Pesquisa científica ameaçada
Matheus Berriel 11/08/2018 18:40 - Atualizado em 13/08/2018 13:19
Uenf
Uenf / Antônio Leudo
A pesquisa brasileira pode parar a partir de agosto de 2019. Assim entende o sociólogo George Coutinho, professor de sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que analisou o risco de corte no orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), principal agência de fomento à pesquisa do Brasil, ligada ao Ministério da Educação (MEC). No começo deste mês, o Conselho Superior da Capes tornou pública a possibilidade de interromper o benefício dado a mais de 93 mil bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado e 105 mil bolsistas de programas de formação de professores. O motivo é o teto que limita o orçamento para o próximo ano. Valores não foram divulgados.
— Há um risco. Tanto é que não é um alarde criado pelos sindicatos da área, pelos movimentos da ciência. O alerta partiu de dentro da própria Capes. Nós sabemos que, no Brasil, o setor privado não investe em pesquisa. Inclusive, quase sempre, nem as universidades privadas. Noventa porcento da produção de conhecimento brasileiro das áreas de medicina, humanas, tecnologia, engenharia, biologia, acontece sempre nas universidades públicas, boa parte delas na pós-graduação, com essas bolsas. Já houve uma redução substantiva no repasse de verbas para pesquisa e conhecimento no Brasil, desde 2016. Pelo menos metade dessa verba foi cortada, o que já inviabilizou uma série de programas de pós-graduação brasileiros. A gente já está produzindo menos conhecimento, e nós sabemos que, no atual momento da sociedade mundial, o conhecimento é uma força produtiva — afirmou George Coutinho.
George Coutinho
George Coutinho / Divulgação
De acordo com George, em Campos há pelo menos cinco instituições de ensino superior com programas de pós-graduações financiados pela Capes, como a UFF, Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Instituto Federal Fluminense (IFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Cândido Mendes, esta do setor privado.
— No caso dos pesquisadores, eles vão se sentir desobrigados a entregar os resultados uma vez que parar o financiamento. Pesquisa envolve tempo e investimento, dinheiro. E, no caso da pós-graduação, Campos tem uma população de pós-graduandos em diversas áreas. São pessoas que ficam impedidas de trabalhar para se dedicar à pós-graduação, mediante bolsa, e, neste momento, devem estar preocupadas. No caso da pesquisa no estado, dada a insolvência financeira e orçamentária, a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (Faperj) já parou de fomentar a pesquisa. Se tirar também a Capes, que vem do governo federal, acho que a pesquisa do Rio, um dos estados mais ricos da federação, vai morrer. Já está na UTI. Tirar a Capes vai ser como desligar os aparelhos — alertou George ao acrescentar que o poder público deve priorizar os repasses aos setores indispensáveis, e a pesquisa precisa estar nesta lista.
Sônia Guimarães teme interrupções em estudos
Sônia Guimarães teme interrupções em estudos / Antônio Leudo
A carioca Sônia Guimarães Alves, residente em Campos, abandonou a profissão de jornalista para ser pesquisadora. Atualmente na metade do mestrado na área de biologia, na Uenf, ela está desenvolvendo uma pesquisa sobre a possibilidade de abelhas viverem nas áreas urbanas, devido à interferência da agricultura e da urbanização no habitat natural dos polinizadores. Em agosto do ano que vem, a bolsista já terá terminado o mestrado, mas o plano de continuar com o trabalho no doutorado provavelmente será comprometido em caso de corte de verbas da Capes.
— O que a gente ganha de bolsa já não é muito. Se eu não tivesse uma família para me dar um suporte, dificilmente eu conseguiria viver só de bolsa. Está óbvio e claro que existe um projeto de destruir a educação. Tanto na esfera estadual como na federal, você vê uma coisa de ir minando a educação nas pequenas coisas: quando falta um equipamento, um carro para ir ao campo, um funcionário... A gente vê um projeto de destruir a educação como um todo. Espero que não haja o corte, porque seria um grande retrocesso para o Brasil, mas eu só acredito vendo. Tenho o plano de fazer o doutorado após o mestrado, porque dois anos é muito pouco tempo para fazer tudo, mas dá uma desanimada. Já comecei a pensar no que vou fazer se houver o corte — enfatizou Sônia.
MEC diz que pagamento de benefício não será suspenso
O MEC está tratando publicamente do assunto por meio de notas. Duas já foram emitidas. Na primeira, dia 2, junto ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, foi explicado que “a LOA 2018 para as despesas discricionárias do MEC é de R$ 23,6 bilhões. O referencial monetário inicial encaminhado pelo Planejamento para essas mesmas despesas é de R$ 20,8 bilhões, em razão das restrições fiscais para 2019. O limite foi repassado proporcionalmente para a Capes. Os valores envolvidos neste momento podem sofrer alterações até o encaminhamento do projeto de lei que deverá ocorrer até 31 de agosto. A proposta ainda será discutida e aprovada no Congresso Nacional, quando também poderá ser modificada”.
Já no dia 3, após reunião dos ministros da Educação e do Planejamento, o MEC reafirmou que não haverá suspensão do pagamento das bolsas da Capes. “A valorização da educação é uma das prioridades do governo federal que, em dois anos, adotou medidas importantes para o setor, como a Lei do Novo Ensino Médio e a homologação da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental”, diz a segunda nota.
Presidente da Capes se manifesta
Segundo o presidente da Capes, Abílio Neves, que assinou a nota enviada ao MEC, datada de 1º de agosto, “foi repassado à Capes um teto limitando seu orçamento para 2019 que representa um corte significativo em relação ao próprio orçamento de 2018, fixando um patamar muito inferior ao estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Caso seja mantido esse teto, os impactos serão graves para os Programas de Fomento da Agência”. Além dos riscos já citados, haverá interrupção do funcionamento do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e dos integrantes do Programa de Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública de Educação Básica (ProEB), com a suspensão dos pagamentos a partir de agosto de 2019, afetando mais de 245 mil beneficiados. Haverá, ainda, “prejuízo à continuidade de praticamente todos os programas de fomento da Capes com destino ao exterior”.
No último dia 03, os pró-reitores de Pós-Graduação e Pesquisa das instituições de ensino superior do estado do Rio de Janeiro emitiram nota de apoio integral à reivindicação. O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) também se manifestou neste sentido.
O reitor da Uenf, Luís Passoni, fez críticas à orientação ideológica do governo Michel Temer (MDB). “Eu acho importante dizer que isso tudo vem a reboque da ideologia neoliberal que se instalou no poder a partir do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Isso é o desenvolvimento lógico do pessoal que ascendeu ao poder e de todos os seus apoiadores. Defendem o estado mínimo, na verdade, o fim do estado. É isso que estão fazendo. O que nós precisamos é mudar a orientação ideológica do governo. Se isso continuar, vai haver um impacto no Brasil inteiro, em todas as instituições que desenvolvem a pesquisa. Não é só a Capes, também há possibilidade de corte de orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que vem se somar a esse problema”, afirmou.

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