Rumo ao modernismo VIII: desenhos, quadrinhos, fotografia e cinema
* Arthur Soffiati 10/10/2019 17:48 - Atualizado em 17/10/2019 13:55
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Não foi pelos livros, pinturas, esculturas e obras arquitetônicas que a população, notadamente a classe média, ganhou intimidade com o modernismo. Foi, antes de tudo, com as revistas de variedades. As mais conhecidas eram “O Malho”, “Fon Fon”, “Careta”, “A Cigarra”, “Vida Moderna”, “Revista da Semana”, “Para Todos”, “O Tico-Tico” e outras mais. Nelas, artistas como Belmiro de Almeida, José Carlos de Brito e Cunha, o popular J. Carlos, Inácio da Costa Ferreira, mais conhecido como Ferrignac, Max Yantok e Di Cavalcanti publicaram charges, desenhos de humor e histórias em quadrinho.
Belmiro de Almeida estudou no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, onde apresentou seus primeiros trabalhos. Depois, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes. Viajou para Roma e Paris. Fixou residência nesta cidade e no Rio de Janeiro. Foi professor na Escola Nacional de Belas Artes. Publicou caricaturas nos principais periódicos cariocas da época e se dedicou à escultura. Dele é o famoso Manequinho, no bairro de Botafogo. Foi também pintor premiado. Sua tela mais conhecida é “Arrufos”.
Também José Carlos de Brito e Cunha não foi apenas chargista e ilustrador. Ele também foi escultor e escreveu teatro de revista e letras de samba. Seus desenhos em revistas apresentam um forte traço do estilo Art déco e raionista. Publicou trabalhos em várias delas, onde deixou seu traço inconfundível de síntese e sensualidade. Com Raul Pederneiras e Kalixto, formou o grupo mais famoso da caricatura brasileira na Primeira República.
Ferrignac, como era conhecido Inácio da Costa Ferreira, foi desenhista, participando da Semana de Arte Moderna, mas foi com seus desenhos de humor que ficou conhecido.
Di Cavalcanti também iniciou sua vida como ilustrador. Carioca, ele se transferiu para São Paulo e, em 1917, promoveu sua primeira exposição individual na sede da revista “A Cigarra”. Em 1922, publicou o curioso livro “Fantoches da meia-noite”. Desenhou também o cartaz da Semana de Arte Moderna. Atribui-se a ele a ideia do evento. Seu traço mudará bastante ao se tornar pintor.
O desenho que se desdobra numa história constitui os quadrinhos, que Will Eisner denominou arte sequencial. Os quadrinhos costumavam aparecer nos jornais. Atribui-se a Angelo Agostini, durante algum tempo, o pioneirismo mundial na invenção dos quadrinhos. Agora, até o momento, o pioneirismo está com o suíço Rodolphe Topffer. Por si só, a história em quadrinhos é uma forma moderna de expressão. No Brasil, a circulação da revista “O Tico-Tico”, iniciada em 1905, revelou vários nomes. Primeiramente, era mais fácil importar quadrinhos produzidos nos Estados Unidos, pois a indústria deles os tornava mais barato. Aos poucos, contudo, a revista foi lançando autores residentes no Brasil.
O grande marco dos quadrinhos no Brasil é Max Yantok, que estreou em “O Tico-Tico” com o personagem Kaximbown, em 1911. Criou também os personagens Joca Bemol, Barão de Rapapé e Chico Muque.
Na fotografia, não apareceu nenhum nome que tenha celebrizado a técnica e que representasse o modernismo. Marc Ferrez e Augusto Malta foram os celebrados fotógrafos do final do século XIX e início do século XX. Eles não participaram da Semana de Arte Moderna, mas podem ser considerados como nomes expressivos da fotografia moderna no Brasil.
No cinema, o nome pioneiro é o do português Francisco Dias Ferreira dos Santos (1873-1937), que filmou, em 1913, na cidade de Pelotas, pela empresa Guarany Fábrica de Fitas Cinematográficas, o filme “Os óculos do vovô”. Fragmentos dele foram encontrados na década de 1970. O que restou dele dura pouco mais de quatro minutos. Trata-se do mais antigo filme produzido no Brasil, do qual conhecemos uma parte.
Outro nome que representa muito bem o modernismo é o de José Medina, que teve vida longa (1894-1980). Começou como projecionista e trabalhou como ator. Como diretor começou com “Exemplo regenerador”, de 1919. Em 1921, lançou “Assuntos e atualidades de São Paulo”, “Perversidade” e “Carlitinhos”. De 1922 são “A culpa dos outros” e “Do Rio a São Paulo para casar”. Este último mereceu uma breve crítica de Mário de Andrade, em que ele revela o desejo de abrasileirar o cinema, apontando os americanismos de Medina.
Lembramos, por fim, de Luiz de Barros, que nasceu em 1893 e morreu em 1982, com 89 anos. Sua produção é extensa. Fez de tudo no cinema. Dirigiu cerca de 80 filmes, atravessando várias fases do cinema nacional. Seu primeiro filme, “A viuvinha”, data de 1914. Seguiram-se, até 1922, “Perdida” e “Vivo ou morto” (1916), “Zerotreze” e “Amor e boemia” (1918); “Alma sertaneja” e “Ubirajara” (1919); “Coração de gaúcho”, “Joia maldita” e “As aventuras de Gregório” (1920) e “O Rio Grande do Sul” (documentário de 1922).
Desenho de humor, quadrinhos, fotografia e cinema não receberam a devida atenção dos intelectuais que promoveram a Semana de Arte Moderna. Por quê? Certamente, eles liam revistas populares e frequentavam cinema. Em “A fotografia e o modernismo de 1922”, Carolina Soares sustenta que a fotografia e o cinema foram desprezados pelos intelectuais que organizaram a Semana. Essas técnicas eram vistas apenas como forma de registro. Será mesmo? Mário buscou fazer arte com a fotografia em suas viagens à Amazônia e ao Nordeste, como é mostrado no livro “Mário de Andrade fotógrafo e turista aprendiz” (São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 1993). Ele também escreveu esporadicamente sobre cinema. Esses comentários foram reunidos no livro com o título “No cinema” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010).
A questão parece ser outra. Primeiramente, os intelectuais de 1922 tinham atrás de si uma literatura e uma expressão nas artes plásticas bastante atrasadas se comparadas com o que se produzia na Europa. O parnasianismo criou um grande obstáculo à renovação nas letras. O simbolismo tentou superá-lo, mas sem abandonar as formas clássicas do metro e da rima. Nas artes plásticas, o Brasil alcançou, no máximo, o impressionismo. Daí a exposição de Anita Malfatti, em 1917, causar tanto escândalo.
Os modernistas carregavam o ranço de uma arte defasada. Era preciso, antes de tudo, lidar com esse passado. Por outro lado, os modernistas eram mesmo elitistas, assim como os pensadores da “Escola de Frankfurt”, para os quais a cultura de massa era uma expressão inferior da cultura. Mas atentemos para o que Mário de Andrade escreve sobre cinema enquanto arte: “O cinema realiza a vida no que esta apresenta de movimento e simultaneidade visual. Diferença-se por muito do teatro em cuja base está a observação subjetiva e a palavra. O cinema é mudo; e quanto mais prescindir da palavra escrita mais se confinará ao seu papel e aos seus meios de construção artística. Segue-se daí que tanto mais cinemática será a obra cinematográfica quanto mais se livrar da palavra que é grafia imóvel. As cenas, por si, devem possuir a clareza demonstrativa da ação; e esta, por si, revelar todas as minúcias dos caracteres e o dinamismo trágico do fato sem que o artista criador se sirva de palavras que esclareçam o espectador. A fita que, além da indicação inicial das personagens, não tivesse mais dizer elucidativo nenhum, seria eminentemente artística e, ao menos nesse sentido, uma obra-prima”. (“Cinema”, artigo publicado em Klaxon nº 6, 15/10/1922).
Na União Soviética, Dziga Vertov colocava em prática o cinema-olho, com estética bem semelhante à proposta por Mário.

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