Dicas amadoras para não ser um velho rabugento
Ronaldo Junior - Atualizado em 05/03/2022 12:54
Fonte: Pixabay
Antes de começar a ler, atente para um fato: as dicas são amadoras, sem nenhuma garantia de eficácia, uma vez que eu mesmo me ponho a falhar vergonhosamente todos os dias no quesito “não ser um velho rabugento”.

O que eu posso fazer é justamente pensar o que me faria menos velho (apesar de jovem) e menos rabugento e, com algum esforço, tentar colocar em prática os passos aqui expostos – sugiro que reflita, caso seja cabível para você também.

Primeiro, é importante dizer “sim” para quase tudo que aparece – digo “quase” porque há em mim uma rabugice encruada que não me permite essa completa liberdade, mas também porque é necessário manter princípios – pois acredito, já definindo um parâmetro, que não é desejável estar fechado para as oportunidades da vida.

Um bom velho rabugento é aquele que nega tudo – comida, saída, ligar a TV – e ainda fica balbuciando queixas contra tudo e contra todos que o cercam sem qualquer motivo aparente, o que faz parte de uma narrativa montada em sua própria mente para dizer que tudo ao seu redor não presta.

E isso me leva ao segundo ponto: é preferível calar ao invés de reclamar. Gente chata murmura pelos cantos, joga indireta, procura o defeito pra mostrar insatisfação. É preciso se afastar disso – e, se esse for seu caso, talvez você nem perceba que faz isso.

Terceiro, é bom saber a hora de parar de falar, porque nem sempre seu atento ouvinte quer saber daquela ótima história sobre o verão de quinze anos atrás – fosse possível, ele pegaria o controle e mudaria de canal, mas ele te ouve com um sorriso que questiona quando a história acaba.

Quarto, ser um bom leitor da realidade pode significar lucidez. Pessoas ranzinzas geralmente são cheias de teorias da conspiração, loucas para tirar do baú problemas que sequer afetam as pessoas mais obsessivas por problematizar tudo – como terraplanistas, monarquistas e até os caras que acreditam que a Xuxa fez um pacto obscuro.

Sem dúvidas, a realidade humana deve ser questionada a todo tempo. Isso é ter senso crítico e demonstrar posicionamento diante das questões. Mas, convenhamos, algumas pessoas criam teorias conspiratórias como se fosse um hobby, orbitando ao redor de assuntos completamente vagos apenas por distração – nada contra, já que todos temos nossas formas de alienação por conveniência.

Quinto, pra fechar, não seja a nostalgia em pessoa. Relembrar o passado é bom, sentir saudade de pessoas e momentos é humano, mas viver disso poder ser insuportável – pra quem fala e pra quem ouve. Portanto, viva o hoje e deixe as fotos guardadas na gaveta ou na galeria do computador. Decerto é mais pertinente a saudade do que ainda não foi vivido, capaz de construir novos momentos para se ter saudade no futuro.

Diante dessas dicas básicas – que servem apenas para nortear a mim e ao leitor no cotidiano -, fico pensando se não seria um sinal de rabugice tentar criar manuais para tudo. Talvez seja minha grande contradição, que demonstra a ironia presente nesses manuais de desutilidades, que mais servem como pitaco do que como instruções pragmáticas.

Como vivo, porém, de contrariar meus próprios conselhos, vou pedir aos que me cercam pra controlar o jovem-velho rabugento que há em mim com base nessas dicas, que eu, aliás, já esqueci nessas últimas linhas – a menos que seja pra dançar música eletrônica em uma festa, afinal, já não tenho mais idade pra isso.
 
 
*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.

**Ronaldo Junior tem 25 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Ronaldo Junior

    [email protected]

    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.