Cinema - História, ditadura e resistência
Felipe Fernandes - Atualizado em 29/11/2021 18:51
Baseado no livro de Mário Magalhães, o longa “Marighella” é a cinebiografia do político, escritor e guerrilheiro Carlos Marighella e foca nos últimos e mais intensos anos da luta armada do seu grupo contra a ditadura. Partindo do ousado assalto ao trem pagador (ao som de Nação Zumbi), o filme trabalha o protagonista junto a sua luta e seus companheiros, sem amenizar a natureza violenta do conflito.
Contando uma história importante, pouco conhecida em detalhes por grande parte do público, o filme fez sua premiére no Festival de Berlim de 2019 e deveria ter saído naquele ano, mas, por questões burocráticas até hoje não justificadas por parte da Ancine, teve seu lançamento adiado diversas vezes. Acaba que o filme ganha as telas em um momento muito oportuno.
Marighella é mostrado além do guerrilheiro. Conhecemos o pai, marido e amigo, que consegue divertir, sorrir e se emocionar. Muito fruto da atuação poderosa de Seu Jorge, que se entrega por completo e consegue ser carismático e extremamente intenso quando necessário. Essas características de certa forma também são trabalhadas no grupo mais próximo do protagonista, com um elenco que funciona como grupo, com boas atuações.
O principal problema do longa é o vilão. A atuação exagerada de Bruno Gagliasso e o texto deprimente constroem um personagem extremamente caricato, que destoa demais do restante da produção. Cada cena com o personagem abaixa demais o nível da obra. Essa proposta de criar um único personagem para personificar a violência da ditadura enfraquece a real ameaça do regime, criando uma perseguição de nível pessoal injustificada.
A estreia de Wagner Moura na direção é interessante. Trabalhando sempre com a câmera instável, que remete a um tom documental e reforça a tensão das cenas, o diretor peca pelo excesso. Essa proposta estética acaba cansando um pouco. Seria agradável, em cenas sem tensão, que a câmera dialogasse com o clima da narrativa.
O excesso de closes também incomoda. Essa proposta intensifica a atuação de Seu Jorge. A forma como ele consegue transparecer sentimentos pelo olhar é muito forte, sensação que não funciona tanto com o restante do elenco.
“Marighella” é um filme que intercala cenas poderosas com algumas bem fracas, que pouco acrescentam à obra e a alongam demais. Esse contraste encontramos também no trabalho do elenco, mas, nesse caso, as boas atuações são a grande maioria. Destaque para os trabalhos de Luiz Carlos Vasconcelos, Humberto Carrão e Jorge Paz.
A estreia de Moura na direção é animadora. Que ele possa trilhar seu caminho e alcançar a mesma excelência do seu trabalho como ator, se tornando referência artística não só dentro do país, mas também fora dele.

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