Kassab é o centrista fisiológico que o Brasil criou contra a extrema-direita
13/10/2024 | 13h33
Arte digital, criada  por IA.
Arte digital, criada por IA. / Edmundo Siqueira


A preço de hoje, Lula e Tarcísio de Freitas são os nomes mais cotados para 2026. Existem muitos outros possíveis presidenciáveis, mas entre coachs e prefeitos de capital bem votados em primeiro turno, Lula e Tarcísio personificam duas grandes correntes no Brasil, algo em torno de 20-30% do eleitorado cada.

Tarcísio consegue vender uma imagem de moderado, mesmo apoiado por Bolsonaro e o reverenciar como mito. E caso consiga manter duas situações bastante críveis — a vitória de Ricardo Nunes para a prefeitura de São Paulo e a inelegibilidade de Bolsonaro — se cacifa para 2026 como o favorito do centrão, da Faria Lima e de boa parte da classe média.

Gilberto Kassab, presidente do PSD, vem sendo vendido como o “homem do jogo”, o grande vencedor das eleições municipais. Dá para entender: seu partido abocanhou 886 prefeituras. Porém, não se trata apenas da habilidade política de Kassab. Sem um Congresso com um poder gigante sobre o orçamento público federal não seria possível eleger prefeitos centristas fisiológicos com tanta facilidade.

Kassab mostrou ser o mais habilidoso em entender esse jogo, e com uma posição de neutralidade de ocasião e com a liberdade ideológica de quem está olhando de cima do muro, ele pode ser um instrumento poderoso nas mãos de quem estiver melhor colocado em 2026. Ou de quem pagar mais.

Como tudo mais na vida, há sempre lados positivos, mesmo quando servem para conter desgraças. Talvez um centro fisiológico tipicamente brasileiro seja a única força capaz de conter o avanço da extrema-direita. Por óbvio, não é a força ideal para políticas de interesse público, ou mesmo para uma democracia saudável, mas é o que o mundo real mostra.

Gilberto Kassab, presidente do PSD.
Gilberto Kassab, presidente do PSD. / Ed Alves/CB/D.A Press
A postura fisiológica de Kassab é justamente a mesma da mão que rege a batuta da orquestra mais poderosa no Congresso Nacional. E é justamente a que deu o tom nas eleições municipais. Por falar em centrão, o natural enfraquecimento do presidente da Câmara, Arthur Lira, que não pode se reeleger em 2025, abre mais um caminho para Kassab ser o maestro principal das eleições presidenciais de 2026.


Lula, a preço de hoje, é o favorito. Reconhecido pelos adversários como tal. E tem uma boa relação com Kassab. Caso a economia não desande, e o aparente voo de galinha seja mais duradouro que o previsto, a tendência é que Lula chegue muito forte em 2026.

“Ah, então se Lula for eleito, está resolvido e não ficaremos nas mãos do centrão”. “Ah, se Tarcísio se fortalecer, iremos moralizar o país!”; o que parece é que a orquestra continuará a tocar mesmo se o Titanic estiver afundando.
Compartilhe
Ao menos uma história romântica no PT campista
13/10/2024 | 12h14
Arte digital crida com IA
Arte digital crida com IA / Edmundo Siqueira

O amor da deputada Carla Machado foi uma mentira que a vaidade do PT de Campos quis acreditar. Ela não poderia ser candidata à prefeita de Campos por uma questão jurídica, e a proximidade dela com o também deputado e presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, denunciava que haveria uma aliança.

O PT de Campos acertou no candidato, porém deveria — mesmo agindo em “poesia de cego” ou em um “amor inventado” — ter apostado no professor Jefferson desde o início. Mas decidiu, em um corte lento e profundo, o deixar como segunda opção.

Eleger alguém do PT em uma cidade como Campos não é tarefa simples. Seja prefeito ou vereador. Exigiria desconstruir uma rejeição enorme, ou pelo menos atrair a maioria do eleitorado que se identifica com o campo progressista na cidade. E pior: assim como em outros locais, as esquerdas são divididas, e os liberais, sociais democratas e liberais sociais não optam por votar no PT automaticamente; é uma escolha que requer cálculo político do eleitor desse campo.

A verdade é que o PT não conseguiu cumprir nenhum dos objetivos que parecia disposto nesta eleição. Não elegeu Jefferson, sequer conseguiu o número de votos esperado e não elegeu nenhum vereador. Existem muitas explicações, mas para uma enormidade de eleitores campistas, ver Lula no material de campanha dos candidatos locais não era “mais tão bacana quanto a semana passada”.

Mas, apesar da rejeição sabida, era Lula que aparecia na campanha petista. Pensar que o campista que votou em Lula na última eleição presidencial iria votar para prefeito e vereador, apertando o 13 novamente, foi mais uma mentira que a vaidade do PT quis.

Quando a eleição acaba, a gente pode pensar que ela nunca existiu. Mas há um trabalho necessário a ser feito. Campos precisa se reencontrar com as esquerdas e com a direita democrática (ou centro-direita). Os anos Bolsonaro criaram um campo de extrema-direita na cidade que não é saudável à nossa já combalida democracia.

A questão aqui não é culpar o PT, apontar erros gratuitamente ou mesmo ser engenheiro de obra pronta, como se diz. A questão é reconhecer que estaremos por mais quatro anos sem representação progressista em Campos. É claro que houve compra de votos e derrama de dinheiro. Uma conta de padaria rápida prova isso com a quantidade de bandeiras nas ruas. E é claro que pode-se olhar o copo meio cheio. O PT ampliou o número de votos comparado à última eleição. Mas o resultado foi insatisfatório; não se elegeu ninguém do campo progressista.

Muito pode ser feito sem mandato, mas uma representação formal, na Câmara de Vereadores, tem o poder de interferir em políticas públicas, formar maior consciência política, e dar pluralidade representativa. Ocupar espaços de poder é fundamental.

Mas ficou “tudo fora do lugar; café sem açúcar, dança sem par”. Mas as esquerdas podiam “ao menos contar uma história romântica” nesse interregno até 2028, passando por 2026. E uma um pouco mais pragmática nos anos decisivos.
 
*
O Nosso Amor a Gente Inventa
Cazuza


O teu amor é uma mentira
Que a minha vaidade quer
E o meu, poesia de cego
Você não pode ver

Não pode ver que no meu mundo
Um troço qualquer morreu
Num corte lento e profundo
Entre você e eu

O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu

O nosso amor a gente inventa, inventa
O nosso amor a gente inventa

Te ver não é mais tão bacana
Quanto a semana passada
Você nem arrumou a cama
Parece que fugiu de casa

Mas ficou tudo fora do lugar
Café sem açúcar, dança sem par
Você podia ao menos me contar
Uma história romântica

O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu

Mas ficou tudo fora do lugar
Café sem açúcar, dança sem par
Você podia ao menos me contar
Uma história romântica

O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu

O nosso amor a gente inventa, inventa
O nosso amor a gente inventa
 
Compartilhe
Entre fortunas, erros e virtudes, Campos decidiu reeleger o príncipe
07/10/2024 | 20h19
Arte digital criada com IA
Arte digital criada com IA / Edmundo Siqueira


Foi em primeiro turno. Em votos válidos, Wladimir recebeu 69,11%. Uma vitória esmagadora que provou que o prefeito de Campos não teve apenas habilidade política ou o bom uso do sobrenome que carrega. Quem acompanhou o jogo pôde perceber que ele soube trabalhar com dois fatores essenciais da política: a “virtù” e a “fortuna”.

Essa coisa de virtude e fortuna foi explicada na política por Nicolau Maquiavel — que era tudo, menos um ingênuo —, quando escreveu sua obra seminal “O Príncipe”, em meados de 1500. Em suma, o governante precisa de talento para liderar (virtù) e sorte para aproveitar as oportunidades (fortuna).

Wladimir, que não nasceu ontem, soube jogar com os dois. De um lado, ele carregou a política local nas costas, fazendo o que sabe fazer melhor: articulação. De outro, teve a sorte de navegar por um cenário onde seus adversários somados não conseguiram chegar a 10% dos votos, com exceção da Delegada Madeleine, que conseguiu 24,22% dos votos válidos, e mostrou forte consistência em todas as zonas eleitorais.

Em Campos, uma cidade com problemas endêmicos de infraestrutura e serviços públicos deficitários, principalmente em transporte, ele conseguiu o que parecia improvável: alta popularidade, alta taxa de conhecimento e a reversão de uma impopularidade histórica de seu grupo na chamada “pedra”, na zona 98. Isso não é pouco. Maquiavel aplaudiria.

Ele soube usar a máquina pública para agradar o povo com programas sociais, melhorias pontuais e espetacularização do fazer político. E ainda mais importante: Wladimir conhece o cheiro do poder e, como bom estrategista, sabe quando avançar e quando recuar. E demonstrou uma baita habilidade em gestão de crises.

A exceção, que confirma a regra, foi a relação com a Câmara, que não soube manejar e acabou perdendo a presidência em um momento crucial para seu governo, momento onde também recebeu questionamentos agressivos da oposição.
Folha1
A “fortuna”
A sorte (fortuna) sorriu para ele quando seu xará, o presidente da Rússia Vladimir Putin, iniciou contra a Ucrânia, um de seus países vizinhos, uma invasão militar, marcando uma escalada para um conflito que começou em 2014. Entre outros fatores, a guerra elevou o preço do barril de petróleo, e a petrorentista Campos viu seus cofres gordos novamente. Soma-se a isso uma retomada natural da economia no pós-pandemia, e o cenário é bastante favorável.

A sorte foi dele, e ele soube aproveitá-la. Maquiavel dizia que a “virtù” do governante é sua capacidade de se adaptar às circunstâncias. O resultado eleitoral refletiu a sorte e a virtude Wladimir, mas também foi permitida por uma oposição que não soube se organizar. Parecia que todas as forças estavam fora de lugar na campanha. Os números estampados nos bonés muitas vezes eram diferentes da atuação partidária. Havia bipolaridade em uma oposição que deveria estar plenamente sadia. Além da campanha, a “pacificação” de antes, entre o grupo Bacellar e Wladimir favoreceu o prefeito, que fez cara de paisagem e colheu os frutos dela.

Contrariar as estatísticas é o desafio
Wladimir Garotinho navegou com destreza entre a virtù e a fortuna. Ele fez o que precisava, jogou com as cartas que tinha e venceu a partida. Mas o problema de brincar de príncipe é que o castelo, uma hora ou outra, pode começar a ruir. Não será o primeiro, nem o último a ver a “fortuna” mudar de humor.

Campos dos Goytacazes, esse feudo resistente, pode ser generosa com seus líderes, mas é impiedosa quando as promessas não resistem à realidade. Wladimir, esperto como o clã lhe ensinou, sabe que o jogo não acabou. Se Maquiavel estivesse por aqui, talvez dissesse que agora começa o verdadeiro teste: sobreviver à própria sombra.

E aí, meu caro Wladimir, quando a “fortuna” cansar de você, seu verdadeiro feito vai ser contrariar o que lhe favoreceu nessa eleição: as estatísticas. Precisará fazer um segundo governo melhor que o primeiro.
Compartilhe
O Bar que resiste: a última cena de Bicho André
02/10/2024 | 21h53


Se seu bar fosse um filme, André seria algo como um Tarantino. Se fosse um livro, um Hemingway. Tem criadores que são assim: as suas criaturas carregam sabores especiais por serem deles. No caso de André, como ele dedicou sua vida a uma de suas criaturas, ela levou seu nome: “Bar Bicho André”.

André tinha mais de um metro e oitenta, assim como Tarantino e Hemingway. Era difícil passar despercebido. Era daqueles tipos que podiam transmitir, pelo rosto, mesmo com os olhos encobertos pelos óculos Ray-Ban, sarcasmo e raiva na mesma intensidade de satisfação e alegria. O sonho do bicho era criar o melhor bar de Campos; talvez não tenha conseguido, mas conseguiu algo ainda maior.

Quantos na cidade entravam no Bicho André sedentos para viver os exageros dionisíacos daquele oásis do rock campista. Iam para matar a sede em um bar de estética noir, e por lá tentavam extravasar o que era preciso exorcizar. E encontravam companheiros e companheiras igualmente sedentos, em uma taberna que aceitava que bandas locais experimentassem sua arte, nua e crua. Era como atravessar um portal em uma cidade cheia de tradicionalismos bobocas. E o guardião era André.

Entre pôsteres de bandas e copos trincados, seu bar era um santuário onde a vida se propunha a acontecer com mais intensidade. O guardião André por vezes mantinha seu templo com a dualidade com o profano, onde o sagrado não era algo religioso, mas sim a humanidade. Uma trincheira roqueira onde guitarras distorcidas ecoavam como orações, e cervejas eram servidas como sacramento.

André talvez tenha entendido que o Bicho André viveria tempos difíceis se não fosse encarado como um comércio. Se não se rendesse às facilidades do pop, se não abrisse sua casa para espetáculos popularescos cheios de pagantes sem alma.
Facebook - Wellington Cordeiro
Talvez já tivesse entendido isso antes mesmo de abrir as portas do bar pela primeira vez. Mas decidiu não se render. Fez de sua criatura a extensão de casa. Queria produzir memória, pertencimento e identidade. Acolhia clientes como amigos, queria que eles tivessem no Bicho André vivências memoráveis ao som de rock e blues. Conseguiu.

O guardião e criador do Bar Bicho André se despediu na segunda, último dia de setembro do ano de 2024. Dizem que antes de morrer a vida passa diante de nossos olhos. Crendices de quem quer acreditar que há algo de especial na morte.
André acreditava na vida, embora tenha se entregado a pulsões mórbidas algumas vezes. Mas, vai que há mesmo algo de especial na morte, e que tenhamos um tempo por aqui, em plano terrestre, para fazer aquilo que estamos destinados. E que alguns conseguem e outros não, e no fim um filme realmente se passa para sermos espectadores de nós mesmos. Vai que.

Facebook - Aluysio Abreu Barbosa
Nesse caso, André deve ter se colocado de frente para uma das mesas do Bicho, em uma cadeira alta de madeira, ao lado de uma parede de azulejos estilizados e de costas para um painel ripado com fotos de clientes e de presentes que recebeu de um em especial, que via como filho.
De lá viu sua vida passar, ouvindo rock em volume alto. Viu seus amores, parceiros, amigos e inimigos de uma vida intensa. Entre um gole de cerveja e outro, curtia o que via, chorava, ria, e tentava dirigir as cenas novamente. Mas o tempo de Tarantino havia passado.

Lá pelas tantas, já quase pronto para apagar a luz do bar e fechar a grade, uma garotinha se aproximou e disse que o amava; e o perdoava. Disse que se sentia jovem, como ele sempre foi, e que queria se manter assim, como ele. Que havia herdado dele quase tudo. Era sua única filha, Carol. André chorou, beijou-lhe a testa, e disse que sempre estaria com ela. Ela, disse apenas que sabia disso.

Aquela era a última apresentação do Bicho André, e as luzes se apagaram. Os créditos passaram todos na tela e o livro teve seu ponto final. Mas André ensinou durante toda sua vida, e deixou como ensinamento: o show tem que continuar.

Compartilhe
O natal em Paris e a saudade do empadão
29/09/2024 | 11h01
Arte digital criada por IA
Arte digital criada por IA / Edmundo Siqueira



Quando ouvi minha prima dizer durante a ceia de natal de 2004, a quem quisesse ouvir, que ela havia detestado os festejos natalinos de um ano antes, achei que ela estava querendo confetes. Esperava que alguém dissesse: “Como assim? Impossível!”.

Afinal, ela estava em Paris, mais precisamente em um charmoso apartamento a uma quadra da Avenue des Champs-Élysées; uma das principais avenidas da Cidade Luz, ainda mais iluminada, com suas árvores enfeitadas até o Arco do Triunfo, formando um corredor mágico de sonhos e luzes amarelas.

Como pode não ter gostado? Me perguntava, incrédulo, enquanto comia mais um pedaço de empadão feito pela minha mãe e renegava o arroz com uvas-passas. Na casa dos 20 anos não pude perceber o que estava em jogo na percepção triste que Paris trazia para ela. A questão não estava nas luzes, nas lojas pomposas ou nas construções de mais de 800 anos nas margens do rio Sena. Não havia pertencimento.

Pertencer a um lugar pode ser um pensamento meramente bairrista, algo que de afeição extremada por uma territorialidade, mas acredito que pertencimento fale mais sobre vivências e a cultura que as circunstâncias e as estruturas físicas acabam por fornecer aos nossos intelectos e nossos inconscientes. Portanto, é possível ter pertencimento por um lugar mesmo estando distante dele. E talvez tenha sido exatamente isso que tenha deixado de acontecer quando minha prima declarou sua insatisfação por ter passado o natal em Paris.

Mesmo que estejamos carregando as determinações do tempo e de nossas vivências, é preciso se reconhecer em um local, se sentir em casa, sentir-se como parte. Esse é um sentimento poderoso. Podemos viajar o mundo, morar na capital ou passarmos anos vivendo no exterior; mas o que sentimos ao retornarmos para onde tudo começou é único. Mesmo que seja traumático em alguma medida, é sempre singular.

Pode parecer nostálgico — não tenho vergonha de sê-lo —, ufanista e até ingênuo. Mas é preciso reconhecer que um cheiro familiar nos transporta para memórias afetivas, que janelas azuis de madeira tem o poder de fazer ouvir o vento ou que ipês amarelos, floridos pela primavera, nos alegram. Isso tudo faz parte de quem somos, e as referências podem sim ser diferentes, mas certamente há elementos com esse poder nos inconscientes alheios.

Arte digital criada por IA
Arte digital criada por IA / Edmundo Siqueira
Lá em Paris, na Champs-Élysées, minha prima pôde ser vista pelo vidro de seu apartamento, com os cotovelos no peitoril, olhando para a neve que caía sobre alegres parisienses, que levavam em sacolas de papel foie gras, champagne, escargots e salmão defumado. O semblante dela era triste. Não havia em sua memória nada de escargots e foie gras. Havia um natal quente, onde era servido empadão e arroz com uva-passas. E era maravilhoso.


Viajar pelo mundo é um privilégio, e o intercâmbio cultural é essencial para entendermos as universalidades. Mas é preciso se reconhecer, em qualquer lugar que estejamos.
Compartilhe
Mulheres de Atafona participam de roda de conversa no Rio, na próxima segunda (30)
28/09/2024 | 11h20
Sônia Ferreira, presidente da Associação SOS Atafona  "Sou feliz em Atafona, pois aqui é meu lar. Nunca pensei em ir embora. A ‘fresca’ daqui não tem igual, Até a areia  cura."
Sônia Ferreira, presidente da Associação SOS Atafona "Sou feliz em Atafona, pois aqui é meu lar. Nunca pensei em ir embora. A ‘fresca’ daqui não tem igual, Até a areia cura." / Raphael Dias

Na próxima segunda-feira (30), quatro representantes de Atafona e São João da Barra estarão no Rio de Janeiro participando da “Roda de Conversa Mulheres de Areia, Memórias de Atafona”, evento realizado através da Lei Paulo Gustavo. O encontro busca explorar a relação afetiva das mulheres de Atafona com seu território em meio às transformações significativas vividas no local.

O evento terá um painel de debates e a apresentação de gravações e fotografias, tendo como convidada uma das coordenadoras da Superintendência de Autonomia Econômica da Secretaria de Estado da Mulher, Fabiana Luna, e acontecerá na Biblioteca Parque Estadual, na avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio.

Partindo da pergunta “Qual é a relação de afeto delas com o território?”, o projeto mapeou como as mulheres de Atafona foram e são afetadas, e como a memória cultural de uma comunidade é formada por tradições, linguagens, costumes e crenças. E principalmente como o impacto de uma catástrofe ambiental que assola o local mobiliza os que ali residem.

Raphael Dias
Atafona -
A situação de Atafona, localizada no Norte do estado do Rio de Janeiro, é alarmante. O município de São João da Barra enfrenta o pior caso de erosão costeira do Brasil, com 14 quarteirões e mais de 500 casas já desaparecidas desde a década de 1970.


Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado em 27 de agosto mostrou que a cidade do Rio de Janeiro e o distrito de Atafona devem ter o aumento do nível do mar em até 21 centímetros até 2050, intensificando o impacto migratório na região. Apesar dos desafios, a resistência da população, especialmente das mulheres, é fundamental para manter o vínculo afetivo com o local.


Serviço:

DATA: Dia 30 de setembro - 2ª feira
HORÁRIO: Das 14h às 15h30
LOCAL: Biblioteca Parque Estadual - Av. Pres Vargas, 1261, LAB 3 – Centro, Rio de Janeiro – RJ.

Painel + Apresentação de Gravações e Fotografias

• Ana Luiza Cassalta – Coidealizadora do projeto, Jornalista e Produtora Cultural
• André Pinto – Historiador e Guia em Turismo Científico-SJB
• Fernanda Pires – Líder da Cooperativa Arte Peixe e Presidente do Conselho da Mulher-SJB
• Izabel Gregório – Especialista Educação Ambiental e Gerente de Literatura/Sec. de Cultura-SJB
• Sonia Ferreira – Presidente da Associação SOS Atafona
• Raphael Dias – Fotógrafo e Cineasta
• Convidada: Fabiana Luna – Coordenadora na Superintendência de Autonomia Econômica na Secretaria de Estado da Mulher


Organizadora: Ana Luiza Cassalta 
Site: www.soudonadaminhavida.com.br/atafona
Instagram: www.instagram.com/memoriasdeatafona
Compartilhe
A ciência política e as decisões do eleitor no Folha no Ar dessa 5ª
25/09/2024 | 16h58
O Folha no Ar desta quinta-feira (26) recebe Vitor Peixoto, cientista político e professor da Uenf, para falar sobre o ano eleitoral que ocorre em todo Brasil, com os desdobramentos que a disputa para a prefeitura de São Paulo tem trazido à discussão política atual, as escolhas do eleitor pela continuidade ou novidade, além de análises sobre as eleições cariocas e do Norte Fluminense. 
Vitor analisará ainda o processo eleitoral deste ano em Campos, e com base nas pesquisas, tentará projetar como o eleitor irá se comportar nas urnas no próximo dia 6 de outubro. 
O programa vai ao ar nesta quinta-feira (26), ao vivo, a partir das 7:10  horas da manhã, na FolhaFM 98,3. Perguntas podem ser enviadas em tempo real pelas plataformas da FolhaFM, no Facebook, YouTube e Instagram. O programa também terá transmissão pela Plena TV.
Compartilhe
A sociedade aberta, seus inimigos e os debates intolerantes
22/09/2024 | 22h27
Os algoritmos, a liberade e a tolerância
Os algoritmos, a liberade e a tolerância / Arte digital criada por IA, por Edmundo Siqueira


Existem dois conceitos fundamentais quando pensamos em uma democracia liberal: liberdade e tolerância. E até mesmo por seus papéis fundacionais em um sistema repleto de freios e contrapesos, e com a necessidade perene de limitação de poder mesmo quando exercido pelo Estado (este limitado pela Constituição), são conceitos complexos e por vezes contraditórios.

Como a garantia de liberdade, que não pode assumir um caráter absoluto, devendo ser limitada e relativizada quando fere outros direitos fundamentais. Em uma democracia liberal deveria parecer claro que o limite da liberdade é a lei. Portanto, quando o direito de exercer a liberdade fere o ordenamento posto e pactuado coletivamente, essa garantia perde seu objeto; seu preceito.

Pode parecer uma contradição aparente, mas limitar a liberdade individual é papel de uma democracia liberal, justamente para garantir que haja convivência pacífica em âmbito coletivo. O direito de ir e vir, por exemplo, não pode ser exercido plenamente quando há uma situação extrema ou calamidade, justamente para proteger o indivíduo quando este quer assumir uma conduta que cause riscos para si e para seus conviventes. Limitações de direitos também falam sobre proteção.

Quando caminhamos em terrenos políticos, podemos perceber que a liberdade é usada como elemento central de discursos que buscam radicalidade e ruptura; travestidos de defensores da liberdade, subvertem seu real sentido. E por vezes conseguem convencer uma quantidade de pessoas suficiente para criar um movimento significativo socialmente, e é nesse ponto que as democracias liberais passam a ter um problema para resolver.
 
Estaremos prontos para o deserto de informações demasiadas?
Estaremos prontos para o deserto de informações demasiadas? / Arte digital criada por IA, por Edmundo Siqueira


Limitar ou ampliar?

A primeira reação dos democratas talvez seja limitar a presença desses transgressores libertários no debate público, bloqueando seus perfis nos ambientes digitais, impedindo que compareçam a debates televisionados ou mesmo dificultando seu acesso a partidos políticos ou candidaturas avulsas. A premissa é de que a voz desses indivíduos seja calada, impedindo que convençam outros de suas convicções deturpadas.

Mas como exercer esse controle de forma equilibrada? O direito, como ciência social, estabelece a intenção, o dolo, como um elemento central para o julgamento de crimes. A mesma conduta pode ter interpretações e punições diferentes a depender da intenção. Para se formar o dolo, o agente causador do ato ilícito precisa ter conhecimento da ilegalidade, vontade de agir e indiferença perante o resultado danoso.

Decisões judiciais que visam impedir que agentes políticos — investidos ou não em mandatos — atuem livremente para descumprir leis de forma dolosa, mesmo quando feito em ambientes virtuais, atendem à premissa da proteção do modo de vida da sociedade, do espírito das leis e da Constituição. Portanto, alguém que possui o dolo evidente de quebrar as vigas de sustentação da democracia precisa ser combatido, e calado quando o resultado danoso de sua conduta estiver em suas palavras.

Porém, mesmo havendo dolo no uso de liberdades individuais fundamentais como a livre expressão, é preciso que seu combate seja feito em bases razoáveis, e temporárias. Não se pode calar alguém na sociedade de forma indiscriminada, tampouco por tempo indeterminado. Caso contrário, estaremos supondo que aquele agente estará sempre cometendo ilegalidade em suas opiniões, e agiremos em censurá-lo previamente.

Karl Popper
Karl Popper / Reprodução
A tolerância e o debate público


O segundo conceito chave em uma democracia liberal, a tolerância, dialoga essencialmente com a liberdade de expressão nos tempos atuais. Produzimos a maior ferramenta de comunicação humana já vista, a mais global e a mais rápida que já existiu.

A internet não apenas possibilitou essa comunicação como retirou do processo entre emissor e receptor qualquer tipo de mediação ou filtro. Qualquer pessoa pode ser um produtor ou emissor de conteúdo e ele é distribuído para outrem sem passar por qualquer crivo de qualidade ou de senso de credibilidade.

A internet produziu um cenário libertário, mas concentrou em poucos controladores o poder sobre os meios em que as mensagens são produzidas. E criou os algoritmos para direcionar de forma automatizada as predileções e os ódios.

A questão é que “o meio é a mensagem”, como ensinou o filósofo canadense Marshall McLuhan. A forma como recebemos a informação é tão significativa quanto o conteúdo que ela transmite. Esse “meio”, apesar de aumentar significativamente a capacidade de comunicação entre os indivíduos, produziu paradoxalmente um enorme afastamento ideológico, social e afetivo.

Outro filósofo, contemporâneo de McLuhan, mas nascido em Londres, Karl Popper, ganhou notoriedade mundial ao descrever outro paradoxo: o da tolerância. Esse conceito é descrito por Popper em uma nota de rodapé em seu livro “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, e sua essência está na primeira frase: “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”.

“Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”, continua, na mesma nota de rodapé.

O que Karl Popper está dizendo é que as democracias liberais têm o dever de suprimir as tentativas intolerantes, e mesmo que “pela força”, pelo poder coercitivo do Estado, impedir que cresça na sociedade um sentimento de intolerância, de ódio ou de incapacidade de convívio.
Caso optamos por permitir, estaremos dando passos temporais largos para um passado incivilizado, e portanto destruindo o que chamamos de sistema democrático. Portanto, o debate público não pode acontecer à margem da lei, e jamais em bases intolerantes.

Se não defendermos a tolerância com firmeza, permitiremos que a liberdade, ao invés de um direito, se torne uma arma nas mãos de seus maiores inimigos.

Compartilhe
O avanço pedagógico do mar de Atafona e da decadência campista
14/09/2024 | 20h05
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas.
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas. / Felipe Fittipaldi - National Geographic
 
No início do século passado, ali pelos anos 1920, Campos experimentava um apogeu sucroalcooleiro. Quase três dezenas de usinas operavam no município. Abadia, Barcelos, Caconda, Cambahyba, Outeiro, Sapucaia…eram nomes do cotidiano de Campos, tanto nas áreas rurais como no centro urbano. O açúcar movia a cidade.

Havia diversas cadeias produtivas que as usinas movimentavam: comércio, mercado imobiliário, agronegócio, serviços e até arte e cultura. Elegantes cafés — como o emblemático Café High Life, na 7 de setembro —, teatros — sendo o Trianon como o mais importante —, restaurantes, hotéis, livrarias e o novo prédio de inspiração francesa do Mercado Municipal são pontos de convivência nesse período.

Campos se modernizava, e tentava construir uma elite culta, que se espelhava no Rio de Janeiro, que por sua vez ansiava o modo de vida europeu. Não por acaso, essa elite campista dava vida ao centro da cidade e estruturava a convivência urbana. Mas também, com consequências até hoje, sem se preocupar muito com a desigualdade que vinha a reboque.

Existe uma praia campista: Farol de São Thomé. Contudo, a distância do centro desmotivou a maioria das famílias que buscavam uma casa de veraneio que proporcionasse a ida e vinda para a cidade de modo constante. Isso era possível nas praias do município vizinho, São João da Barra, o que levou a até então bucólica e mágica praia de Atafona, onde o rio encontra o mar, ser um dos principais destinos dos campistas mais abastados, que primeiro alugavam casas de pescadores e depois passaram a construir palacetes à beira mar.
 
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães.
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães. / Podcast Elas tem História


Esse movimento de ocupação das praias sanjoanenses se intensificou na segunda metade do século XX, quando houve uma ascensão econômica de profissionais liberais, comerciantes e comerciários e os proprietários e trabalhadores das usinas de cana-de-açúcar de Campos. E foi preciso criar núcleos com características urbanas ao redor, com a oferta de serviços públicos como saneamento e asfalto. E também problemas de toda ordem.

Ações, omissões e o inevitável

Não é impossível fazer uma correlação do avanço do mar nesses locais com a ocupação territorial. O aumento da urbanização e da exploração dos recursos naturais — não só em Atafona mas em toda região, ao longo da bacia do Rio Paraíba do Sul — contribuíram para a diminuição da vazão do Paraíba, o aumento do assoreamento e a redução do aporte de sedimentos na foz em delta que tem Atafona como seu estuário.

Claro, não foi apenas isso que levou Atafona a uma situação de dramaticidade apontada pela mídia mundial. Começa a partir da década de 1950, quando o Rio Paraíba do Sul passou por grandes intervenções, como a transposição de suas águas para o Rio Guandu e, mais tarde, para o Sistema Cantareira (maior produtor de água da região metropolitana de São Paulo), com o objetivo de abastecer as metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra. / Rafael Duarte - site Mongabay

O equilíbrio da foz do Rio Paraíba foi rompido por diversos fatores. Não apenas ambientais, diga-se de passagem. Ações ou omissões políticas foram também determinantes. Talvez a ocupação de Atafona pelos campistas fosse inevitável, assim como desviar uma quantidade abissal de água do Paraíba para abastecer grandes e populosos centros urbanos. Porém, mesmo o inevitável pode ser feito mantendo-se um sistema equilibrado, em medidas mais justas, mantendo-se direitos e ordenando quais áreas poderiam ser construídas, tendo os impactos compensados, ao menos.

Muito poderia ter sido feito: controle do assoreamento, recuperação da vegetação ciliar, estruturas de contenção, recuperação da vegetação de dunas, implementação de zonas de recuo, entre outras providências que reduzissem os impactos e contivessem o avanço do mar. Mas pouco decidiu ser colocado em prática.

O avanço de um mar de decadência

É preciso buscar compreender os porquês dos abandonos e qual contexto histórico se impôs à Campos no último século. O açúcar que movia a cidade foi ganhando contornos de amargura administrativa. As usinas, uma a uma, foram desligando suas máquinas e interrompendo um ciclo econômico virtuoso.

A derrocada sucroalcooleira, assim como o avanço do mar em Atafona, não pode ser explicada por um único fator, ou mesmo fatores isolados. A mudança na política nacional de produção de álcool, a falta de matéria prima em Campos, problemas na administração das usinas que configuravam-se essencialmente como empresas familiares de pouca sofisticação organizacional, falta de diálogo entre os industriais, e outros tantos problemas que começaram a se acumular.

Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970.
Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970. / Instituto Federal Fluminense (IFF) - portal2015.iff.edu.br
A decadência das usinas avançou como um mar furioso sobre a região. O fato de se ter descoberto uma bacia de petróleo gigantesca em Campos, durante o mesmo período, poderia ter sido a redenção, mas o dinheiro “fácil” dos royalties e de participação especial acelerou a deterioração do parque industrial campista — como sintoma evidente da chamada de “doença holandesa”, ou “maldição dos recursos naturais”.

O avanço do mar de decadência também não foi contido e deixou ruínas na paisagem urbana de Campos e na praiana, em Atafona. São marcas de um passado recente, visíveis após o recuo de um oceano de desmandos.

Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023.
Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023. / Folha1
O período áureo produziu lideranças políticas, a derrocada também. Com espaços de poder esvaziados pela falta de dinheiro dos prefeitos ligados às usinas, novos grupos políticos surgiram, e não por acaso evidenciando essas mesmas ruínas. Palanques foram erguidos com os tijolos das usinas desativadas e dos teatros e cafés do Centro Histórico.


O mar, o rio, a cana, o açúcar, o álcool e o petróleo são implacáveis. Não coadunam com omissões e pecados políticos. Podem ser elementos de desenvolvimento ou de destruição, a depender do uso dado. As ruínas deixadas podem servir de exemplo, como um aviso do que acontece quando há desleixo e mudanças no equilíbrio entre os recursos.

Mas, o que se vê até agora em Campos, é que nos habituamos com a paisagem, chutando os destroços que ainda estão pelo caminho, sem aprender com eles. E apagando definitivamente o Café High Life e do Trianon. E os desastres, pouco a pouco, vão perdendo o valor pedagógico.
 
Compartilhe
Como cultura e patrimônio estão inseridos nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de Campos?
08/09/2024 | 12h37
Campos dos Goytacazes é uma cidade de orçamento bilionário. Desde meados dos anos 1980, vem recebendo vultosos recursos oriundos da exploração de petróleo, e, antes disso, beneficiava-se dos ciclos econômicos da pecuária e da cana-de-açúcar. Constituiu-se como um centro urbano importante ainda no Brasil Império e possui localização privilegiada.
Por esses e outros fatores, estabeleceu-se como uma referência regional em saúde, comércio, imprensa, universidades e serviços, além de ter produzido lideranças políticas de relevância nacional.
Porém, alguns setores foram negligenciados ao longo do tempo. Cultura, turismo, meio ambiente e mobilidade urbana estão certamente entre eles. A negligência de sucessivos governos e o desinteresse do empresariado campista em investir nessas áreas deixaram provas inequívocas na paisagem de Campos: diversos patrimônios materiais históricos deixaram de existir, outros tantos estão em ruínas; o movimento turístico é irrisório; áreas como Lagoa de Cima e Imbé foram abandonadas; e há poucas opções de modais de transporte.
Interligados em uma cidade histórica como Campos, cultura e turismo começaram a ganhar algum destaque recentemente. O uso de áreas como o Cais da Lapa e o centro histórico está em discussão; solares como os Airizes e Colégio receberam investimentos e também estão sendo debatidos, assim como o Mercado Municipal.
Embora sejam setores com potencial para gerar empregos, divisas e impostos — além de promover pertencimento e educação — cultura e turismo carecem de políticas públicas em Campos. Décadas de negligência não se resolvem sem ação efetiva e perene, e movimentos isolados não possuem força suficiente para mudar o cenário.
Mas, como estão as áreas cultural e patrimonial nos planos dos sete candidatos à prefeitura nesta eleição? Quais compensações foram apresentadas como propostas? Cultura está entre as prioridades nos planos de governo? Qual plano se destaca?
Essas questões são respondidas a seguir, com uma análise dos planos de governo dos candidatos em ordem alfabética, conforme os respectivos nomes de campanha (veja números das últimas pesquisas aqui):
 
DELEGADA MADELEINE
 
  • Candidata a prefeita: Madeleine Dyckman Farias (Delegada Madeleine)
    Partido: União Brasil
    Candidato a vice-prefeito: Oziel Baptista (Ozielzinho)
    Partido: PSB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
O tema da cultura é tratado de forma tímida no programa de governo da candidata. No eixo turismo, o item 2.6.3 propõe "incentivar a cultura do turismo interno, inclusive com a preparação de recursos humanos com impacto direto". O item também cita como “importante, ou fundamental, pessoas que falam outros idiomas, como inglês e espanhol”
Há também a proposta de "inserir a cultura como um tema relevante para o desenvolvimento do turismo", e a priorização dos "eventos tradicionais da população, como a folia de reis".
O plano, entretanto, não apresenta nenhuma proposta para a preservação do patrimônio histórico.

DR. BUCHAUL
 
  • Candidato a prefeito: Alexandre Buchaul (Dr. Buchaul)
    Partido: Novo
    Candidato a vice-prefeito: Isaac Vieira
    Partido: Novo
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
A cultura aparece no 3º item dos Eixos Temáticos do plano de governo de Dr. Buchaul, porém, também trata o tema de forma superficial. No item “Educação, cultura e esporte”, o foco está na educação, sem detalhamento específico para cultura. A cultura também surge em "Segurança Pública", quando diz que irá “estruturar intervenções integradas de prevenção ao crime, em cooperação com as áreas de cultura, educação, saúde, assistência social e com as forças de segurança” propondo intervenções preventivas.
No eixo "Transporte Coletivo e Mobilidade", com projetos de revitalização de terminais , citando “revitalizar terminais de ônibus e metrô por meio de projetos que ampliem as atividades comerciais e culturais oferecidas aos usuários do transporte coletivo”.
O plano não apresenta nenhuma proposta para a questão patrimonial.

FABRÍCIO LÍRIO
 
  • Candidato a prefeito: Fabrício Lírio Rodrigues (Fabrício Lírio)
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Candidata a vice-prefeita: Vanessa da Enfermagem
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Quantas vezes “cultura” é citada: 19
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O plano de governo do candidato Fabrício Lírio também traz o tema em conjunto com educação e esporte, mas dedica um subitem específico para a cultura. Propõe a criação de “Centros Culturais” nos bairros, “para promover a cultura local” e a criação de um “Calendário Cultural”, propondo a valorização de “tradições locais”.
O plano também traz a proposta de “incentivar os artistas locais por meio de programas de investimento em arte e cultura” e “workshops culturais”, com objetivo de “identificar artistas locais”.
A cultura volta no item 9 do plano de governo do candidato Fabrício Lírio, também dividindo espaço com o turismo, mas traz propostas específicas sobre o patrimônio histórico: “implementar políticas de preservação do patrimônio histórico e cultural, revitalizando áreas e prédios históricos locais”.
Também cita como ideia fomentar “parcerias com as universidades para garantir a pesquisa contínua sobre nossa cultura” e a criação de “Roteiros Turísticos”, com objetivo de “desenvolver roteiros turísticos que valorizem a cultura, história e natureza do município, promovendo o turismo sustentável”.

PASTOR FERNANDO
 
  • Candidato a prefeito: Fernando Sergio Trindade Crespo (Pastor Fernando)
    Partido: PRTB
    Candidata a vice-prefeita: Dr. Carlito
    Partido: PRTB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 50
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
Assim como os demais até aqui, traz a cultura como tema acessório, em conjunto com o “esporte” e “lazer”. Mas dedica um subitem exclusivo à cultura, dizendo na introdução que “a cultura e um elemento vital para a identidade e a coesão social” e que “promover a cultura e essencial para valorizar nossa historia, nossas tradições e nossa criatividade”.
Entre as propostas para a cultura, o plano traz a criação de “Espaços Culturais”, apoio para “artistas locais” e a criação de “festivais e eventos culturais”. No fechamento do item dedicado à cultura, o candidato traz novamente a ideia de “valorizar nossa identidade e promover a coesão social” e cita a cultura como um elemento capaz de “impulsionar o desenvolvimento econômico”.
Sobre patrimônio histórico, o candidato insere o tema em conjunto com o turismo, onde pretende “explorar o potencial turístico do município, promovendo as belezas naturais e o patrimônio histórico cultural”. A questão patrimonial também aparece quando é tratado o tema da “Revitalização de Áreas Urbanas Degradadas”.

PROFESSOR JEFFERSON
 
  • Candidato a prefeito: Jefferson Manhães de Azevedo (Professor Jefferson)
    Partido: PT
    Candidata a vice-prefeita: Mayra Coriolano Freitas
    Partido: PT
    Quantas vezes “cultura” é citada: 40
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 6
 
O plano de governo do candidato traz a cultura associada à questão patrimonial, dedicando um item exclusivo para isso, denominado como “Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo”. Como proposta central, pretende destinar “1% do orçamento municipal para o Fundo Municipal de Cultura”, onde, segundo a proposta, deverá custear o que está previsto no Plano Municipal de Cultura.
O Plano Municipal de Cultura foi instituído em Campos através da Lei 9.065, de 31 de maio de 2021, e traça diretrizes e políticas públicas da área para a cidade até 2031. Constituir um plano é uma obrigação dos municípios brasileiros, conforme diretriz do Ministério da Cultura, e é requisito para receber algumas verbas estaduais e federais.
O candidato Professor Jefferson cita ainda como proposta o “reconhecimento do papel dos órgãos representativos do Sistema Municipal de Cultura do município”, como o Comcultura, Coppam e Funcultura. Apresenta também como proposta a realização de concurso público para a área.
Também traz o uso da educação patrimonial nas escolas municipais, para “atuação como elo entre a cultura, o patrimônio e as unidades escolares e os munícipes” e para identificar “potenciais artistas nas diversas modalidades culturais e artísticas” entre os alunos. Propõe a utilização do CEPOP como “equipamento cultural” e garante a realização de eventos “já tradicionais”, como o carnaval, Bienal do Livro, Festival Doces Palavras (FDP!) e Rock Goitacá. Cita ainda o “reconhecimento da cultura do povo negro e periférico do município”.
Sobre a questão patrimonial, o candidato propõe a criação de uma “política pública de recuperação e preservação do patrimônio histórico-cultural municipal”, e a “implantação de museus temáticos para divulgar e preservar a memória e a história da população campista”. Também propõe “a criação de mais duas Casas de Cultura em distritos mais distantes do centro”.

THUIN
 
  • Candidato a prefeito: Raphael Elbas Neri De Thuin (Thuin)
    Partido: PRD
    Candidata a vice-prefeito: Clodomir Crespo
    Partido: DC
    Quantas vezes “cultura” é citada: 57
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O candidato inicialmente traz a cultura dentro do eixo “comércio”, com o subitem “Cultura e Entretenimento”. trazendo como proposta “promover eventos culturais e de entretenimento no centro da cidade” e “parcerias com artistas locais para revitalizar fachadas e espaços públicos com murais e intervenções artísticas”.
No eixo “turismo”, propõe a organização de “eventos e festivais temáticos que celebrem a cultura” e a criação de um “calendário anual de eventos”. O candidato dedica o item 16 do plano de governo para a “cultura e entretenimento”, onde propõe a “valorização da cultura local” e o “desenvolvimento de eventos e espaços culturais que enriqueçam a vida dos cidadãos”. Cita a ideia de “transformar Campos dos Goytacazes em um polo cultural dinâmico”, e “fomentando a diversidade cultural”.
O plano segue com outras propostas para a cultura, como a “formação e capacitação cultural”, pretendendo “desenvolver programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas” e oferecer “programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas”. Também propõe a “realização de festivais de cinema, teatro e música”, feiras exposições, “festivais culturais” e “centros culturais e comunitários”.
Como inovação, propõe a criação de “Programas de Residência Artística”, onde pretende “desenvolver programas de residência artística para atrair artistas de outras regiões e países, promovendo o intercâmbio cultural”. Como continuidade (a Secretaria Municipal de Captação de Recursos e Convênios foi criada pela Lei 9.463, de 14 de março de 2024), cita a criação de “Subsecretaria para Captação de Recursos e Fomento a Projetos Culturais”, para “promover a captação de recursos através de leis de incentivo à cultura”, “parcerias com empresas” e “suporte técnico e financeiro para a elaboração e execução de projetos culturais”.
Na questão de patrimônio histórico, o candidato propõe que seja realizado um “inventário e divulgação do patrimônio cultural (...) material e imaterial de Campos dos Goytacazes, incluindo monumentos, edificações históricas, festas populares, artesanato e tradições locais”. Também cita como ideia “divulgar amplamente o patrimônio cultural através de exposições, publicações, mídias sociais e campanhas educativas”.

WLADIMIR GAROTINHO
 
  • Candidato a prefeito: Wladimir Barros Assed Matheus de Oliveira (Wladimir Garotinho)
    Partido: PP
    Candidata a vice-prefeito: Frederico Paes
    Partido: MDB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 10
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 1
 
O plano de governo do candidato traz inicialmente a cultura inserida em outros itens, nas propostas para a “terceira idade”, “infância e juventude” e “turismo”. Entre as propostas, cita que irá “implementar levantamento georreferenciado para atualizar inventário turístico de pontos históricos, culturais, belezas naturais” e a criação de um “Portal digital”, trazendo informações turísticas de Campos.
Cita ainda a capacitação de “alunos da rede pública municipal para atuarem como condutores turísticos mirins, incentivando o interesse pelo patrimônio cultural local e enriquecendo a experiência de aprendizagem”.
No item dedicado à cultura, o plano evidencia o Arquivo Público Municipal, o Solar dos Airizes, o Teatro Trianon e o Teatro de Bolso, relacionando com o tema do patrimônio material de Campos.
Propõe “manter e prover o Arquivo Público Municipal, para preservação e acesso ao acervo de documentos públicos e privados de interesse da população”, e a criação do “Museu Campos de Energias”, no Solar dos Airizes, “visando resgatar a importância histórica de atividades produtivas, manifestações históricas e culturais, relativas à matriz elétrica e sucroenergética de nossa cidade”.
Para os teatros, propõe a “expansão dos serviços oferecidos pelo Teatro Trianon e Teatro de Bolso, para impulsionar a cultura, criação, inovação e a diversidade artística no Município”.

*
Cultura e patrimônio ainda não vistos como um potencial 
A análise dos programas de governo dos sete candidatos à prefeitura de Campos dos Goytacazes revela uma tendência recorrente: a cultura, o patrimônio e o turismo ainda são tratados como temas periféricos, mesmo em uma cidade com histórico e potencial econômico para explorá-los de maneira estruturada. Apesar do reconhecimento de sua importância, poucos planos apresentam propostas verdadeiramente robustas e detalhadas para enfrentar décadas de negligência.

Campos, com seu orçamento bilionário, localização privilegiada e herança histórica, tem o potencial de se tornar um polo cultural e turístico. No entanto, esse caminho requer ações integradas e políticas públicas contínuas, capazes de preservar o patrimônio material e imaterial e fomentar o turismo de forma sustentável.
Infelizmente, a maioria dos candidatos falha em reconhecer o papel estratégico dessas áreas, limitando-se a propostas pontuais, sem a necessária articulação com o desenvolvimento econômico e social da cidade.

Sem o uso sustentável do patrimônio histórico, e com os empresários locais, historicamente alheios a esses setores, o poder público, seja quem for ocupar a cadeira em 1º de janeiro de 2025, precisa incentivar o investimento, pois a revitalização desses setores não será possível sem uma parceria público-privada sólida.

Campos precisa mais do que intervenções isoladas. A cidade carece de um projeto ambicioso e consistente que posicione a cultura e o patrimônio como motores de desenvolvimento econômico e de pertencimento. Sem isso, a paisagem seguirá marcada pelo abandono, e as promessas de campanha permanecerão vazias.
Compartilhe
Sobre o autor

Edmundo Siqueira

[email protected]