Companheira de policial militar denuncia caso de agressão doméstica
14/10/2019 15:39 - Atualizado em 14/10/2019 20:45
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“Se aquele vidro estourasse, eu morreria, porque ia retalhar o meu rosto. Ou poderia pegar uma veia ou artéria do meu pescoço. Nisso, eu estava na ligação com o 190 e falei: ‘vocês estão ouvindo ele me bater? Mandem uma viatura’”. O relato é de uma mulher de 39 anos, que não será identificada pela reportagem, vítima de agressão doméstica ocorrida na madrugada do último sábado (12), em um condomínio localizado no Centro de Campos. Ela tinha acabado de comemorar o aniversário da filha, de 13 anos, acompanhada por amigos e familiares, quando houve uma discussão com o companheiro, de 49 anos, que é primeiro-sargento da Polícia Militar, seguida pela agressão. “Ele é agressivo, ignorante e não aceita que mulher fale alto com ele, mas nunca tinha me batido”, contou a vítima. A mulher, que está internada no Hospital Ferreira Machado (HFM), buscou auxílio com as polícias Militar e Civil, por meio da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam).
Segundo o relato da vítima, a discussão entre o casal, que mantém um relacionamento há dois anos, foi motivada por questões relacionadas à limpeza do salão de festas do condomínio, que exige uma multa dos moradores caso não sejam cumpridas as normas referentes ao espaço destinado a comemorações.
— Antes do final da festa, teve uma capotagem na frente do prédio em que eu moro. Aí, todo mundo correu para lá. A gente queria até cantar os “parabéns”, na correria, e conseguiu reunir o pessoal. No finalzinho, precisava varrer o salão para entregar, e eu tinha até 1h da manhã. Meu marido interfonou para a portaria para pedir que os porteiros subissem as vassouras, porque não estavam no depósito. E os porteiros não estavam na cabine, na guarita da portaria. Meu marido começou a se estressar e subiu com o carrinho com as coisas. Na volta, ele desceu com a vassoura e a pá da minha casa. Nesse meio-tempo, liguei para a minha filha, que tinha ido se despedir dos convidados, para ela falar com o porteiro que, se ele não subisse com as vassouras, eu não limparia o salão. Aí, o porteiro ainda teve a ousadia de dar à minha filha as vassouras. Quando meu marido chegou, eu falei com ele: “Você tem que largar de ser palhaço. O porteiro está te fazendo de palhaço. A gente está há um tempão pedindo”, e ele virou o bicho, se transformou. É o machismo, né? — relatou a vítima, que afirmou ter pedido desculpas ao marido, caracterizado por ela como ciumento e possessivo, pela forma de se expressar.
Início da agressão
Após a fala da mulher, que tentou acalmar o policial colocando a mão sobre o peito dele, foram iniciadas as agressões. Ela contou que o marido a agarrou pelo pescoço e a jogou no chão, contra o qual batia a cabeça da vítima. A agressão foi presenciada pela filha do militar, de 7 anos de idade, e filmada por câmeras de monitoramento interno do condomínio.
— A câmera não pegou o momento em que ele pisou no meu rosto e falou: “eu vou preso, mas não por muito tempo. Eu volto e mato você, suas filhas e sua neta. Mato a sua família toda, um por um”. Aí, ele saiu de novo, voltou para discutir. Nisso que ele voltou, eu fui revidar e dei dois tapas nas costas dele. Quando eu revidei, ele pegou minha cabeça e bateu contra o vidro várias vezes. Se aquele vidro estourasse, eu morreria, porque ia retalhar o meu rosto. Ou poderia pegar uma veia ou artéria do meu pescoço. Nisso, eu estava na ligação com o 190 e falei: “vocês estão ouvindo ele me bater? Mandem uma viatura”. E eu dei o código e matrícula dele e nada. Quando a polícia chegou, aliviou para não pegá-lo em flagrante — disse a mulher.
A vítima explicou que os policiais que foram atender a ocorrência queriam entrar no apartamento, sozinhos, para tentar conversar com o marido, mas ela afirmou não ter permitido: “Eu disse: ‘não, não vou permitir que você entre no meu apartamento sem mim, porque você é amigo dele, e não meu. Amigo de farda’, e ele respondeu: ‘senhora, mas eu estou aqui para te proteger’. Então, eu respondi para ele me levar ao Ferreira Machado. Ele respondeu que não tinha necessidade e que teríamos que ir para a delegacia para acabar a ocorrência”.
Ao chegar à Deam, a mulher foi atendida, mas não concordou com o boletim de ocorrência, no qual teria sido afirmado que ela não tinha marcas pelo corpo, e retornou horas depois. No segundo atendimento, ela foi orientada a buscar o Instituto Médico Legal (IML) nesta segunda-feira (14). Ela chegou a ir ao IML no início da manhã de sábado, mas estava fechado. A vítima, então, foi para casa e conseguiu pegar as imagens da agressão. “Como eu estava com pouca marca visível, queria mostrar as imagens para ele (perito) ver que foi tudo na cabeça. Eu já tinha tomado quase duas cartelas de dipirona e a dor não passava”.
À tarde, ela voltou ao IML, mostrou o vídeo, e o médico pediu que ela fosse até o HFM. “Eu fui atendida com muita dor. Porém, me deram Tramal e me mandaram de volta para casa. Eu continuei com dor, mas queria ir à Corregedoria (da Polícia Militar) para dar queixa dele e ver se alguém me defendia, me protegia”, disse. Na unidade, já no final da noite de sábado, ela passou mal, com quadro de vômito, e foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros para o hospital, onde permanece internada.
Pedido de auxílio às polícias
A mulher se recordou de que havia pedido aos policiais, no dia da agressão, após a fuga do companheiro, que fizessem buscas por ele na residência da mãe, mas que não foi atendida. Outra reclamação da vítima foi não ter sido socorrida para o HFM pelos militares que atenderam a ocorrência.
— Eu fui completamente mal atendida pela Deam, pela polícia da ocorrência e pelo 190. Na Deam, eles não queriam fazer o B.O. como eu relatei e fizeram pouco caso, dizendo que eu ia voltar para ele, perguntando se eu queria mesmo (registrar a denúncia). Eu não me senti protegida pela Lei Maria da Penha nem pela Delegacia da Mulher. Eles fizeram pouco caso, tanto que não mandaram o policial ir ao IML fazer o exame, na hora, comigo e disseram que, como eu tinha conhecimento com a Corregedoria, era para eu ir lá hoje, coisa que eu poderia fazer na hora, como fiz.
No domingo (13), representantes da Corregedoria da PM foram até o hospital para ouvir o relato da vítima, mas não há informações sobre as medidas que serão tomadas pelo órgão.
Ameaças e tentativas de contato
Desde o dia da agressão, a mulher não encontrou mais o marido, mas ele tentou entrar em contato com ela por meio de mensagens de texto pelo celular. “Primeiro, ele mandou mensagem me ameaçando, dizendo que ele estava louco e ia matar todo mundo. Depois, ele mandou várias mensagens, mas eu não tinha visto, falando de amor, que eu que o agredi com a vassoura. Mas é mentira”, relatou, ressaltando que esta foi a primeira vez em que foi agredida pelo policial.
A mulher contou que pediu à administração do condomínio em que mora o casal, mediante apresentação de boletim de ocorrência, que ele não entrasse no prédio devido às ameaças feitas a ela e à filha. “Lá no meu B.O., eu já peço a medida protetiva. Então, eu mandei a foto dele e o B.O. para a administração, mas tanto o 190 quanto a Deam disseram que ele tem o direito de entrar porque o apartamento é meu e dele, e o juiz ainda não deu medida protetiva. Aí, ele entrou escondido no condomínio. Pegou algumas roupas e coisas dele e saiu. Não sei qual falha teve, mas pedi a proteção porque minha filha está lá. E ele ligou, ontem de manhã (domingo), e minha amiga atendeu. Ele estava desesperado, porque soube que eu estava na Corregedoria e disse que estava arrependido e falou de amor. Mas eu não quero mais saber, porque, a partir do momento em que parte para agressão, ele é capaz de me matar. Eu posso voltar para o IML morta”, declarou.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da secretaria de Estado de Polícia Militar informou que, após serem acionados, “os militares fizeram contato com a vítima, que informou ter sido agredida pelo seu companheiro, um policial militar. O fato foi registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Campos. O agressor não foi localizado. A 6ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) acompanha o caso”. Já a delegada Juliana Buchas, que estava no plantão da Deam no dia da agressão, afirmou que já foi requerida a medida protetiva para a vítima.
Também por meio de nota, a Polícia Civil disse que, “de acordo com a Deam de Campos, foi instaurado inquérito para apurar as circunstâncias do fato e todos os envolvidos serão ouvidos pela especializada. As investigações estão em andamento”.
* No vídeo, as agressões podem ser observadas em 1'45", 2'36" e 5'22".

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