Arthur Soffiati - Ambientes naturais, alimentos e gastronomia (I)
Matheus Berriel - Atualizado em 10/08/2022 08:48
Basicamente, os ambiente naturais se agrupam em duas grandes unidades: o mar e os continentes. Examinando mais de perto, percebe-se que essas unidades básicas se organizam em biomas e ecossistemas. No mar, a classificação exige conhecimentos específicos desnecessários para os fins desse artigo. Nos continentes, a variedade é mais perceptível. Há ambientes úmidos e secos, mediados por ambientes semi-umidos e semissecos. Os mares são sempre superúmidos. As florestas tropicais pressupõem grande umidade, embora ela não seja tão intensa como nos mares e rios. As grandes florestas tropicais, como a amazônica, a congolesa e a indonésia, cresceram em ambiente tropical equatorial, irrigadas por muitos e grandes rios. A Mata Atlântica idem, embora restem dela cerca de 12% da cobertura florestal original. Nessas florestas, caminha-se do úmido (a mata) para o superúmido (os rios e os lagos que a irrigam).
O segundo ambiente contém menos umidade, situando-se entre o muito úmido e o semiúmido e o árido. Trata-se das savanas, presentes na América, África, Ásia e Oceania. Na América do Sul, o bioma savana mais amplo situa-se totalmente no recorte humano que recebeu o nome de Brasil. Ele recebe o nome próprio de Cerrado, ocupando um quarto do território brasileiro, equivalente a 2 milhões de km². Veloso, Rangel Filho e Alves Lima classificam o Cerrado como savana, um grande bioma que comporta variações. Assim, o Cerrado seria um bioma com os seguintes grandes ecossistemas: savana florestada (cerradão), savana arborizada, savana parque, savana gramíneo-lenhosa, savana estépica (V).
O Pantanal Magrossense situa-se abaixo do bioma amazônico e a oeste do Cerrado. Embora seja a maior área alagada do planeta, essa umidade vem sendo reduzida progressivamente pelo avanço do desmatamento, da fronteira agropecuária e de incêndios colossais, como o de 2020. A seca e o fogo continuam a ser a grande ameaça para o bioma.
A oeste da Mata Atlântica e da Amazônia e noroeste do Cerrado, encontra-se o bioma da Caatinga, menos úmido que o Cerrado e mais úmido que um deserto. É uma savana estépica. No Sul do Brasil, entrando na Argentina e no Uruguai, encontram-se os campos sulinos, que podem ser classificados como estepe. No âmbito do território brasileiro, não há desertos, embora grande parte da região Sudeste situe-se em latitudes com desertos bem caracterizados, como o de Atacama (América do Sul), o de Kalaari (África) e o Australiano (Austrália). Os chamados rios voadores, que nascem na floresta amazônica, são responsáveis pela fertilidade do Sudeste.
Delimitam-se, assim, os seis biomas do território brasileiro, reconhecidos pela Ministério do Meio Ambiente. A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) acrescenta aos seis o chamado bioma costeiro. Voltando à classificação empreendida por Veloso, percebe-se que a zona costeira coincide com as formações pioneiras com influência fluvial, com influência fluviomarinha e com influência marinha. Elas se constituíram, em grande parte, sobre áreas que se formaram com o recuo do mar nos últimos 10 mil anos (Holoceno), seja por emersão, seja por progradação. O bioma costeiro seria, assim, constituído por campos de planície aluvial, manguezais, marismas, vegetação de restinga e costões rochosos. A classificação mais reduzida justifica-se por entender que a vegetação de restinga, por exemplo, é constituída por espécies vegetais da Mata Atlântica adaptadas a substrato arenoso e sob forte influência de ventos e da salinidade. Contudo, não se pode fazer a mesma consideração para manguezais, marismas e costões rochosos. Portanto, o reconhecimento de um bioma costeiro é pertinente, assim como a vegetação das ilhas costeiras e das ilhas oceânicas.
O que se sustenta nestes apontamentos é que todo ambiente natural fornece alimento para o ser humano. Gastronomia é a elaboração do alimento. Uma fruta ingerida diretamente é alimento. Parte de um prato, passa a ser gastronomia. Os ancestrais do Homo sapiens alimentavam-se de vegetais, invertebrados e vertebrados, geralmente crus até o domínio do fogo em torno de um milhão de anos passados. Com o fogo, os alimentos passaram a ser mais elaborados, sobretudo a carne. Mas não se pode falar ainda em gastronomia. Esta só passa a existir com as civilizações, a partir de 5 mil anos antes do presente (AP).
Do mar ao deserto, passando pela floresta, savana e estepe, o alimento existe em maior ou menor oferta. Os oceanos oferecem o sal antes de tudo. É deles, de lagoas salinas e barreiras salinas que o sal provém. Existem algas marinhas que são comestíveis e nutritivas. O mar é um grande domínio líquido que, em suas particularidades, fornece alimentos em abundância. Ouriços, moluscos, artrópodes, peixes, répteis e mamíferos habitam os oceanos em grande quantidade, desde que eles se apresentem saudáveis. No entanto, a poluição física (plásticos), química (nitrogênio e fósforo, principalmente), e biológica (oriunda de esgoto em sua maior parte) e a sobrecaptura podem comprometer esse manancial de alimentos, que os cientistas otimistas ainda chamam de fronteira azul. O mar tem uma carência: açúcar. Contudo, cabe lembrar que o organismo animal produz açúcar a partir de alimentos não-açucarados. O livro “História da alimentação” mostra como o mar contribuiu para a alimentação e a gastronomia do paleolítico, passando pelo neolítico e às civilizações (FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo (diretores). “História da alimentação”. São Paulo: Estação Liberdade, 1998). Pode-se também avaliar a importância do mar na cozinha japonesa (MORIYAMA, Yukiko. “Culinária japonesa para brasileiros”. São Paulo: JTB Publicidade e Propaganda Ltda, 1993) e na cozinha chinesa (LEW, Judy. “Culinária chinesa para brasileiros”. São Paulo: JTB Publicidade e Propaganda Ltda, 1996). As populações da zona costeira entre o círculo polar ártico e o Equador também recorrem de forma frequente ao mar para obter alimento, todos eles integrando as culinárias locais.
As florestas tanto se beneficiam dos rios quanto estes dela. A umidade dos rios favorece o desenvolvimento de plantas arbóreas, arbustivas e herbáceas. Estas, por sua vez, retêm a água e regulam o regime hídrico dos rios. No âmbito do território brasileiro, encontram-se dois biomas florestais: a Amazônia e a Mata Atlântica. Esta foi quase totalmente dizimada para o fornecimento de lenha, madeira e para a abertura de espaço para a agricultura, a pecuária e as cidades. A Amazônia dentro do território brasileiro e de países vizinhos vem sendo pouco a pouco derrubada, queimada e substituída por pastos principalmente, mas também pela expansão urbana.
Onde há floresta não há pobreza, contrariamente a declarações de representantes governamentais. Só existe pobreza quando a população perde o contato com seu meio e quando ele é empobrecido. No mais, estudos recentes vêm demonstrando que a Amazônia abrigou uma população com cerca de dez milhões de habitantes que manejava a floresta e a combinava com a agricultura e a pesca. Daí ser estarrecedor ver comunidades indígenas acometidas pela fome e pela desnutrição.
O esquecido livro “A alimentação sertaneja e do interior da Amazônia” mostra a infinidade de recursos alimentares fornecidos pela floresta em termos de vegetais e animais (SAMPAIO, Alberto José de. “A alimentação sertaneja e do interior da Amazônia”. Série Brasiliana vol. 238. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936). As frutas e os peixes entram de forma abundante na alimentação amazônida (KZAM, Camila e MARTINS, Paulo. “Culinária paraense”. Belém: Instituto de Educação e Cultura da Amazônia, 2005).
O Cerrado é considerado a savana mais rica do mundo em termos de biodiversidade, pois abriga diversos ecossistemas e, sobretudo, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Bacia Amazônica/Tocantins, Bacia do rio São Francisco e Bacia do Prata. A posição central do Cerrado no território do Brasil transforma-o num bioma de transição entre os demais biomas. Várias espécies vegetais e animais do Cerrado integram outros biomas. O lobo guará, por exemplo, tem aparecido frequentemente no bioma costeiro e, com frequência, é atropelado ou abatido. Mas há também espécies que só ocorrem nesse grande bioma. A biodiversidade é grande. Calcula-se que existem cerca de 320.000 espécies animais no bioma.
As principais ameaças para os animais que vivem no cerrado são decorrentes da destruição de seus habitats, desde desmatamento, queimadas, crescimento urbano desenfreado, tráfico de animais, expansão das fronteiras agrícolas, pecuárias e de monoculturas, exploração de madeira para a produção de carvão, dentre outros. O Cerrado, originalmente, não precisava importar nenhum alimento ou ingrediente. O sal era encontrado nas barreiras salgadas, fonte de salinidade para os humanos e outros animais. O açúcar era fornecido pela grande diversidade de frutas e pelo mel produzido por grande variedade de abelhas nativas. No entanto, o Cerrado perde biodiversidade progressivamente com o avanço do agronegócio e com o desmatamento geralmente por queimadas. O poeta goiano Gilberto Mendonça Teles, num poema processo, retratou bem o empobrecimento do Cerrado.
Mesmo assim, o livro “Gastronomia do Cerrado” mostra que ainda os alimentos do bioma são a base de rica gastronomia (MEDEIROS, Rita. “Gastronomia do Cerrado”. Fundação Banco do Brasil, 2011).
Alguns dos animais que correm o risco de extinção são: a onça-pintada, a jaguatirica, o tatu-canastra, o tamanduá-bandeira, o lobo-guará, a águia-cinzenta, o gato-maracajá, o gato-do-mato pequeno, o cachorro-do-mato-vinagre, dentre outros.
O bioma abrange 11% do território nacional, ocupando uma área de 844.453 Km². Apresenta clima semiárido e possui vegetação com poucas folhas e adaptadas para os períodos de secas, além de grande biodiversidade.

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