"Nada a mais além do permitido"
Aldir Sales e Suzy Monteiro 11/08/2018 20:02 - Atualizado em 14/08/2018 14:36
Juiz Ralph Manhães
Juiz Ralph Manhães / Isaías Fernandes
A três dias do início do período oficial de campanha, o juiz Ralph Manhães, designado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para atuar na fiscalização eleitoral em Campos, manda um recado para os candidatos e partidos: “Façam tudo o que é permitido, mas só o que é permitido”. O magistrado promete rigor no cumprimento das leis e não descartou o uso das Forças Armadas para atuar na segurança no município durante o pleito em Campos, a exemplo do que vem acontecendo desde 2004.
Folha da Manhã — A Legislação Eleitoral vem em constante mudança nos últimos anos, com aprovação do Fundo Público Eleitoral e da proibição de doações de empresas para políticos, por exemplo. Além disso, a Justiça vem apertando o cinto das regras sobre propaganda, tempo de campanha e compra de votos. O que o senhor acha das mudanças e como atuar por uma eleição mais limpa e justa?
Ralph Manhães – Acho que todo objetivo das mudanças das novas regras é no sentido de tornar a eleição mais igualitária, do tratamento da igualdade entre os candidatos, concorrência leal e um período de propaganda limpo. Uma das principais regras é tentar equilibrar essa diferenciação de poderio econômico e criar regras mínimas para que eleitor possa escolher livremente os candidatos. Quando existe a desigualdade, obviamente existe um desequilíbrio nas eleições e isso beneficia o candidato que consegue se expor mais, que consegue usar o poderio econômico. E isso não significa o que o cidadão quer. Então, nesse sentido, o cinto está sendo apertado. E acho que para esta eleição o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral têm agido de forma bastante firme com suas regras na prática de fiscalização. Posso falar pelo TRE do Rio de Janeiro, a equipe de fiscalização é muito boa, muito comprometida, muito firme. As pessoas que foram escolhidas para a equipe de fiscalização atuam com rigor à lei. Pode-se esperar uma fiscalização forte da Justiça Eleitoral para tentar manter a regra. A gente não quer impedir o debate eleitoral, a propaganda eleitoral, mas ela tem que ser feita dentro da regra para que não se frustre o princípio da igualdade entre os candidatos. Neste sentido, na área aqui de Campos, da região onde sou responsável pela fiscalização, vou atuar e tenho atuado com firmeza neste sentido. É o que pretendo até as eleições. Façam tudo que é permitido, mas só o que é permitido. Nada a mais além do que é permitido, esse é o recado que mando para os candidatos e os partidos.
Folha – Teve aquele episódio no qual o senhor proibiu a realização de uma reunião do então pré-candidato a governador Anthony Garotinho (PRP) no Clube de Regatas Rio Branco no último dia 9 de julho. O senhor disse que vai atuar com rigor. Já tem chegado denúncias de irregularidades desde o período de pré-campanha?
Ralph – Existe, existe, sim. Estamos monitorando tudo. Estamos monitorando a internet, as redes sociais dos candidatos. Temos um canal de denúncias no site do TRE, temos uma equipe experiente, que já trabalhou em outras eleições, que trabalhou na operação que deu origem a Chequinho. são pessoas muito comprometidas com o trabalho. Eu não vou apenas impedir, notificar ou mandar representação. O que eu puder evitar, irei evitar. Não só apenas acompanhar e comunicar o fato. Como aconteceu nesse exemplo que foi dado, isso previamente nos chegou e havia uma propaganda antecipada explicita, solicitação escancarada de votos. E não importa, quem quer que seja, tanto que chamei todos os partidos e esclareci que enquanto não começasse a campanha, não poderia haver. Algumas reuniões foram acompanhadas, mas não tiveram o pedido escancarado. E acho que tem que servir de exemplo para que todos os outros andem na mesma linha. Vamos apurar todas as notícias que nos chegam, de quem quer que seja, e verificar as situações. Estamos bem atentos.
Folha – O senhor atuou nos processos decorrentes das operações Chequinho e Caixa d’Água. O Garotinho se diz vítima de uma “perseguição política-judicial-midiática”. Existe esse caráter de perseguição?
Ralph – Tenho meu dever de imparcialidade. Mas não vou discutir com réu condenado. No processo foram apurados vários crimes. É direito de espernear do réu condenado e sentenciado a prisão. Eu não tenho que debater com réu. Eu sou juiz e ele é réu condenado. Todos os políticos, quando acontece alguma coisa, vão por esse caminho de espernear e dizer que são perseguidos. Ficam sempre nessa, mas as provas contra esses políticos geralmente são estarrecedoras. Sem sombra de dúvidas, o caráter criminoso é escancarado. Estamos vendo no Brasil inteiro, não só aqui, coisas abomináveis, as condutas criminosas praticadas em desrespeito ao erário público, à população, aos carentes. Acho que deve ser visto por esse lado. E nenhum juiz vendo tamanhas aberrações pode fechar os olhos, o que seria uma grave omissão. E eu não vou me omitir destas questões.
Folha - Em um julgamento no TSE, em abril de 2017, o então ministro Hermann Benjamin falou, de maneira irônica, que deveria ser muito difícil atual em Campos por que: “juiz não presta, promotor não presta, polícia não presta”. É difícil mesmo ser juiz em Campos?
Ralph – Não, acho que é nossa função. Desde quando a gente fez concurso, sabemos que no Estado o juiz tem que atuar de forma firme. Logicamente existem essas pressões, principalmente quando são pessoas do meio político, com projeções estaduais e nacionais. A forma que eles melhor sabem lidar com os meios de comunicação é para tentar fazer como aquela história de contar uma mentira mil vezes para tentar virar verdade. Faz parte do nosso ofício e não tenho nenhum receio em atuar. É meu dever, sou pago para isso e tenho que atuar da melhor maneira possível. Quem anda na linha não tem que ter receio da Justiça. Quem tem receio é quem faz alguma coisa. Quem fez sabe o que fez e vai responder pelos seus atos, recebendo a devida sanção. Se não fez, vai ser absolvido. Mas outras questões fora dos autos não me interessam. Embora, defender apenas o “jus esperneandi”. Os políticos dizem que todos são perseguidos, todos estão contra, um complô, como se pudesse existir algo assim no mundo de hoje. Isso é uma fantasia que não convence a ninguém. A si próprio, talvez.
Folha – Como o senhor recebeu as suspensões por parte do STF das ações penais envolvendo Garotinho tanto na Chequinho como na Caixa d’Água?
Ralph – Não estou aqui para questionar decisão do ministro do STF, mas é uma questão de liminar. E parece que nos dois já tem recurso do agravo da própria procuradora-geral da República, Raquel Dodge, contrário às suspensões. Temos que respeitar decisões superiores e vamos esperar. Não terminou, logicamente. Aguardo uma decisão se vai continuar, no caso da Caixa d’Água se vai continuar ou não. Temos que aguardar a decisão da Justiça. Não me cabe aqui fazer juízo de valor de qualquer decisão superior. Mas ainda teremos os desdobramentos, logicamente. Não são suspensões definitivas, de forma alguma. Teremos em breve, assim espero, um posicionamento definitivo e se respeitar o posicionamento, se for voltar o recurso da operação Chequinho, no qual eu já atuei e não tem nenhum problema em mencionar. Acho que ali não tem mais objeto, informei ao ministro Lewandowski. Ao meu ver, está fadado a rejeição do mesmo. Em breve, possivelmente, retornará e será retomado o julgamento pelo TRE. Continuará porque estava marcado anteriormente. Na Caixa d’Água, como estou atuando ainda, aguardo a decisão do ministro (Dias Toffoli) e da turma do colegiado para prosseguir ou não. 
 
 
Folha - O senhor acha que essas operações são, de alguma forma, um marco para o judiciário e a política campista? O que acha da suspensão das duas ações penais envolvendo Garotinho?
Ralph – Acho que sim. Acho que não só em Campos. Estamos passando por um momento importante no país, capitaneado pela operação Lava Jato, e daí vimos mudanças de posicionamentos, de condutas, da própria Justiça, do Ministério Público, da Polícia Federal. A gente espera que tenha um efeito natural de mudar o comportamento daqueles que tratam com a coisa pública. Isso tem um efeito, sim, aqui em Campos também. Acho que as pessoas estão mais cientes do que pode acontecer. Talvez existisse uma cultura de impunidade no país e estamos mudando. Ainda é um início, mas seria frustrante se, depois de todas as operações, de tudo que acontece no país, nada mudasse. Mas sou positivo nesse sentido. Acho que, com a Justiça atuando forte, mantendo a defesa da sociedade, acho que as coisas vão melhorar. As pessoas têm que ter mais respeito pelo trato com a coisa pública. Acho que na próxima eleição, assim como aconteceu aqui em Campos, acho que vai ser muito mais inibido e é o que tem que ser. Ganhe no voto, mas não no tapetão. Foi demonstrado que aqueles que utilizaram do Cheque Cidadão foram punidos. Nem todos estão mais no exercício do benefício daquele esquema. Acho que as pessoas vão começar a pensar que isso não é uma coisa simples, é um afronto à democracia e vai mudar o comportamento.
Folha — A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, já deram declarações na linha de uma condução mais firme nos registros de candidaturas de fichas sujas nesta eleição. Qual a opinião do senhor sobre a Lei da Ficha Limpa? Ela poderia melhorar em quê?
Ralph — Acho que a Lei da Ficha Limpa é um marco importante. Acho que deveria ter vindo antes, sou totalmente favorável. Acho inadmissível um candidato ficha suja que force o registro de sua candidatura, que tente se manter no pleito eleitoral. Isso na verdade é uma forma de ferir a democracia, enganar os eleitores e dali advêm várias coisas que muitas vezes a pessoa força a situação, vai sub judice, aí os votos não são computados e as pessoas perdem os seus votos. E aí há uma verdadeira bagunça no processo eleitoral. Meu posicionamento é que não deveria nem ser aceito registro de candidato ficha suja em hipótese alguma. E devia ser barrado esse registro de candidato. Acho que tem que ser um tratamento bem rigoroso como o TSE está norteando que vai atuar.
Folha - Uma das maiores preocupações do TSE para estas eleições são as fake news. Como tem sido a atuação da fiscalização eleitoral em Campos sobre essa nova modalidade de interferência no pleito? Como identificar e se adaptar a fiscalização a esse novo tipo de irregularidade?
Ralph - É uma nova situação. Hoje nós temos uma equipe com computadores acompanhando diariamente a todo momento blogs, notícias. Todas elas que são identificadas, são notificados os responsáveis para retirar ou a gente intervém. Isso geralmente é feito pela 118ª Zona Eleitoral do Rio, que é responsável pela fiscalização via internet. Já passamos várias situações para lá, e eles tomam providências, notificam, abrem procedimento, aplica multa, tudo feito nesse sentido. Mas estamos com equipe aqui hoje acompanhando muito de perto a internet, porque hoje é o meio mais forte.
Folha - Outra preocupação da Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro tem sido a influência do tráfico de drogas e das milícias na eleição. Campos tem registros assustadores de violência e, inclusive, foi palco de uma megaoperação da intervenção federal nesta semana. Existe essa preocupação em Campos também?
Ralph - Temos que ficar cientes, mas Campos ainda não tem essa influência dessa área de tráfico, de milícia na questão eleitoral. Isso a gente reconhece na Baixada Fluminense, no Rio, aqui ainda não identificamos isso. Logicamente, estamos atentos porque sabemos que acontece perto da gente e que se verificarmos isso, vamos intervir de qualquer forma. Não vamos deixar qualquer grupamento que seja dessa natureza intervir no processo eleitoral.
Folha — O TSE aprovou o envio de tropas federais para cidades do Rio de Janeiro durante as eleições. O senhor solicitou ou vai solicitar a presença dos militares nas ruas de Campos neste ano?
Ralph - Campos ocupa infelizmente um lugar de destaque na preocupação do TRE. Em reuniões com presidente, corregedor, a gente verifica que hoje lá o maior número de processos e recursos que eles julgaram foram de Campos. Campos tomou quase 70% do tempo do TRE em seus julgamentos com dezenas, dezenas de recursos e tudo mais. Então é uma preocupação grande com Campos. Eles têm uma visão por saber que aqui a questão política é muito forte, muito acirrada, então acredito que é uma das prioridades do tribunal. Então pode ser que seja enviado, depende do presidente do TRE o reforço da segurança de Campos nas eleições.
Folha – O senhor fez alguma solicitação para Campos?
Ralph — Ainda não pedi, não. A gente vai analisar depois que essa questão foi autorizada agora e olhar, mas acredito... Não está no momento ainda, por enquanto aqui não precisamos agora, precisamos mais na questão da segurança pública, mas não está descartada a hipótese mais para frente se verificarmos a necessidade e solicitar.
Folha — Um dos temas mais sensíveis quando o assunto é a magistratura são os valores de benefícios como auxílio-moradia destinado aos juízes. Qual a opinião do senhor sobre este benefício e a contestação cada vez maior da sociedade?
Ralph - Na verdade, não fica bem o nome, a denominação “auxílio-moradia”. Na verdade, se fosse uma outra nomenclatura seria muito mais explicável. Como a gente fala moradia se tem moradia? Na verdade, aquilo nada mais é do que uma forma de recomposição do salário e, talvez se tivesse escolhido o nome, “recomposição”, “reajuste pela perda”, não teria essa conotação. Então na verdade acho que o sentido da criação do auxílio-moradia não foi nesse. Muitas vezes a imprensa bate hoje na questão. Ficamos vários anos sem recomposição. Nós tínhamos dificuldades de ter recomposição porque toda vez que ia ter algum reajuste, mesmo que fosse do salário mínimo ou da inflação... A norma constitucional que garante como fixado subsídio a todo primeiro de janeiro ao reajuste anual, norma da Constituição, foi se desrespeitando isso. Não foram feitos reajustes anuais que a Constituição manda. Se tivesse sido feito, não teríamos a situação que chegamos hoje. Sou a favor que se acabe o auxílio-moradia, mas que cumpra o que a Constituição determina. Se faça o reajuste. Acho que a grande maioria dos juízes, 90% prefere acabar com o auxílio-moradia e recompor o que a Constituição fala. 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS