Arthur Soffiati - Origem e extinção (final)
Arthur Soffiati - Atualizado em 16/09/2021 20:27
Como vimos, só depois de milhões e milhões anos depois da origem da Terra a vida se constituiu. Primeiro na sua forma unicelular anaeróbica. Depois, na sua forma unicelular aeróbica. Essa segunda prosperou, originando espécies pluricelulares invertebradas e vertebradas. Por mais de uma vez, a vida sofreu ameaça de extinção. Na verdade, cinco vezes, sendo a mais dramática a que marcou o fim da era Paleozoica. Restaram apenas 10% das espécies então existentes, mas a vida resistiu e se diversificou novamente. As cinco crises foram geradas por fatores naturais endógenos ao planeta. Menos a quinta, que resultou da colisão de um asteroide com a Terra.
Os cientistas alertam agora para uma nova crise de extinção em massa de espécies. As ameaças não partem mais de fatores naturais, mas da ação coletiva do ser humano. Ela está destruindo os ecossistemas e extinguindo espécies pluricelulares, como fungos, plantas e animais. Devemos ter cuidados em analisar a crise atual. Ela está sendo causada por uma espécie agindo coletivamente, mas esta espécie (Homo sapiens) não é intrinsecamente destruidora das outras. Ela viveu a maior parte da sua história sem provocar extinção. Não havia como causar extinção de espécies porque seus instrumentos eram muito rudimentares. Existe uma linha de cientistas que atribui ao ser humano a extinção de grandes mamíferos na América do Sul antes dos europeus. Inclino-me mais a pensar que tais extinções ocorreram por mudanças ambientais no final do Pleistoceno e início do Holoceno.
A invenção da agricultura e do pastoreio muniram os humanos de armas de destruição mais poderosas, mas ainda incapazes de provocar extinção em massa. Talvez tenha havido uma que outra extinção causada pela ação humana. Não temos evidências. Com a formação das civilizações, o poder de destruição de grupos humanos aumentou. De fato, existe uma infinidade de documentos produzidos por essas civilizações registrando grandes desmatamentos e caçadas. A crença numa natureza infinita, contudo, ainda não estava estabelecida. A destruição dela gerou condenações no plano das ideias, como exemplifica o caso do taoísmo. Com todo o aparato de destruição produzido pelas civilizações, não houve casos de extinção em massa.
Foi na civilização ocidental, a partir do século XI, que começou a se constituir um sistema econômico perigoso para a natureza. Trata-se da economia de mercado, que tende a transformar bens de consumo em bens de troca. Melhor dizendo, busca transformar a natureza em recursos lucrativos. Forma-se, assim, uma visão utilitarista da natureza que a concebe como uma entidade amorfa e infinita na sua capacidade de fornecer recursos e de digerir resíduos. Esta concepção não apenas impulsiona uma atividade econômica ecologicamente insustentável, como leva a uma separação entre natureza e cultura. A natureza é infinita, e a humanidade deve dominá-la, explorá-la e triunfar sobre ela.
A partir da revolução industrial do século XVIII, a economia de mercado cresce vertiginosamente com o perigoso uso de combustíveis fósseis, com a destruição de ecossistemas, com a construção de cidades sempre em expansão e com a extinção de espécies. Embora a crise ambiental tenha ganhado cunho global com a expansão da economia de mercado desde a revolução industrial, devemos ter a consciência de que ela está em andamento há 600 anos, a partir da expansão marítima do capitalismo.
Hoje, gasta-se fortunas para encontrar vestígios de vida nos planetas do sistema solar. Em Vênus, busca-se a existência de uma simples bactéria ou vestígios de vida extinta em tempos passados. Ao mesmo tempo, despreza-se e destrói-se a vida na Terra em suas formas mais complexas. A cada relatório divulgado pela União Internacional para Conservação da Natureza, as condições da biodiversidade se agravam. Então, promove-se uma conferência internacional em que as lideranças dos países assumem o compromisso de, pelo menos, deter o processo. Assim também com relação à crise climática. O relatório seguinte mostra que a situação piorou.
Estamos vivendo uma crise ambiental em que a extinção de espécies é um de seus componentes. Não há dúvida de que ela está ocorrendo e de que sua causa é a ação humana coletiva dentro de uma economia de mercado. Da minha parte, não uso nenhum conceito para denominar esta crise. Nem antropoceno nem capitaloceno. Não se resolvem problemas com conceitos. Não se dá nome a crises, como se pode constatar em toda a história da Terra. O futuro está em aberto. Acho difícil a humanidade substituir o capitalismo por outro sistema em pouco tempo. Na minha avaliação, que pode estar errada, a humanidade tem 80 anos pela frente para desenvolver uma cultura de equilíbrio entre ela e a natureza. Não creio no fim da humanidade, mas em tempos mais difíceis para ela. Não creio na extinção de todas as espécies vivas, mas no empobrecimento crescente de sua diversidade. Se a humanidade conseguir estabelecer esse equilíbrio, não haverá garantia de que um novo fenômeno natural ameace a vida e a humanidade. Mas aí já é outra história.

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