Crítica de cinema - O rei da pilantragem
*Felipe Fernandes 10/08/2019 14:13 - Atualizado em 15/08/2019 17:45
Dilvulgação
(Simonal) —
Filmografias musicais estão na moda. O cinema nacional, de certa forma, até antecipou um pouco essa onda que vem forte no cinema americano. As biografias de Tim Maia, Elis Regina e Erasmo Carlos (para citar os mais famosos) têm uma curiosidade, pois, ao retratar músicos que surgiram mais ou menos na mesma época e inevitavelmente se conheciam, acabam por adaptar os mesmo personagens em situações muito parecidas. Fica a sensação de já termos visto parte do que está sendo mostrado.
Agora, chega aos cinemas “Simonal”, a cinebiografia de um dos cantores mais controversos da década de 1960. Dono de um inegável carisma e uma voz marcante, Wilson Simonal teve uma ascensão meteórica e sua carreira encerrada precocemente durante a Ditadura Militar, quando foi acusado de um crime, teve sua imagem associada ao DOPS e passou a ser boicotado por toda a classe artística.
A verdade é que, até hoje, Simonal é pouco lembrado se comparado a alguns de seus parceiros da época. Mesmo que vez ou outra escutemos suas músicas, sua figura foi ficando no esquecimento. Eu mesmo tive um primeiro contato com o rei da pilantragem através do documentário “Simonal: Ninguém sabe o duro que dei”, filme de 2009, que teve como um dos montadores Leonardo Domingues, que faz aqui sua estreia como diretor em longas.
O filme aborda a vida do cantor desde seu encontro com o famoso radialista Carlos Imperial, passando por sua ascensão e enorme sucesso, até os problemas financeiros decorrentes dos excessos e de toda a situação que levou ao fim da carreira de Simonal. Mais do que apenas narrar a história, o filme busca elucidar toda a situação e dar uma espécie de direito de defesa ao já falecido cantor.
O longa abre com um grande plano sequência, eficiente em mostrar o clima de um bar repleto de artistas. Utilizando imagens da época, a recriação através dos figurinos e do design de produção é bem realizada e convence.
O roteiro escrito por Victor Atherino tem uma estrutura bem convencional. A primeira metade do longa mostra seu relacionamento com a esposa Tereza, o sucesso, os excessos, a mudança de status: era o negro da favela ganhando o país, tudo repleto das canções que o fizeram um dos maiores nomes da música daquele período.
Apesar das músicas, o filme não tem nenhuma cena musical marcante, um pecado dentro de uma obra que tem a música como elemento primordial. A cena mais marcante fica por conta de outro plano sequência que funciona muito bem para mostrar a irreverência e o poder de Simonal com o público de seu programa de TV.
Contando com um ritmo irregular, a segunda metade já busca mostrar os conflitos do protagonista. Chega o momento em que a realidade do país e sua condição como negro que atingiu as massas começam a cria questionamentos no personagem. Um elemento importante que traz reflexões relevantes sobre o racismo para a época e para os dias de hoje, mas que infelizmente é pouco aprofundado pelo filme.
Um ponto que merece destaque é a situação com os militares, que é retratada sem amenizar os erros do cantor. Simonal, em sua arrogância, foi diretamente responsável pela situação, e o filme não busca esconder isso, uma decisão corajosa e fundamental para o funcionamento do filme.
Simonal é interpretado pelo ator Fabrício Boliveira (Faroeste Caboclo, Tungstênio), que consegue transmitir o carisma do personagem, mesmo que não tenha o sorriso cativante do cantor. Um ponto que sempre me incomoda em cinebiografias é quando o ator simplesmente dubla as músicas, não entregando uma performance vocal, elemento que sempre engrandece a interpretação, mas que aqui não acontece.
Repetindo a parceria de Faroeste Caboclo, Isis Valverde interpreta Teresa, a esposa de Simonal. Uma personagem desinteressante, que passa por muitas mudanças que nunca são justificadas pelo roteiro.
“Simonal” é uma cinebiografia honesta, que busca esclarecer toda a situação e resgatar a figura do cantor para o grande público. Mas, seu maior problema como filme é o de não conseguir ter a mesma irreverência e a malandragem do cantor. Falta um pouco do swing que ele tanto gostava.

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