Sem acordo sobre a divisão dos royalties, decisão fica com o STF
Joseli Matias 19/04/2020 11:29 - Atualizado em 08/05/2020 18:25
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STF / Agência Brasil
 
O clima de incerteza imposto ao mundo pela pandemia de Covid-19 é, neste momento, ainda maior para estados e municípios brasileiros produtores de petróleo, que estão com suas receitas em jogo e, ao que tudo indica, terão seus futuros financeiros definidos pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 10 dias, para quando está marcado o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que questionam a redistribuição dos royalties prevista na Lei 12.734/2012, já que as negociações para a elaboração de um acordo com os não produtores ainda não avançaram.
A exemplo da iniciativa da Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios Produtores de Petróleo, da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro) e outras partes nos processos, o Governo do Estado do Rio de Janeiro entrou no STF, nessa quinta-feira (16), com um pedido de adiamento do julgamento das ADIs. A relatora das ações, ministra Cármen Lúcia, ainda não se pronunciou sobre os pedidos.
Na petição, o governador Wilson Witzel ressalta o incentivo da relatora à viabilização de uma solução consensual e argumenta que as tratativas encaminhadas pelos governadores de Estado, bem como as iniciativas legislativas compreendidas na agenda de reformas políticas, foram temporariamente impactadas e naturalmente suspensas pela necessidade de priorização das medidas de combate à pandemia da Covid-19.
“Como é de amplo conhecimento, esse julgamento envolve sensível questão constitucional federativa, representada pelo antagonismo entre as posições jurídicas sustentadas por Estados e Municípios afetados ou não pela atividade econômica de exploração do petróleo. (...) Diante dessas circunstâncias imprevisíveis, tendo em vista a extrema relevância da questão constitucional e o prévio reconhecimento da legitimidade de uma solução consensual, venho requerer que seja retirado de pauta ou adiado o seu julgamento até a suspensão do estado de calamidade reconhecido pelo Congresso Nacional, observando-se a forma efetivamente presencial do julgamento na hipótese de não se concretizar a almejada solução consensual”.
— Aguardamos que esses pedidos sejam aceitos, seja pelo adiamento ou retirada de pauta. Uma redistribuição seria impossível diante do que os municípios vêm enfrentando com falta de recursos e queda de arrecadação brusca neste momento de enfrentamento à pandemia. Mas, além disso, temos mantido contato direto com a Câmara dos Deputados, com a Assembleia Legislativa e demais forças políticas. Na próxima semana, realizaremos uma reunião da Ompetro para debatermos com os demais membros. A Ompetro está em plantão permanente desde setembro — afirmou o presidente da Ompetro e prefeito de Campos, Rafael Diniz.
O deputado federal Wladimir Garotinho, que preside a Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios Produtores de Petróleo, informou que nesta semana vai reforçar o pedido ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para que adie o julgamento. “Não tem clima e ambiente para discutir essa pauta neste momento, em função da pandemia da Covid-19”, ressaltou o deputado.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em contrapartida, defende a manutenção do julgamento no dia 29 de abril. “Esse é um julgamento esperado há quase uma década e é fundamental para uma divisão justa e equilibrada de uma riqueza que é nacional, especialmente num momento em que todos os entes federados, em especial os municípios brasileiros, necessitam de recursos para o combate aos efeitos da Covid-19. Com a adoção pelo Supremo dos julgamentos plenários por videoconferência, esperamos que esse assunto seja definitivamente resolvido no dia 29 de abril”.
Estados e municípios tentam um consenso
Na disputa pelos recursos do petróleo, que se arrasta desde 2013, um acordo que reduzisse as perdas dos estados e municípios produtores e proporcionasse o acesso dos não produtores a parte dessas compensações foi proposto no mês de fevereiro, mas até o momento não houve entendimento sobre as participações de cada ente federativo.
Uma comissão foi formada no dia 11 de fevereiro para discutir, levando a uma decisão consensual sobre o tema. O grupo de trabalho é integrado por três estados produtores — Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo — e três não produtores — Rio Grande do Sul, Goiás e Piauí, além da CNM e da Advocacia Geral da União (AGU).
O Governo do Estado do Rio de Janeiro garantiu que continua empenhado em buscar um acordo que evite perdas aos cofres do Estado e aos municípios que recebem royalties do petróleo. “O Estado do Rio é o que mais perde, os municípios do Rio são os que mais perdem e existe todo um contexto para justificar que não percamos nenhum centavo dos royalties do petróleo, mas há uma mobilização nacional, dos municípios e estados não produtores de participarem dessa riqueza nacional que é o petróleo”, afirmou Witzel.
A CNM ressalta que “os estudos técnicos apresentados pela entidade permitem se chegar a um consenso que compatibilize a distribuição equitativa para todos os entes federados com as projeções de receitas dos entes confrontantes efetuadas à época da edição da Lei dos Royalties”.
Parada de plataformas compromete receitas
Na região, municípios, que já vivenciam sucessivas quedas na arrecadação de recursos do petróleo, sofreram um duro golpe nessa semana, com o anúncio da Petrobras sobre a parada de produção em seis plataformas da Bacia de Campos para contenção de despesas diante do avanço do novo coronavírus. Perdas que devem chegar a 50% dos recursos arrecadados com a exploração do petróleo, agravando ainda mais a situação financeira dos municípios.
De acordo com o superintendente de Petróleo e Gás na Prefeitura de São João da Barra, Wellington Abreu, a hibernação das plataformas afetará mais as receitas de Campos, porém, ele lembra que as áreas já estavam em declínio de produção. O superintendente chamou a atenção, ainda, para a queda no preço do petróleo.
— Além dessas plataformas da Bacia de Campos, outras das demais bacias serão desativadas e irão gerar desemprego e queda nas receitas de estados e municípios produtores. Aliado a isso, temos um preço do petróleo que despencou e deixará a situação ainda mais grave — disse Wellington.
A Petrobras, entretanto, garantiu que não haverá demissões. “Conforme divulgado ao mercado em 26 de março último, diante da pandemia da Covid-19 que gerou forte redução nos preços de petróleo, a Petrobras adotou uma série de ações para reforçar sua solidez financeira e a resiliência dos seus negócios. Uma dessas ações foi a hibernação de plataformas em campos de águas rasas das bacias de Campos, Sergipe, Potiguar e Ceará. Não houve ou haverá demissões de empregados da Petrobras que trabalhem nessas plataformas, mas sim remanejamento para outras áreas ou saídas por PDV caso haja interesse do empregado”.
Novela dos royalties
Os entes não produtores cresceram o olho para os repasses desde a descoberta do pré-sal, em 2007, e a novela sobre a redistribuição se arrasta desde março de 2010, quando o deputado Ibsen Pinheiro (MDB-RS) apresentou emenda a um projeto de lei, estabelecendo a partilha igualitária dos recursos entre todos os municípios e estados do país, a chamada Emenda Ibsen.
A argumentação abraçada pela CNM tem como princípio a ideia de que o petróleo pertence à União e, por isso, os dividendos devem ser divididos. Por outro lado, os produtores dizem que o ônus da exploração fica com a região, inclusive com eventuais danos ambientais e sociais.
Em dezembro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a legislação, mas vetou a Emenda Ibsen. Após mais alguns anos de discussões, o Congresso aprovou, em 7 de março de 2013, a total redistribuição dos royalties do petróleo. Mas, em 18 de março daquele ano, a ministra do STF Cármen Lúcia concedeu uma liminar, após ADI do então governador Sérgio Cabral (MDB), para suspender as novas regras aprovadas pelo Legislativo.
Na decisão, a ministra ressaltou que a alteração das regras relativas ao regime de participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural ou da compensação pela exploração, sem mudança constitucional do sistema tributário, afeta o frágil equilíbrio federativo nacional e desajusta o regime financeiro dos entes federados.
Desde então, não produtores e produtores travam uma guerra jurídica.

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