Nin: Erótica sem ser vulgar
Dora Paula Paes 19/08/2017 12:15 - Atualizado em 22/08/2017 16:47
A editora de conteúdo Letícia Gicovate é uma cidadã do mundo, mas com umbigo fincado nas terras dos Goytacazes. A campista, que hoje reside em Londres com o marido e a filha pequena, vem chamando a atenção pela criação da revista Nin; uma parceria com a publisher Alice Galeffi. Com pensamento aberto, ela saiu da caixinha, mesmo em tempos modernos onde o conservadorismo tem tentáculos por todos os lados. O que a Nin tem de diferente? A revista de arte, lançada em 2015, é para maiores de 18 anos e totalmente voltada para a arte erótica, o sexo, a sexualidade e o corpo, em edição bilíngue (português e inglês). A crítica brasileira logo taxou: “a edição refresca e cutuca o mercado editorial independente no Brasil”. Na capa, a musa italiana Cicciolina em uma entrevista exclusiva falou sobre suas aventuras como atriz, produtora de filmes eróticos e política. O nome da publicação remete à escritora Anaïs Nin, musa dos contos sensuais, mas Letícia é segura ao falar de erotismo. “O erótico é muito subjetivo, e como qualquer coisa que existe num plano mais etéreo, pode estar em qualquer lugar!”, garante Letícia, que se preocupa mais com sexismo que exclui.
Folha — Como nasceu a ideia da Nin?
Letícia Gicovate — Comecei a pensar nela quando morava em Berlim e conheci o mercado de revistas independentes que borbulhava por lá. Depois, trabalhei como editora de conteúdo da Farm e a ideia ficou matutando por anos, até eu conhecer minha sócia, a publisher Alice Galeffi e, juntas, arredondarmos o conceito da Nin. A Nin é uma revista de arte erótica, pra fazer pensar sobre sexo, a sexualidade e o corpo. Pra isso convidamos sociólogos, filósofos, artistas e escritores do mundo inteiro pra apresentar sua visão pessoal sobre erotismo. Temos colaboradores brasileiros, franceses, americanos, ucranianos, homens e mulheres que trazem uma pluralidade bem interessante de imagens e ideias. Nossa primeira capa é a musa italiana Cicciolina, que deu uma entrevista exclusiva pra nós contando suas aventuras como atriz, produtora de filmes eróticos e política.
Folha —
Como acessar edições da revista e qual o público alvo?
Letícia — Quem tem mais de 18 anos e gosta de arte, literatura, beleza e é vivo, vai gostar da Nin! As duas edições podem ser encontradas nas livrarias da Travessa, na loja ou on-line, e, também, na Blooks e na Livraria da Cultura. Fora isso, podem ser compradas também pelo site da Editora Guarda-Chuva.
Folha — E ser mulher e mostrar esse universo, que para uns só é permitido para o sexo masculino?
Letícia — No começo a gente não pensou nisso. Nunca nos sentimos no “lugar errado”, porque, pra gente, essa lógica não faz o menor sentido. Não criamos uma revista que exclui desejos. A Nin é uma revista pra todos os sexos. Só tiramos a mulher do papel exclusivo de musa. Na Nin a mulher é curadora, artista, pensadora… E musa, se quiser.
Folha — Escrever conto erótico, poesia com tom mais estilo “Cinquenta tons de cinza” às vezes coloca as mulheres como “ovelhas negras” temidas pelos próprios homens. Você já sofreu algum tipo de preconceito?
Letícia — Nunca vivemos nenhuma situação de preconceito por sermos mulheres, mas tivemos dificuldades por ser uma revista de arte erótica, num mundo que ainda encara desejos e a sexualidade como algo anormal. Por exemplo, não conseguimos imprimir a revista na China, por causa das leis locais que proíbem o corpo nu! E sou casada com um homem que não se sente intimidado ou inferiorizado por ter uma mulher que escreva uma revista erótica ou pense sobre sexo, como qualquer pessoa adulta e saudável. Pelo contrário, se sente orgulhoso e sempre apoiou totalmente a Nin.
Folha — As mulheres são quem mais se expõem e, também, são as que mais se escondem na hora de falar, procurar publicações, filmes e até comentar sobre sexo. Com um olhar diferenciado hoje, você concorda ou acha que a mulher já é dona do seu próprio corpo, do seu próprio erotismo?
Letícia — Sim, as mulheres são donas do próprio corpo e do próprio erotismo. Agora faltam meios que se comuniquem com o nosso desejo, com o nosso olhar. Como a questão dos filmes pornôs, que apresentam um ideal sexual masculino. O homem é o sujeito e a mulher é o objeto, um acessório idealizado, caricato, submisso e obediente, o que reforça um ethos social já bem datado. Estamos aqui pra ajudar a transformar isso.
Folha — Você consegue entender esse conservadorismo em pleno Século XXI? Por que tanto pudor?
Letícia — O conservadorismo é a meta de manter as coisas como estão, é a tentativa de cercear cada vez mais nossa liberdade e os direitos recém obtidos das minorias, pra manter o mundo em sua eterna e abissal desigualdade. O conservadorismo é a intenção mesquinha de manter o mundo igual, ao invés de entre iguais, e, o que é mais triste, ninguém mais se favorece. Não acredito que seja pudor. É, na verdade, um moralismo falso, uma vez que as regras do jogo dependem claramente de quem é que está jogando.
Folha — O erótico está por todos os lugares?
Letícia — O erótico é muito subjetivo e, como qualquer coisa que existe num plano mais etéreo, pode estar em qualquer lugar!
Folha — Para você, o que é ser vulgar e erótico?
Letícia — Enquanto o vulgar escancara, o erótico é o que a gente não vê, é o que deixa espaço pra imaginação.
Folha — Você acha que as crianças de hoje estão mais erotizadas do que deviam? Você tem uma filha pequena. Como você a cria para esse universo?
Letícia — Minha filha não acessa a Nin. A revista não está ao alcance das mãos dela, é claro. Por outro lado, não tratamos o corpo como um assunto velado, não perpetuamos tabus e, quando for a idade certa, ensinaremos que liberdade se alcança com ética, sabedoria e respeito. Esses dias ela ficou bem chateada porque um amiguinho não deixou ela jogar futebol porque ela é menina. Me choca muito mais que meninos ainda sejam criados pensando dessa forma e que os pais sigam reforçando esses clichês distorcidos de gênero, do que o comprimento do short da menina. Mais do que a sexualidade, que não cabe agora de forma alguma, me preocupa o sexismo. Criar meninas que saibam que tem o mesmo espaço que os meninos, os mesmos direitos, chances e vontades, e que se sintam cada vez mais livres pra exercê-las. E que os meninos aprendam desde cedo a respeitá-las, isso é fundamental.

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