The Batman: um filme de canalhas e (quase) anti-heróis
13/03/2022 | 09h27
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A estratégia das grandes franquias, quando estão para entrar em cartaz, é usar os fãs para fazer o trabalho de marketing. Em tempos de redes sociais massificadas, até os haters ajudam no engajamento, e cada elemento do triler divulgado é analisado minunciosamente para achar alguma pista do que vem de novo e quais personagens serão exploradas. No Batman de Matt Reeves não foi diferente. Aliás, de diferente ele tem pouco.
“The Batman” é um noir, um “romance policial de suspense”. Daqueles que a gente fala que é bom. “E o Batman?” — “É bom”. Com ponto final, sem exclamações. Mas sem dúvidas vale o ingresso — estética e trilha inspiradas, enredo bem amarrado e boas atuações. Os exageros na duração da película e no uso de uma textura primitiva acabam por deixar alguns momentos maçantes e arrastados.
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A construção da Gotham City de Reeves é o ponto alto do filme. Obscura, corrupta e chuvosa, com tomadas de luminosidade bem pensadas, faz o espectador imergir na trama principal e nas paralelas. Nesses canários é que surge Zoë Kravitz interpretando uma Mulher-Gato com sensualidade e pés no chão; real e exposta. Personagem construída com maestria pela direção e atuação. A máscara, que a princípio pode parecer amadora e malfeita, logo se mostra condizente com a proposta.

Batman e Mulher-Gato rodam a Gotham de moto durante boa parte do filme, mas essas tomadas em nenhum momento entediam. É onde foi criada a tensão sexual e química entre eles. Ambas as motocicletas estilizadas com ar retrô, também sem exageros, mantendo-nos na garupa de forma deleitável.
O sempre esperado “carro do Batman” também não decepciona. Por homenagem ou inspiração, deixa um tom “Taxi Driver”, de Scorsese. Além disso, Gotham City é — sempre foi — uma alusão clara a Nova Iorque, com arquitetura industrial e com iluminação predominante de neons e telões de LED.
E essa cidade que leva “The Batman” nos apresentar aos vilões — canalhas mafiosos e policiais corruptos, Pinguim e o lunático Charada — diretamente para o estilo setentista de Scorsese. Mas também para o suspense investigativo de “Se7en”, de David Fincher, com um maníaco manipulador cometendo crimes bárbaros e deixando pistas direcionadas ao investigador. Nesse caso, Batman.
De forma proposital ou não, os “caras malvados” assumem o protagonismo da trama do primeiro ao segundo ato. Com destaque para John Turturro, que nasceu no Brooklyn e trouxe para o mafioso Carmine charme e frieza ao estilo italiano de Michael Corleone. E destaca-se também um irreconhecível Colin Farrell, que deu vida a um Pinguim assustadoramente real.
Apesar do grande vilão do filme ser o Charada, esse não atendeu as expectativas como antagonista principal. O tom excessivamente fetichista, com direito a máscaras de couro e gemidos de prazer quando matava, contrastou negativamente com uma atuação fraca de Paul Dano. Com pistas infantilizadas que foram deixadas nas cenas do crime, e os diálogos que estruturavam o jogo de palavras do vilão pueris, Charada não entrega o esperado.
Ainda é um Batman?
Mas o que mais incomoda é o Batman, propriamente dito. A escolha arriscada em Robert Pattinson, que se mostra ainda muito preso à saga Crepúsculo, vem agradando uma parcela significativa dos fãs — e trazendo novos —, mas é difícil aos acostumados com um Batman forte, estrategista e com veículos especiais. E apela ao fetichismo, também de forma exagerada. Saindo das sombras fazendo barulho ao estilo do Urso Judeu, do Tarantino “Bastardos Inglórios”, ou em tomadas que focam nas botas, o barulho do ranger do couro é quase ensurdecedor aos ouvidos mais puristas.
The Batman entregou um noir bem amarrado, trazendo as referências que agradam quem gosta de cinema. Agradou público e crítica. Mas é um filme sobre canalhas e o submundo da política e do crime. Um filme policial clássico. Traz um tom crítico necessário em um mundo apodrecido pelas relações de poder. Mas não é um filme para fãs. Tem pouco de Batman, e os vilões se destacam abertamente. Pattinson não entrega uma atuação brilhante e enfraquece demasiadamente o personagem.
Mas ele ainda se nega ao julgamento precipitado e a justiça com as próprias mãos. Mesmo se denominando com “vingança” logo no começo do filme, permanece sem cruzar linhas sem volta, mesmo sendo levado ao limite. Ainda é um Batman. Quase um anti-herói. Não se deixa corromper e não permite que aliados se corrompam. Consegue manter a expectativa para o próximo filme, e uma necessária ponta de esperança. Sim, ainda é um Batman.
 
* The Batman está em cartaz no Kinoplex, em Campos e no Cine Araújo.
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Campos e o Cinema
11/03/2022 | 10h36
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Campos é uma cidade de cinema. Não só por sua história — que certamente daria um filme —, mas por ter sido território ocupado por quase 70 salas de cinema de rua, nos anos 1960 e 70. E com uma característica primordial: a descentralização. De Santo Eduardo ao Centro, passando por Saturnino Braga, indo até Dores de Macabu; praticamente em todos os distritos era possível ver uma sala de cinema.
Hoje, Campos conta com modernas e confortáveis salas de cinema em shopping centers. Nesse fevereiro que passou, Guarus recebeu uma delas, no também recém-inaugurado Plaza Shopping. O primeiro cinema daquele que é um dos bairros mais populosos do município. Cinema com os padrões comerciais. Mas já nos anos 1950, lá estava instalado, e projetando a sétima arte, um charmoso cinema de rua.
O período de crescimento econômico que Campos experimentou, trazido pela indústria sucroalcooleira, propiciou que vários espaços culturais na área central do distrito-sede fossem abertos — e vivenciados. Cafés, livrarias, teatros, bandas de música e cineteatros efervesciam a cidade. A imprensa era ocupada por profissionais gabaritados e dava espaço à intelectualidade campista. O Café High Life e o Cine Teatro Trianon eram palcos elitizados de convivência e cultura. Os distritos levavam cinema aos moradores, servindo como equipamentos culturais descentralizados.
Apenas três distritos não possuíram registros de cinemas de rua: Ibitioca, São Joaquim e Dr. Matos (estes dois últimos extintos na divisão geográfica atual), como informa Joilson Bessa, poeta e mestre em geografia pela UFF Campos. Em seu trabalho de mestrado, Bessa verificou que a sala de cinema de rua mais antiga foi em Goytacazes, então 2º distrito, em 1930. Por lá o maior cineteatro da área rural de Campos, o Cine Teatro São Gonçalo, projetava filmes e documentários.
Nos anos 1950, mais 14 salas eram inauguradas. Duas décadas mais tarde, somavam-se 68 salas de cinema em Campos — 20 na sede, 48 na área rural. Deste ápice, o declínio levou a duas salas apenas, em meados dos anos 1980. O Cine Capitólio e o Goytacá sobreviviam bravamente, até deixarem de existir. O primeiro em 2001 e o segundo vendido para uma igreja evangélica nos anos 1990.
Sem cinema algum entre os anos de 1996 a 1999, a cidade começa a receber as salas de exibição modernas nos anos 2000. Em 2012, o shopping Avenida 28 inaugurava o Kinoplex, uma das maiores redes do país, depois de ter no mesmo local o Cine Ritz e o Cine Magic.
Vale lembrar que a Casa de Cultura Villa Maria tinha uma videoteca charmosa, que ficou acessível a qualquer campista em 1995. Com mostras de cinema e apresentação de filmes que não estavam no circuito comercial de cinema, a Villa foi uma espécie de cinema popular por quase seis anos.
Campos voltando a ser uma cidade de cinema
Os três principais shoppings da cidade contam com grandes salas de cinema, hoje. Ainda há muito para ser trabalhado em descentralização de arte e cultura em Campos, mas “o outro lado do rio” já pode comer pipoca e assistir projeções com padrões modernos. As grandes estreias cinematográficas são exibidas na cidade, sem qualquer prejuízo em comparação com as capitais.
O que não significa dizer que os ditos “cinemas de rua” não tinham qualidades; tanto na escolha das películas como nos equipamentos de exibição. O Trianon e o Goitacá suportavam mais de 1000 cinéfilos iluminados apenas pelos raios de projetores 35 mm — o mesmo utilizado no Capitólio, Coliseu, São José, Drive In e Dom Marcelo, que poderiam acomodar mais de 500 pessoas.
O cinema em Campos também passou também pela academia. Ou quase. A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que foi projetada por Darcy Ribeiro para ser uma universidade do terceiro milênio, tinha em seu projeto inicial uma escola de cinema. O Solar do Colégio, que hoje abriga o Arquivo Público, seria a sede da Escola Brasileira de Cinema e Televisão. O projeto não foi à frente, mas caso esse sonho de Darcy se tornasse realidade, Campos certamente seria um polo de produção cinematográfica de excelência, como é o ensino da Uenf em outras áreas.
Mesmo não sendo possível a realização do "sonho de cinema" de Darcy, a sua Uenf foi o local escolhido para a pré-estreia do curta-metragem campista “Faroeste Cabrunco”. Na última quarta-feira (9), o curta foi projetado no Centro de Convenções da Universidade. Com um nome “da gema”, o faroeste é estrelado por Tonico Pereira, ator de renome nacional, também campista.
Um cinema, seja de rua ou grandes salas comerciais, não são políticas públicas culturais. Estas são complexas e devem obedecer a parâmetros abrangentes, emancipatórios e democráticos. Mas voltar a ser uma “cidade de cinema” é fundamental para a formação de identidade e fortalecimento da cultura campista. Que a cidade, que ainda não realizou um dos sonhos de Darcy, possa ser (voltar a ser, ou ser ainda mais) uma cidade com cinema “pra cabrunco”.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

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