Sou progressista, mas
07/12/2021 11:33 - Atualizado em 07/12/2021 11:58
Sou progressista, mas não consigo rejeitar completamente todos os elementos de outras perspectivas políticas. Como rejeitar, por exemplo, o princípio conservador, e pragmático, de que devemos manter certas formas culturais e institucionais que funcionam bem na sociedade? Como pessoa de esquerda, meu foco é pensar como mudar as coisas, mas isto não significa mudar tudo e, menos ainda, mudar tudo rápido.
Por exemplo, o valor da pessoa humana enquanto referência sagrada da vida social moderna é a base para as liberdades e direitos individuais de participação e expressão na vida privada e pública. Conservar este valor é a luta de todos que se opõem a Bolsonaro, que de conservador não tem nada. É um destruidor compulsivo, um jacobino de Rio das Pedras. Mas rejeito também a tese pseudo-revolucionária de que é conveniente relativizar este valor da pessoa humana sagrada em nome da sacralização da coletividade. A consciência coletiva moderna precisa conservar como seu valor máximo a sacralidade da pessoa humana individual.
No entanto, devemos mudar as estruturas sociais, o que não quer dizer mudança rápida e violenta, e nem, como disse, mudar todas as estruturas sociais. Em primeiro lugar, cabe mudar as estruturas de desigualdade e opressão que impedem a realização mais ampla e efetiva do valor da pessoa humana sagrada. Mas se quisermos transformá-las sem a devida prudência corremos o risco de desperdiçar o que temos em nome do que não sabemos se é possível ter tão rápido.
A atitude progressista em relação ao mundo é antes de qualquer coisa uma predileção pelo futuro em detrimento do passado. O progressismo é uma afirmação da modernidade, ou seja, da percepção de que o futuro é aberto e de que não existe fórmula institucional definitiva e perfeita para a vida social e política. É por isso que o identitarismo não tem nada de progressista: sua orientação predileta é ao passado. O identitarismo é uma negação da modernidade e de suas promessas em nome de verdades reivindicadas com base em identidades supostamente autorizadas pelo passado comum, não pelo futuro comum.  Progressista não é quem julga possuir alguma verdade sobre a vida social e política, mas sim quem se dispõe a encarar a precariedade e a incompletude de tudo que existe, inclusive de suas próprias posições, como chance para o experimentalismo, a criatividade e a ampliação das conquistas modernas como igualdade, liberdade e fraternidade. Mas esta atitude de abertura em relação ao novo não é a negação de tudo que conquistamos. Ao contrário: a abertura do futuro depende de estruturas sociais específicas que impedem que algum grupo social monopolize a narrativa e a oferta de alternativas sociais e políticas. Em síntese: para afirmar o futuro e a mudança, o progressista precisa ser um conservador quando se trata de manter o pluralismo social e político como condição para que o futuro seja o horizonte fundamental de qualquer mudança e inovação.
Como não alimento nenhum ideal de sociedade perfeita para os humanos, nenhum ideal de Céu na Terra, não posso rejeitar completamente o princípio conservador de manter o que valorizamos e conquistamos. Mas isto não me impede de aderir primariamente ao princípio progressista de que as coisas não precisam ser como são e que vale sempre mais a pena tentar ser protagonista em sua transformação do que esperar que se ajustem sozinhas. Vejo isso como atitude de humildade intelectual: rejeitar o princípio autoritário e arrogante de que alguma pessoa ou grupo social possa elaborar e planejar plenamente uma sociedade melhor e inteiramente distinta da que temos.
 
 
 

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    Roberto Dutra

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