TV Câmara de Campos exibiu filmes de produtora bolsonarista acusada de fake news
Gilberto Gomes 01/07/2022 14:44 - Atualizado em 02/07/2022 15:15
Financiada por grupos de ultradireita, Brasil Paralelo é acusada de promover revisionismo histórico e desinformações sobre a pandemia.
Se você utiliza internet com frequência e acessa redes sociais, muito provavelmente já se deparou com algum anúncio sensacionalista da produtora "Brasil Paralelo". Se você é campista, a chance é ainda maior, já que a TV mantida pela Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes exibiu com frequência documentários da produtora, que contam com a participação de gurus da extrema-direita no Brasil, como o já falecido Olavo de Carvalho e os deputados Luiz Philippe de Orléans (autointitulado monarca brasileiro) e Carla Zambelli.
A empresa produz filmes, documentários e séries que buscam "reescrever" a história do Brasil sob um olhar conservador, negando, por exemplo, que a escravidão tenha tido um papel estruturante na formação da sociedade brasileira. As produções não apresentam quaisquer fontes ou documentações históricas que sustentem seus argumentos, se utilizando somente das opiniões dos entrevistados.
Chegou a ser citada durante a CPI da Covid, em 2021, como um “núcleo de produção e disseminação” de fake news relacionadas à pandemia, junto de outros sites e influenciadores, como o do extremista Allan dos Santos, foragido da justiça brasileira.
Desde 2020, tento contato sem sucesso com a equipe da TV Câmara de Campos, para maiores esclarecimentos sobre a transmissão de conteúdos da Brasil Paralelo.
Em sua grade, a emissora local repete a programação da TV Escola, ligada ao MEC, que é acusada de colaborar com a propaganda, disseminação e financiamento da Brasil Paralelo.
O fato de uma TV pública municipal estar colaborando para a dispersão de conteúdos obscurantistas, fundamentalistas e negacionistas que alimentam o viés-ideológico sustentado pelo bolsonarismo no Brasil parece não importar ao comando da TV e está em total contradição com conteúdos de muita qualidade produzidos e exibidos pela grade da emissora, como o programa Pílulas da História, apresentado pela professora e historiadora Rafaela Machado.
Boa parte destas exibições de séries e documentários da Brasil Paralelo na TV Câmara de Campos ocorreram durante a pandemia, alcançando muitas crianças e adolescentes que acompanhavam os conteúdos educacionais e aulas remotas.
Matéria de Guilherme Amado para o Metrópoles nesta sexta-feira (01) aponta que, no Relatório de Transparência de Assuntos Políticos, lançado pelo Google na quinta-feira (23), a Brasil Paralelo foi a maior anunciante de propaganda política nas plataformas do Google no país, investindo R$ 368 mil reais para impulsionar 647 conteúdos desde novembro do ano passado, data do início do levantamento.
Em um desses anúncios, veiculado no mês passado, o vídeo que a Brasil Paralelo pagou para o Google sugerir automaticamente a seus usuários traz, com uma narração em tom retumbante (para dar aquele “tom” de denúncia) a repetição de uma fake news, antiga e já desmentida, de que o PT teria supostamente pagado R$ 200 milhões para Marcos Valério “não falar no nome de Lula e poupar o presidente na investigação do mensalão”.
Os discursos da Brasil Paralelo estão em total alinhamento com a política conduzida por Bolsonaro em relação ao meio ambiente. Seus conteúdos citam a existência de um "terrorismo ambiental", ignoram o aquecimento global e tratam com desdém as causas indígenas.
QUEM FINANCIA?
A historiadora Mayara Balestro pesquisou por três anos a atuação da produtora e identificou entre seus financiadores o empresário Leandro Ruschel, ligado ao mercado financeiro e apoiador de grupos de extrema direita no Brasil. Ela e outros professores sofreram uma série de ameaças, assédio moral, vazamento de fotos e dados pessoais, após a publicação de suas pesquisas. Começaram a receber notificações extra-judiciais exigindo “retratação e direito de resposta”. O site The Intercept conversou com algumas dessas vítimas de ameaças e desvelou uma grande ofensiva judicial da produtora para tentar calar seus críticos e reescrever a própria história.
A estratégia da Brasil Paralelo é sempre negar sua ligação com Bolsonaro. Mas é financiada pelos setores mais retrógrados do empresariado, que também financiam o bolsonarismo no Brasil.
Ser politicamente conservador é uma escolha pessoal. Vivemos em uma democracia e cada indivíduo tem o direito de escolher o futuro que prefere para o seu país. No entanto, promover a difusão em massa de revisionismo histórico, fake news e desinformação é um atentado à própria democracia.

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