Orávio de Campos - Togo de Barros, demolição patrimonial e a 'vassoura' do trêfego Jânio Quadros
Orávio de Campos 22/11/2021 19:46 - Atualizado em 22/11/2021 19:47
Igreja Mãe dos Homens e a antiga Santa Casa de Misericórdia de Campos
Igreja Mãe dos Homens e a antiga Santa Casa de Misericórdia de Campos
Esta decantada urbe de ranço neocolonialista, carente (ainda) de melhor memória histórica — embora tivesse sido o maior centro escravagista da história do país —, há 60 anos perdia o seu mais expressivo conjunto arquitetônico do centro histórico: A igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens e a Santa Casa de Misericórdia, integrantes da paisagem da praça das Quatro Jornadas – uma homenagem às lutas contra o poder dos Asseca, lideradas pela família da fazendeira Benta Pereira.
Como isso aconteceu se os imóveis, construídos nos séculos XVIII e XIX, eram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), desde 1945, de acordo com o Registro 519-T? Esta questão foi respondida em 2006, por acaso, durante entrevista, no Farol de São Tomé, com o preclaro político Togo Póvoa de Barros (1914-2007) pelos estudantes do Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação (Nipec) do curso de Jornalismo do Uniflu (Centro Universitário Fluminense), com o apoio festivo do saudoso coordenador, professor Andral Nunes Tavares, especialista em “História da Radiofonia Campista”.
Togo, uma pessoa encantadora, de fácil peroração, que, em 1958, quando era presidente do Legislativo Fluminense, assumiu o governo estadual após a renúncia do governador Miguel Couto [que se candidatara ao Senado; e seu vice, Roberto da Silveira (1923-1961), ao Governo do Estado do Estado]. O político, emérito orador, permaneceu no cargo até janeiro de 1959, quando passou a batuta ao próprio político de Bom Jesus, eleito com larga vantagem nas urnas, pelo PTB fundado por Getúlio Vargas.
Na entrevista, gravada pelo cinegrafista Armando Ribeiro, e com a presença de alunos bolsistas (Mayra Barros, Maria Lucia Bittencourt e Paulo de Almeida Ourives), Togo confessou ter articulado a demolição dos imóveis, para atender a interesses políticos e, depois, mostrou-se altamente arrependido de tê-lo feito, porquanto “os prédios pairavam na paisagem das confluências da rua da Constituição e avenida do Imperador Pedro II”, referindo-se às atuais avenidas Alberto Torres e XV de Novembro, tendo como moldura o rio Paraíba do Sul.
Contou, com detalhes, que o Dr. Manoel Ferreira Paes (1897-1978), que fora prefeito da cidade, assumira a Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Campos, em 25 de agosto de 1959, substituindo o industrial Jorge Pereira Pinto. “Ele pedira minha intervenção no sentido de que os imóveis fossem ‘destombados’, o que somente seria possível por prerrogativa do próprio Presidente da República”, de acordo com o Decreto Lei 25, de 1937, (do tempo da ditadura Getúlio Vargas, personagem político que, pela sua importância, está por merecer uma biografia mais consistente).
Como era do PSD, e com o apoio político do PTB do prefeito José Alves de Azevedo e do governador Roberto da Silveira, não foi difícil encaminhar uma comissão ao presidente Jânio Quadros (1917-1992), também empossado em 1961. Diante da comitiva campista, o homem que se elegera falando em passar uma “vassoura na corrupção”, em sua rápida passagem pela presidência, em maio de 1961 assinou e publicou o destombamento (a pedido) da Santa Casa de Misericórdia desta terra “pérola do sul”, no dizer de Azevedo Cruz. As picaretas entraram em cena a partir de setembro daquele ano.
A comitiva campista, segundo revelou, levando no alforje latas de goiabada cascão, pacotes de chuviscos, em compota e cristalizado, além de generosas garrafas de cachaça “Furadense” e “Marins”, as melhores da época, encontrou-se com o presidente, em sua residência em São Paulo, num dia de ponto facultativo, e no momento em que sua excelência se encontrava à vontade, demonstrando, pelo riso farto, haver degustado algumas doses de uca de outras marcas. “Ao meu pedido, concordou com tudo”, lamentou-se o doutor Togo.
Nas argumentações constava a ocupação do espaço para a construção de um edifício, o que não foi possível por contrariar o Código de Obras do município. O terreno foi usado como estacionamento até a inauguração do Plaza Shopping, em 2006, quando se inaugurou, também, o restauro do chafariz belga, recebendo um lago de águas cantantes, por ação da Águas do Paraíba, no governo Rosinha. O patrimônio hoje, infelizmente, carece de novo restauro, porque foi depredado pelos vândalos, com cumplicidade dos Diniz.
Togo, que teve seus direitos cassados pelo Golpe de 1964, nunca se perdoou por ter sido cúmplice do crime praticado contra os patrimônios. Falava da perda irreparável para os nossos foros de civilização, uma vez que “deveríamos ter preservado o conjunto Igreja e Santa Casa, a Casa da Câmara e Cadeia e, também, a estátua de Saldanha da Gama, doada à cidade pela Marinha do Brasil e que hoje se encontra, nem sei fazendo o quê, no pátio da Escola Estadual Coronel Paula Barroso, em Goitacazes, sempre pichada pela estudantada.”
O político da Baixada Campista, um grande causídico e cultor das letras, penitenciou-se diante da sociedade campista pelo ato ocorrido, segundo registro do historiador Waldir Pinto de Carvalho, no livro “Campos Depois do Centenário” (p.293), em setembro de 1961. O seu passamento (morte física) aconteceu meses após a entrevista e ele não chegou a promover um prometido encontro deste pesquisador com o industrial Silvio Marins, que fora secretário de Segurança durante sua vibrante atuação como governador da Velha Província.
A ideia, costurada na ocasião, entre o orientador do Nipec e os “aprendizes de feiticeiros” envolvidos nas loucuras acadêmicas, teve como cenário as casuarinas da orla, com o vento nordeste varrendo as cercanias e um friozinho anunciando o inverno. A proposta: transformar o Sítio Saudade, localizado em Goitacazes (igualmente em ruínas), da família de seu aparentado embaixador Jayme de Barros (1901-1986), também descendente do Barão de São Sebastião, num centro cultural levando o nome deste, como forma de legar (lembrar talvez) seus feitos, principalmente na Casa de Paris, às novas gerações.
Registra-se que Jânio Quadros, em oito meses de governo, notabilizou-se como o presidente que proibiu o uso de biquínis nas praias, acabou com as brigas de galo e tornou o Carnaval menos alegre, com o fim da comercialização do lança-perfume. Condecorou Guevara com a Ordem do “Cruzeiro do Sul” e, finalmente, mandou demolir a igreja e o hospital — duas joias da arquitetura colonial e eclética do nosso Centro Histórico. Nenhuma voz, como no caso do antigo Trianon, levantou-se contra a prática desses crimes.
Curiosamente, poucos, também, lamentaram a renúncia, até hoje inexplicável, do presidente, provavelmente anunciada após/durante homérico porre. No cargo fez muito pouco para quem prometera à nação uma luta contra a corrupção, usando como interação simbólica (Escola de Chicago) uma vassoura. Aliás, ninguém sabe (e isso é um grande desafio para os atuais pesquisadores) o que foi feito da dita cuja...
* Orávio de Campos é jornalista e membro da Academia Campista de Letras (ACL)

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