Crítica de cinema - Mulher-Maravilha
Edgar Vianna de Andrade 05/06/2017 18:50 - Atualizado em 06/06/2017 14:56
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Cartaz de a ENTITY_quot_ENTITYMulher-MaravilhaENTITY_quot_ENTITY / Divulgação
Mircea Eliade definiu que o processo de dessacralização do mundo começou com o judaísmo. Max Weber concluiu que o ocidente desencantou o mundo. Mas a partir de quando? A partir do século XV, quando o ocidente começou a se expandir pelos diversos continentes. O profano processou-se tanto dentro do ocidente quanto nas regiões por ele atingidas. Os mitos celestes, então, transformaram-se em mitos históricos. O lugar de Prometeu foi ocupado por Tiradentes e por tantos outros, dependendo do país. Mas a nostalgia do sagrado refugiou-se nas histórias em quadrinhos e no cinema.
Diana, a Mulher-Maravilha, é uma amazona criada entre mulheres para ser uma grande guerreira. Um dia, descobre seus poderes em seus punhos literalmente de aço. Ela saiu de um mundo sagrado, onde a honra, a verdade, a coragem, a liberdade são valores supremos, e entrou no mundo dos humanos ao fim da Primeira Guerra Mundial para combater Ares, deus grego da guerra.
“Mulher-Maravilha”, dirigido por Patty Jenkin, também uma mulher, e roteirizado por Allan Heinberg a partir da ideia original de Zack Snyder, Jason Fuchs e do próprio Heinberg, trabalha muito bem com a oposição entre sagrado e profano. Diana (a bela Gal Gadot, ex-miss Israel) salva o militar norte–americano Steve Trevor (Chris Pine), espião que foge dos alemães. Acolhido com desconfiança pelas amazonas depois de lutarem com bravura contra os soldados alemães, Trevor é surpreendido por Diana durante o banho. Ele não demonstra vergonha e se exibe de frente (seu pênis não aparece na tela) para Diana, que não se assusta. Há, então, um diálogo em que Trevor insinua suas qualidades masculinas. Diana não se vale de metáforas nem de subterfúgios na conversa. Ela desconhece segundas intenções.
Em Londres, ela não consegue se comportar de forma feminina, embora seja muito feminina. Mulher submissa a homem, no entender dela, é escrava. Sua presença é marcante. Afinal, é uma deusa entre mortais. As conversas que ela mantém com humanos profanos parecem diálogos entre surdos e mudos. Sua coragem a todos surpreende e sua atitude divina reduz a complexidade dos humanos. Ela não consegue ser opaca ou translúcida. Ela é de uma transparência ingênua diante da dissimulação e das injustiças. A seu ver, a guerra é comandada por Ares, que se oculta ardiloso atrás de humanos. Ela se propõe matá-lo. Entre os homens, só um índio norte-americano aculturado consegue conversar com ela. O entendimento só é possível porque o índio veio de um passado sacralizado.
O filme tem também o mérito de retirar dos alemães o surrado estigma de maus e promotores de guerras injustas e cruéis. Diana mesma se engana ao matar com facilidade o general Ludendorf, que ela acredita ser Ares disfarçado. Ares está presente nas guerras, sejam quantos forem os lados em luta. No caso da Primeira Guerra, Ares é inglês. Diana aturde os homens com suas convicções simplistas, tanto quanto em “A grande muralha”, a nobreza e integridade da comandante chinesa Lin Mei impressiona o mercenário William Garin.
Mas Diana surpreende a todos, vencendo os inimigos com suas ingênuas crenças e sua força. Ela é uma heroína de um mundo que não existe mais. A DC Comics criou muitos heróis super-humanos que vivem entre humanos, fazendo concessões a nosso mundo profano. Já a Marvel cria humanos com superpoderes que levam para sua nova condição seus vícios. Homem de Aço é um exemplo de herói da Marvel. Super-Homem é exemplo da DC Comics. Os heróis da Marvel saem do seio dos humanos. Os da DC entram nele. Pena que este contraste não seja aprofundado nem nos quadrinhos nem no cinema.

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