedentes à respeitabilidade devida a um juiz da Suprema Corte.
Mas, de tão frequentes, viraram paisagem comum. E Gilmar parece não se incomodar... tampouco mostra indignação com as críticas que recebe da sociedade.
Contudo, indaga-se: teria ele, Gilmar, do alto de sua capa preta, como defender com veemência as declarações e decisões que não raro afiguram-se frontalmente contrárias ao senso comum? Parece que não.
Quando ataca com palavras estranhas à liturgia do cargo, como no caso do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot e sua equipe (“Foi o pior procurador da história... Provou-se que sua assessoria era formada por delinquentes) não estaria dando margem ao ‘quem diz o quer, ouve o que não quer’?
Igualmente no episódio dos mandados de prisão expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, contra o empresário Jacob Barata Filho, acerca dos quais Gilmar ‘inovou’ com a infeliz comparação de que “em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo” – não estaria, novamente, tomando o atalho da banalização?
Jornalista da Época cita ‘herói dos corruptos”
Em agosto, diante da insistência – via sucessivos habeas-corpus – de manter fora da prisão Jacob Barata, o ‘Rei dos ônibus’, cuja família mantinha vínculos pessoais com a família de Gilmar, o ministro acabou por turbinar o desconfortável apelido de ‘soltador-geral da República’.
Na ocasião, as manifestações vieram de todas as partes, desde artistas de renome, procuradores e magistrados, a outros segmentos da sociedade, visto que os referidos habeas iam na contramão do que manifestamente deseja a sociedade em termos de impunidade.
Sobre a questão do ‘rabo de cachorro’, a jornalista Ruty de Aquino, da Revista Época, publicou em 25 de agosto que Gilmar Mendes havia insinuado que não passam de “rabos de cachorro” os juízes federais que ousam desafiá-lo. E enumerou:
O juiz Marcelo Bretas mandou prender o “rei do ônibus”, Jacob Barata, acusado de tentar fugir para Portugal com passagem só de ida. Gilmar mandou soltar. Bretas mandou prender novamente. Gilmar mandou soltar novamente.
No mundo virtual, centenas de milhares de brasileiros pedem em abaixo-assinados a saída de Gilmar Mendes do STF. É uma rara unanimidade em nosso país polarizado. O procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu ao STF que Gilmar seja impedido de julgar o habeas de Jacob Barata.
Gilmar foi padrinho de casamento da filha de Barata. O noivo é sobrinho da mulher do ministro. O filho de Barata é sócio do cunhado do ministro. A mulher de Gilmar, a advogada Guiomar, trabalha em escritório que representa os empresários de transporte. É tanto compadrio misto que a gente precisa ler de novo. Mas Gilmar não enxerga aí ‘nenhuma suspeição’ contra ele.
  • Ministro Gilmar Mendes

    Ministro Gilmar Mendes

Abandono ao rito e falta de cerimônia
Como citado na parte de cima desta matéria, possivelmente não são as decisões, mas as graves quebras de protocolo, que estão minando a honorabilidade do Supremo junto à sociedade.
Depois de inúmeros episódios rigorosamente desalinhados com a toga – alguns de bate-boca explícito, disformes à Suprema Corte – na sessão de quinta-feira última (26), depois de longo e cansativo ‘discurso’ que por vezes fugiu ao norte do julgamento, que era o Tribunal de Contas do Ceará, novamente o ministro Gilmar Mendes se envolveu em polêmica, desta vez com o ministro Luís Roberto Barroso, ao ironizar o fato do Rio de Janeiro – hoje com as contas arruinadas – ter sido apontado como exemplo:
— Gente, citar o Rio de Janeiro como exemplo...
— Eles devem achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso — devolveu Barroso, numa citação ao estado de origem de Gilmar.
— No Rio, não estão (presos)? — rebateu Gilmar.
— Aliás, nós prendemos, tem gente que solta — insistiu Barroso.
— Solto cumprindo a Constituição. Vossa Excelência, quando chegou aqui, soltou José Dirceu — alfinetou Gilmar.
— É mentira. Aliás, Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade, – acusou Barroso, partindo para o confronto:
“Vossa Excelência está fazendo um comício que não tem nada que ver com o Tribunal de Contas do Ceará...
Vossa Excelência está ocupando o tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar esse ódio constante que Vossa Excelência tem e agora o dirige contra o Rio.
Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque. ‘A raiva é filha do medo e mãe da covardia’.
Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro. Não julga, não fala coisas racionais, articuladas. Sempre fala coisas contra alguém, sempre com ódio de alguém, com raiva de alguém” — seguiu Barroso, em contundente desabafo – até concluir, acusando Gilmar de “parceria com a leniência em relação à criminalidade do clarinho branco... E de mudar a jurisprudência de acordo com o réu”.
Com tentativas frustradas da ministra Cármen Lúcia em conter a discussão, o bate-boca foi até o término da sessão – que, então, já estava no final.
Gilmar Mendes tentou retrucar, lembrando que seu compromisso é para com os direitos fundamentais. Lembrou que liderou mutirões que soltaram 22 mil presos – “Era gente que não tinha sequer advogado” – e que não usa as decisões para fazer populismo.
Numa última alfinetada, Gilmar disse não ser “advogado de bandidos internacionais” – referindo-se a Cesare Battiste, para quem Barroso advogou antes de ser ministro.
Busca por mecanismos de preservação
Se alguns dos estarrecedores discursos que antecederam a votação da denúncia contra Michel Temer, na 4ª-feira, 25, já não fossem motivo para uma semana de turbulência no Brasil, o episódio do dia seguinte, no STF, causa perplexidade.
Como evento isolado, já seria preocupante. Mas, ao contrário, tem se mostrado tanto mais frequente quanto inaceitável para um palco da dimensão do STF.
Histórico – Entre várias outras polêmicas – muitas das quais com o próprio Gilmar Mendes – a mais grave aconteceu em 2009, envolvendo Joaquim Barbosa.
O ex-ministro ouvira de Gilmar, então presidente da Corte, que ele, Barbosa, não tinha condições de dar lição em ninguém. E rebateu: “Vossa Excelência está destruindo a justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia a rua, ministro Gilmar”.
Arrematando, concluiu: “Vossa excelência está na mídia destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro... Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”.
O dia seguinte – Na sexta-feira, 27, a ministra Cármen Lúcia teria reclamado junto a pessoas próximas da exposição que a discussão gerou, definindo-a como “absurdo”. Para o ministro Marco Aurélio, o episódio foi lamentável.
Luís Roberto Barroso, que após o bate-boca chegou a ser cumprimentado por pessoas que estavam presentes, disse que se exaltou, mas que não ‘passou da linha’. Gilmar Mendes evitou comentar o ocorrido.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS