Como subverter as obrigações de fim de ano
Ronaldo Junior
Fonte: Pixabay
Não vou tentar adivinhar nada, mas existe uma chance enorme de você estar lendo este texto prestes a encontrar pessoas com as quais não gostaria de estar.
 
Vou localizar o leitor extemporâneo: hoje é 24 de dezembro, e este é o dia ideal para as mais diversas inconveniências familiares.
 
Tudo começa com um comodismo: vamos todos para a casa da fulana porque lá passamos todos os natais. Chegando, você encontra de costume uma tia intransigente que cisma que você é criança, um comentário absolutamente desnecessário vindo da sua avó, piadocas aleatórias próprias de um fim de festa, um primo que você sequer lembrava que tinha, dezenas de passas no arroz e um álbum do Roberto Carlos tocando repetidamente.
 
A problemática da história parte não apenas desse conjunto, mas justamente do motivo de você não poder, sob pena de "pesar o clima na família", deixar de estar presente ou mesmo dizer o que realmente pensa a respeito daquilo tudo.
 
É isso: a necessidade, o ter-que, a impossibilidade de optar por comer as sobras frias do almoço à meia noite enquanto assiste a um vídeo besta no YouTube.
 
Estando isso fora de cogitação, proponho uma inversão de papéis capaz de gerar nos outros o incômodo que te faz não querer estar com eles: seja o semeador das inconveniências antecipando o que fariam contra você.
 
Primeiro, já chegue fazendo a piada do pavê para que sintam em você a energia subversiva. Depois, informe para a sua avó que, apesar de mais "cheinho" do que no natal passado, você vai repetir o prato de arroz com salada de batata. Em seguida, esclareça para a sua tia que demonstrações de afeto forçadas só expõem o quão importante foi não ter te procurado o ano inteiro. Por fim, não deixe de criar um apelido carinhosamente vexatório para cada um de seus familiares, a fim de fazê-los sentir as nuances de cada brincadeira desnecessária que fizeram ao longo dos últimos anos.
 
E, na primeira oportunidade, se furte de ir aonde você não se sente afetivamente acolhido, lembrando que família é aquela que você não procura por obrigação, mas por sentimento.
 
Feliz Natal!
 
*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Sobre o autor

    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.