Para um autêntico campista bicicleta sempre será falada "bicicreta". Pode até escrever com L mas, na fala, o R reina soberano ali pelo meio.
Campos e "bicicretas" foram feitos um para o outro. Tudo plano, facinho de andar! Meu sonho de mobilidade, quando menino, era ter uma "bicicreta".
Tem gente que aprende música “de ouvido”, como se diz. Minha fascinação era tanta que aprendi a andar de "bicicreta" de olho”.
Por essa época, morava no bairro da Pecuária. Nossa casa foi a segunda a ser construída. Passaram a patrol no canavial e traçaram um bairro na tabatinga lisa. De tão lisa, que “patinávamos” descalços em dias de chuvisco.
Era só tomar uma carreira e sair deslizando. O bairro era quase distrito de São Fidélis, tantos os oriundos ali assentados.
Daquela direção vinham as boiadas em sua última caminhada, para atravessar a cidade, rumo ao matadouro, que ficava do outro lado.
O cemitério era a fronteira anterior do urbano. A Pecuária se projetou fora das muralhas, por assim dizer. Pouco antes do cemitério, bem na beira do rio ficava o cortume. Fedia! O caminho se elevava naquele ponto, pois o cemitério se ergue sobre pequeno outeiro.
A boiada pressentia seu destino e chorava quando sentia o cheiro do cortume. Era de uma tristeza tamanha naqueles ermos.
Seguiam chorando passando pelo cemitério. Choravam os seus mortos e a nossa desumanidade. Não se revoltavam nem se resignavam. Choravam de compaixão.
Às vezes coincidia do trem rasgar o canavial apitando. E ia triste e triste, longe e longe, em contraponto. Ficava o silêncio fedido no anoitecendo.
Queria correr, queria fugir para as luzes da beira rio para além da Cadeia na boca da Ponte, para além de todo o tipo de tristezas.
De "bicicreta", isso ficava mais fácil!
Observei e observei com denodo, determinação mesmo. A grana era curta e não podia esbanjar em tentativas.
Quando achei que já dava fui alugar uma "bicicreta". Eu mesmo me espantei, pois saí andando, tão integrado quanto um centauro à sua contraparte cavalo.
BOIADAS
Andar é fácil, parar é que são elas! Que lições de vida tirei desse aprendizado! Aonde iam meus temores, para lá se virava o guidon, irresistivelmente.
Várias colisões e atropelamentos após, entendi que devemos fixar o coração no que queremos e não no que tememos.