Para além das Academias de Letras
Ronaldo Junior
Foto extraída da página da Academia Campista de Letras no Facebook.
 
Por ocasião da posse de Adriano Moura na Academia Campista de Letras – em sessão solene ocorrida na última terça-feira -, passei a refletir sobre a importância das nossas instituições culturais no panorama municipal e, mais ainda, qual o papel delas quanto a reunir significativas vozes do nosso tempo em um espaço de debate plural e significativo.
 
Começo por dizer que me parece ter ocorrido, durante um certo tempo, um afastamento de intelectuais em relação às nossas duas Academias de Letras – para citar apenas as principais instituições que têm por enfoque a literatura. Digo isso por notar que, historicamente, tanto a Academia Campista de Letras (1939) quanto a Academia Pedralva Letras e Artes (1947) passaram por crises para manutenção de suas atividades.
 
Segundo relatos de companheiros que compartilham comigo tais espaços, sei que a ACL chegou a ter seus trabalhos interrompidos durante algum tempo, ao passo que a Pedralva, sem parar suas atividades até hoje, enfrentou um esvaziamento similar no início deste século. Tais acontecimentos já somam alguns anos – ou mesmo décadas -, mas a questão que proponho aqui passa por pensar a importância dessas instituições e o impacto de seu esvaziamento para a cultura local.
 
A título de justificativa, quando mencionei, num parágrafo acima, o termo “intelectuais”, não o fiz como forma de insinuar que as Academias possuem o poder místico de transformar qualquer indivíduo em intelectual – nem que todos os seus membros assim se consideram -, mas como sinônimo de pessoas que são verdadeiras referências em suas áreas de atuação.
 
Antes de prosseguir com a discussão, vale a reflexão que várias pessoas já me trouxeram: Campos possui tamanha representação literária a ponto de possuir mais de uma instituição para abrigar seus escritores? Respondo que sim e que não: sim, porque o município possui, desde o século XIX, uma profusão de intelectuais, obras e veículos de imprensa relevantes, além do fato de suas Academias de Letras terem raízes absolutamente distintas que justificam suas existências; não, porque vejo com ressalvas o fato de escritores que não encontram assento nas instituições já existentes quererem fundar suas próprias entidades culturais e fingir que elas possuem a mesma importância para o cenário local.
 
Dito isso, volto para a temática inicial: por que os intelectuais se afastaram das instituições durante certo tempo? Palpito: os espaços acadêmicos podem parecer ambientes de mero desfile de vaidades para fazer cafuné no próprio ego, além de, a depender do ponto de vista, parecerem espaços em que não se produz nada de relevante cultural e academicamente.
 
Esses argumentos, além de precipitados, são reducionistas a ponto de desconsiderar a história das nossas instituições e dos nomes que por elas passaram, mas trazem à tona o intrigante fato de ser esse um estereótipo aceito por muitos que se negam a frequentar tais espaços, apesar de possuírem relevância intelectual para contribuir com ideias e ações relevantes.
 
Todas essas questões se renovam em minha mente quando Adriano toma posse na ACL, dada a relevância de sua obra literária, universitária e teatral. Ouço de muitos que a chegada dele é tardia e tenho que concordar. Mas devo apontar igualmente que nossas instituições precisam, cada dia mais, enfatizar suas histórias e se mostrar disponíveis para contribuir com a defesa das expressões artístico-culturais do nosso município.
 
De nada vale nos fecharmos em nossas reuniões para compartilharmos ideias e escritas com companheiros de Academia se não alcançamos a população e não integramos as expressões advindas dela no escopo da instituição. Esse trabalho feito num cômodo fechado em quase nada contribui com as reais finalidades de uma instituição cultural.
 
Para tanto, as históricas Academias de Campos possuem o constante desafio de enfatizar seus objetivos constitutivos para seguir escrevendo a história, cabendo aos acadêmicos – e eu me incluo nesse dever – apresentar socialmente suas contribuições e estimular a participação da comunidade para fazer valer o honroso título que possuem. Isso se mostra possível, como vem sendo feito, por meio do diálogo com o poder público, com universidades e com instituições culturais correlatas que se juntam na história recente – como o Instituto Histórico e Geográfico de Campos, a Associação de Autoras e Autores Campistas e a Academia de Letras do Brasil Seção Campos.
 
Penso, portanto, que as instituições culturais campistas devem se dedicar ao cumprimento constante da função social que possuem enquanto guardiãs da memória de um município que foi berço de veículos como o Monitor Campista e de intelectuais como José do Patrocínio, José Candido de Carvalho e tantos outros nomes ainda vivos e que ainda estão por vir. Logo, a importância cultural das Academias é de salvaguardar nossas manifestações culturais e defender a expressão literária campista, o que passa pelo estímulo para surgimento de novos autores e de ações para garantir espaço para cada um, além da constante observância do acesso à cultura e à educação.
 
Para isso, é preciso que outras importantes vozes da literatura campista se juntem aos atuais acadêmicos para entender que as instituições - para além dos egos e interesses individuais – são espaços que precisam ser ocupados para debater formas de salvaguardar nossa memória e, com ela, nossa identidade.
 
*Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.