Não podemos negar — ou neguemos caso não queiramos aceitar que temos um problema sério — que alguém que comete um crime, por mais odioso que seja, saiu da mesma sociedade que criamos. A cabeça estragada do sujeito dificilmente assim nasceu. As sinapses e outras construções mentais foram sendo produzidas através de uma realidade perversa, odienta, de afastamento emocional e de esvaziamento educacional e cultural.
Três meninos e uma menina, entre 5 e 7 anos, morreram em uma creche na manhã de hoje, 5 de abril, em Blumenau, Santa Catarina. Foram atingidas por golpes de machado, vindas de um homem de 25 anos que invadiu a escola. Ainda não se sabe o motivo de um ato de tamanha crueldade; e talvez nunca saberemos, pois são muitos.
Jean-Paul Sartre, filósofo francês, escreveu uma peça em 1944 que contava a história de três pessoas mortas condenadas a passar a eternidade confinadas em um mesmo quarto. Uma se torna carrasco da outra em uma convivência destrutiva. Uma das personagens cênicas diz uma frase que viria a ficar imortalizada pela obra sartriana: “o inferno são os outros”.
É preciso arranjar culpados para que rapidamente nos distanciamos dos monstros. Embora eles existam e sejam uma minoria, quando agem afetam a todos, sem distinção. Devem ser punidos, linchados, condenados à morte por tribunais populares. Muito compreensível. Eliminá-los, porém, não determina que outros — outros infernos — deixem de existir. E quando irrefutavelmente podemos dizer que é aquele o monstro, temos a falsa ilusão de que estamos livres do enxofre, do fétido, das trevas. Mas sempre estaremos fadados à desilusão.
Nos resta a angústia de tentar encontrar caminhos, de saber onde erramos enquanto sociedade, de procurar entender o que leva alguém ao impensável, ao abominável. Aglomerações humanas, físicas ou virtuais, alimentadas pelo ódio e ressentimento, invariavelmente provocam gatilhos em cabeças estragadas, e formam a monstruosidade.
Três meninos e uma menina, entre 5 e 7 anos. Onde fica o lugar do que não deveria acontecer a ninguém, acontece?