Lula não quer guerra com ninguém, exceto com a esquerda identitária
Edmundo Siqueira 28/11/2023 21:42 - Atualizado em 28/11/2023 21:48
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A indicação de Flávio Dino para o STF não foi exatamente uma surpresa, mas foi uma decepção para parte da esquerda. Era esperado que Lula indicasse uma mulher — e uma mulher preta. Hoje, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, o Supremo tem apenas uma representante feminina na composição da Corte, que possui 11 cadeiras.

Lula indicou, no mesmo movimento, o Procurador-Geral da República e o ministro para o Supremo, que agora seguem para a aprovação no Senado Federal. Em ambas escolhas — que eram aguardadas há algum tempo — o presidente não ouviu seu partido, o PT. Assim como não cedeu às pressões que vinha sofrendo de grupos identitários para que suas escolhas levassem em consideração questões de gênero e cor da pele.
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A decisão veio poucos dias após o início de uma crise institucional entre os poderes, que tinha potencial para se tornar grave. O presidente do Senado conseguiu a aprovação para uma PEC que impedia decisões monocráticas de ministros do STF em alguns casos. A reação da Corte foi imediata. Ministros como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes classificaram a decisão do Senado como uma afronta, e colocaram na conta do Governo a aprovação da PEC: por não ter trabalhado para que ela fosse rejeitada e pelo voto do líder do governo, Jaques Wagner, favorável à matéria.


O foco de Lula é o sucesso de seu governo, e para isso sabe que precisa do Legislativo e do Judiciário. As pautas econômicas são prioridades, e embates entre os poderes as prejudicam. Lula sabe disso, e sabe que sua vitória em 2022 foi por uma margem muito pequena.
A própria investida do Senado contra o STF mostra que pautas alinhadas ao chamado bolsonarismo ainda têm força. Por essas e outras evidências, Lula caminha para o fim do primeiro ano de seu terceiro governo conciliando forças da política real.

Dino e 2026 — A ida de Dino ao STF apazigua o descontentamento da Corte, além de incluir por lá alguém com perfil de liderança e influência, de confiança do presidente e ainda oriundo do mundo jurídico e da magistratura. De quebra, leva a briga com Bolsonaro e o bolsonarismo golpista do 8 de janeiro para a arena do Supremo.
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Flávio Dino era uma figura central do governo e um alvo preferencial do bolsonarismo. Popular nas redes pelas respostas irônicas e firmes aos ataques que recebia, Dino blindava Lula de embates diretos, mas ao mesmo tempo mantinha uma frente de batalha constante. Uma vez aprovado pelo Senado e deixando vago o Ministério da Justiça, permite que as atenções se voltem para o STF e ainda abre a possibilidade de Lula acomodar mais aliados em um ministério importante.
Mas, politiza ainda mais uma instituição que deve ter uma atuação essencialmente jurídica.

O Lula da pluralidade visto na posse e na campanha, parece não ter passado de retórica. Ao desagradar (e ignorar) sem pudor pautas identitárias e de seu próprio partido, o presidente demonstra mais uma vez que a ordem do dia é a realpolitik, e agradar o Centrão, o Congresso e o STF é fundamental na configuração que a República Brasileira assumiu. Embora não se possa agradar a todos, Lula mostra que os identitários sequer serão ouvidos.
Ficam algumas perguntas: O governo perde um presidenciável? Fernando Haddad, ministro da Fazenda, ficará ainda mais fortalecido com a saída de Flávio Dino? Lula indicará uma mulher, Simone Tebet, para o Ministério da Justiça? Um dos dois será candidato em 2026? Ou o próprio Lula?
Até lá, tudo pode mudar. Inclusive nada.

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