Matheus Berriel
19/07/2022 15:36 - Atualizado em 19/07/2022 15:36
Cena do filme 'A pequena loja de horrores'
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Divulgação
Peça a um cinéfilo uma pequena lista de filmes lançados em 1960. É quase certo que ele indicará “Psicose”, “A doce vida”, “Spartacus”, “Acossado” e alguns outros menos conhecidos que esses quatro. É quase certo que “A pequena loja de horrores”, dirigido por Roger Corman, não entrará na fila. Trata-se de uma pequena obra-prima do filme B, com Jack Nicholson fazendo uma ponta. Ele era ainda um novato pouco conhecido, assim como os demais do elenco. Corman (ainda vivo) era um cineasta que fazia tudo. Com baixo orçamento, como sempre, ele dirige e redige o roteiro com Charles B. Griffith. Sozinho, ele produz o filme. Realizado em apenas dois dias, o filme segue a linha de “Um balde de sangue”, do ano anterior, e dura apenas 72 minutos. O set de filmagem é praticamente o mesmo.
O filme começa com o desenho de uma cidade sobre o qual a câmara desliza. Ao fundo, a narração do detetive Joe Fink (Wally Campo). Tudo se passa numa floricultura no bairro pobre de Skid Row, de propriedade de Gravis Mushnik (Mel Welles), onde trabalham sua jovem filha Audrey Fulquard (Jackie Joseph) e o empregado Seymour Krelboin (Jonathan Haze). Podemos classificar o filme no gênero comédia com uma ponta de humor negro. Os tipos são simplificados para que se tornem protótipos. O patrão é sovina. A filha é uma moça de seios redondos contidos por sutiã com quadris largos. Pessoa burrinha e ingênua. O único empregado é um nerd solitário. Um dos fregueses gosta de comer flores com tempero. Outra é uma senhora que pechincha preços para homenagear parentes que morrem quase diariamente. A mãe do empregado é hipocondríaca e alcoólatra. Há ainda um dentista sádico e um paciente masoquista (Jack Nicholson). O detetive é prototípico dos filmes policiais norte-americanos, com roupas e fala características.
O sonho de Seymour, o empregado, é ser botânico. Mas, no máximo, ele cultiva uma planta raquítica que acaba levando para a floricultura. Lá, descobre que se trata de uma planta carnívora que não se contenta com insetos. Ela fala e pede sangue e carne. Seymour corta os dedos para alimentá-la, mas ela é insaciável. Cresce e vive esfomeada. Sem querer, Saymour leva um vagabundo a ser atropelado por um trem e recolhe seus pedaços num saco. Na loja, ele oferece mãos, pés e outras partes do corpo para a planta, que as devora e passa a querer mais carne. O dentista sádico também é morto inintencionalmente e oferecido para a planta gulosa. Ela cresce e se torna cada vez mais insaciável. A loja é assaltada, e seu dono diz que o dinheiro está escondido dentro da planta. Ela devora o assaltante. A polícia desconfia da loja, agora muito frequentada por conta da planta.
E a matança continua. Hipnotizado pela planta, Seymour lhe traz uma prostituta. Ela é devorada rapidamente. O sonho do rapaz de se casar com a moça de corpo curvilíneo, mas burrinha, vai se distanciando. A polícia o persegue num depósito de pneus de trator. Trata-se de uma cena antológica, assim como a pequena aparição de Jack Nicholson no consultório dentário. Com poucos recursos, Corman filma bem. Seymour tenta matar a planta com uma faca e, como era de se prever, acaba devorado por ela.
É curioso o paralelismo: um freguês que come flores e uma flor que come pessoas.