Promessas não cumpridas: conheça os patrimônios campistas mais importantes que estão em risco iminente
Edmundo Siqueira 19/01/2023 18:05 - Atualizado em 19/01/2023 18:14
Foto: Rodrigo Porto
Campos é uma cidade histórica. Em 370 anos foi uma das principais do Império, e por muito tempo um relevante município brasileiro. Em alguma medida, ainda é. Toda essa história deixou um conjunto de construções e de manifestações culturais, esses sim, indiscutivelmente de alta relevância para todo país.


Apenas alguns exemplos: temos um dos maiores canais artificiais do mundo (Campos-Macaé), uma torre de relógio, de inspiração francesa, com raros exemplares ainda de pé (Mercado Municipal), um Solar de meados do século 17 que abriga o 5º melhor arquivo público do Brasil (Solar do Colégio), outro do século 19 onde morou Alberto Lamego (Solar dos Airizes), e um outro do mesmo período que pertence à Academia Brasileira de Letras onde morou o presidente da instituição e teve visitantes como D. Pedro II (Solar da Baronesa).

Outros tantos exemplos só podem ser contemplados por imagens e registros escritos. O antigo prédio da Santa Casa de Misericórdia, com sua roda dos expostos, e o antigo Teatro Trianon, com suas belíssimas galerias, não podem mais contar suas histórias, ou receber alunos de escolas que queiram trabalhar a educação patrimonial e problematizar o papel dessas instituições e de toda exploração humana que transcorreram esses edifícios.

Dos que estão de pé, 3 patrimônios, dos mais importantes, aguardam que promessas sejam cumpridas. Para o primeiro existem 20 milhões disponíveis para que se cumpra. No segundo, uma decisão judicial contra a qual que não cabe qualquer tipo de recurso, aguarda há meses para ser cumprida. No terceiro, a construção agoniza no centro da cidade, aos olhos de quem quiser ver — até agora, nada de concreto foi feito em nenhum dos três patrimônios.

São eles:

Solar do Colégio - Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho
Tocos, Baixada Campista
Acervo do Arquivo Público Municipal destruído pelas últimas chuvas - Solar do Colégio está repleto de goteiras
Acervo do Arquivo Público Municipal destruído pelas últimas chuvas - Solar do Colégio está repleto de goteiras / Arquivo Público

Em um acordo firmado há mais de um ano, entre Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Prefeitura de Campos e Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), foram disponibilizados 20 milhões de reais para restauro e manutenção do Solar do Colégio, construção jesuítica de quando Campos ainda não era Campos, sequer. Hoje, a mais antiga que temos.

Parte dos R$ 20 milhões iria para digitalização e tratamento do acervo do Arquivo Municipal, que funciona na construção histórica. Já considerado o 5º melhor arquivo do país, a instituição guarda documentos como a certidão de nascimento de Campos, o acervo do 3º jornal mais antigo do Brasil enquanto circulava, o Monitor Campista, vasto acervo cartorário advindo de convênio firmado com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e tantos outros essenciais para compreender a formação de toda região.

Até o momento, nenhum aparelho de digitalização foi comprado e nenhum prego foi batido. No final de novembro do ano passado, uma reunião na Alerj, que eu estive presente com o prefeito de Campos Wladimir Garotinho, a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (Fcjol), Auxiliadora Freitas, a direção do Arquivo Municipal, o reitor e o advogado da Uenf, ficou prometido que os processos licitatórios para compra de material e para o projeto de restauro do Solar do Colégio seriam iniciados ainda em 2022.

Sim, a Uenf já estava com os recursos em seus cofres há meses quando a reunião aconteceu, e o que lá ficou acordado já poderia ter sido iniciado há bastante tempo. Por inação da Universidade — é preciso ficar claro que, por decisão do reitor Raul Palacio, aceitou ser a responsável por aplicar os recursos — o prédio e o acervo continuam em grande risco de deterioração completa, em um prédio repleto de vazamentos, sem sistemas de proteção contra incêndios, com equipe reduzida e com equipamentos e mobiliário para guarda de documentos insuficientes.

No atual período de chuvas, o risco é ainda maior. Há pouco mais de um mês, este espaço publicou os vazamentos no Solar, os alagamentos e os acervos destruídos. As promessas para o Solar do Colégio até agora não passam disso.
A estrutura do Solar dos Airizes com sinais claros de fragilidade estrutural. Embora tenha passado por intervenções no telhado há alguns anos, algumas paredes e esquadrias já caíram.
A estrutura do Solar dos Airizes com sinais claros de fragilidade estrutural. Embora tenha passado por intervenções no telhado há alguns anos, algumas paredes e esquadrias já caíram. / Foto: Edmundo Siqueira

O casarão, uma das construções mais emblemáticas de Campos, está em estado lastimável. Já com parte de sua estrutura destruída, por um milagre ainda permanece de pé.

Antiga residência de Alberto Lamego, um dos maiores pensadores que Campos já teve, que recolheu uma enorme quantidade de documentos históricos sobre a região em peregrinação pela Europa, além de adquirir relevante pinacoteca que ficou exposta no Solar dos Airizes por muito tempo, o local já foi considerado a “meca da intelectualidade” e atraiu visitantes como Mário de Andrade, modernista importante e um dos fundadores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O Solar dos Airizes não é importante apenas por suas paredes que contam parte significativa de nossa história, mas por possuir um valor cultural inestimável pela história que carrega.

O seu restauro é de responsabilidade da prefeitura de Campos, hoje. Por decisão transitada em julgado da Justiça Federal do Rio de Janeiro, em processo impetrado pelo Ministério Público Federal, a municipalidade deve iniciar o restauro total do prédio em caráter de urgência, sem poder justificar falta de recursos para isso, podendo inclusive recorrer a órgãos federais para isso.
A prefeitura alega que é uma obra dispendiosa, segundo o prefeito ficando em torno de R$ 50 milhões. Porém, intervenções emergenciais e obras de contenção são de baixo custo em comparação com o valor final e garantiriam a sobrevida do Solar até que os recursos para o restauro total fossem disponibilizados.

O fato é que a decisão judicial já foi tomada, não cabem mais recursos, e como tal deve ser acatada, sob pena do gestor municipal incorrer em improbidade administrativa e crime de desobediência.

Como promessa, a prefeitura disponibilizou no orçamento de 2023 pouco mais de R$ 1 milhão para o início do "salvamento" do Solar dos Airizes. As promessas para ele até agora não passam disso.
Foto: Silvana Rust


Transformado em Museu-Casa em 2006, a construção foi doada para a prefeitura depois que seu antigo proprietário, Olavo Cardoso, veio a falecer. Em péssimas condições de manutenção, com a varanda totalmente destruída e jardins tomados por vegetação, o Museu Olavo Cardoso (MOC) agoniza.

No final de 2020, o MOC foi roubado. Boa parte de seu acervo foi levado, mobiliários subtraídos e outras depredações internas. O que restou está no Museu Histórico de Campos, localizado na praça São Salvador. O imóvel é tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) que pouco fez por sua preservação.

Diferente dos outros dois Solares aqui citados, trata-se de uma construção pequena, sem maiores detalhes arquitetônicos que pudessem trazer grandes complexidades de restauro. A doação da casa para a prefeitura aconteceu para que a municipalidade pudesse disponibilizá-la para fins culturais. Não aconteceu.

Localizada no centro de Campos, a casa está caindo. Em uma das esquinas mais movimentadas da cidade, a falta de cuidado com o patrimônio histórico é visível.

Como promessa, a presidente da Fcjol, Auxiliadora Freitas, disse em rede social que “dói muito” ver o MOC na atual situação e que já deu início ao processo licitatório, uma vez que a “secretaria de obras e planejamento afirmam não ter especialistas” para realizar as intervenções. Para o MOC, apenas promessas.

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