Guilherme Belido escreve - Pau que bate em Chico, não bateu em Francisco
Guilherme Belido 05/08/2017 23:32 - Atualizado em 08/08/2017 13:45
Temer e Dilma
Temer e Dilma / Divulgação
A votação do meio da semana na Câmara dos Deputados, que livrou o presidente Michel Temer de ter que enfrentar no Supremo a denúncia por crime de corrupção passiva, abre tantas frentes de entendimentos, divididas entre prós e contras, que lembra o velho ditado de uma casa onde falta pão: todo mundo reclama, e ninguém tem razão.
Numa avaliação desprovida de contexto, em que se leva em conta tão somente a questão jurídico-legal, não tem discussão: porão do Jaburu, calada da noite, encontro fora da agenda, o tom da conversa grampeada, a figura do interlocutor... e por aí vai.
Entretanto, diria ‘a contragosto’, as circunstâncias pesam. E ainda que indecorosas e disformes, acabam descendo goela abaixo em nome de uma frágil perspectiva de recuperação econômica. O Brasil está envergonhado e constrangido. Sabe que precisou fazer vista grossa para não aprofundar a crise e aumentar infortúnio de 14 milhões de desempregados mergulhados em dificuldades; de famílias que sofrem sem hospital e remédio; e de brasileiros que estão passando frio e morrendo de fome.
Não que o Brasil esteja nos trilhos ou caminhando a passos largos rumo à prosperidade, – como disseminam nos corredores de Brasília os asseclas de Michel Temer. Entretanto, há de se reconhecer que um segundo processo de impeachment ou novas eleições para presidente bagunçaria o País que tenta, ainda que aos trancos e barrancos, se reorganizar, barrar a recessão que ainda se avizinha e voltar a pensar em avanço e emprego.
Por outro lado, não se pode desconsiderar que no Brasil o fato do dia, do momento, se coloca acima da lei e da justiça. Afinal se Dilma Rousseff foi afastada pelos crimes a ela imputados, o que dizer de Temer, na escabrosa denúncia de corrupção passiva, praticada em ambiente de porões?
Dois pesos, duas medidas
Sofrendo derrota acachapante na mesma Câmara que ‘absolveu’ Temer, o Brasil inteiro tem conhecimento que Dilma não perdeu o mandato pela edição de créditos suplementares e pedaladas fiscais, mas sim pelo conjunto da obra, explicitado nos abusos cometidos durante a campanha presidencial de 2014, no envolvimento do PT com o Petrolão, no vergonhoso Termo de Posse para transformar Lula da Silva em ministro e toda sequência que o País, de norte a sul, sabe de cor e salteado.
Indaga-se, entretanto, que em se levando em conta todos os malfeitos da ex-presidente e do PT-governo, se algum fato, isolado e agudamente, se mostra mais escandaloso do que a ‘conversa’ do presidente da República com o então investigado (para dizer o mínimo) Joesley Batista, que na penumbra de uma garagem confessa crimes tais como estar ‘segurando’ juiz; comprando procurador e pagando silêncio ao réu condenado Eduardo Cunha?
O que dizer, ainda, do indício pra lá de incriminador que salta revelador da frase “Tem que manter isso, viu?”. Isso, sem mencionar a notória proximidade entre Rodrigo Rocha Loures – correndo feito um ladrão nato (é difícil encontrar imagem que melhor expresse o pega ladrão) com uma mala de dinheiro que acabava de receber de propina – com o presidente. Enfim, ‘indícios’ que só ganhariam status de prova se o ex-deputado-fujão confessasse a ‘parceria’, mas que – vamos combinar, né? – estão na cara assustada, no tronco contorcido para conferir se ninguém o seguia e nos membros ágeis que seguravam a grana e corriam para o taxi da ‘fuga’.
Janot pode disparar 2ª denúncia
Num País sui-generis como o Brasil – seja para o bem, seja para o mal – tem “lei que cola”, como dizia Roberto Campos; e lei que não cola. Tem o ambiente, que acima da norma em vigor, costuma pautar ‘o quem’ e ‘o quando’, sobrepondo-se à regra estabelecida.
Há, ainda, o fator ‘onda’, que por mais absurdo que seja, dispõe quando os procedimentos legais devem ou não ser adotados: diz-se pegar ‘carona na onda favorável’, espécie de movimento que robustece ou esvazia iniciativas que absolutamente não deveriam depender de onda alguma. Mas, é como é; não como deveria ser.
Por esses dias, ainda no calor do resultado da Câmara, parece não haver ambiente para que o procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhe ao STF novas denúncias contra Michel Temer. Mas, não foi por acaso que ‘prendeu’ as denúncias de organização criminosa e obstrução de justiça, ambas em fase de investigação e, como diz o próprio Janot, uma mais adiantada que outra.
Sem pressa – Desde o início de julho, o procurador não escondia a possibilidade de que novas denúncias fossem apresentadas, independente do desfecho que a Câmara viesse a dar à de corrupção passiva.
Em suas próprias palavras... “O MP não tem pressa e nem retarda denúncia. Existem investigações em curso e se até o dia 15 de setembro, último dia útil do meu mandato, eu obtiver esse quadro definido [a denúncia], eu não posso deixar de fazer isso, sob pena de prevaricar (...)”.
São 40 dias pela frente, num cenário tortuoso e movediço, onde tudo muda do dia para noite, a cada nova delação e cada mochila de um milhão. É esperar!
Cenas de um Brasil feio
Um dia depois da Câmara barrar a denúncia contra o presidente Temer, o ministro do STF, Luis Roberto Barroso falou, sem citar nomes, em “país feio e desonesto que criamos”. As imagens falam por si. Quando ainda vice, Temer, em evento, ao lado de Joesley e usando o jatinho do dono da JBS, que ele “não sabia a quem pertencia”.
Risonho, acompanha a votação do impeachment de Dilma. Já presidente, com seus ministros Padilha e Moreira, investigados na Lava Jato. Ao lado de Rocha Loures, antes do deputado ser flagrado correndo com mala de dinheiro (imagem da câmera de segurança).
Em vídeo exaustivamente mostrado na TV, o depoimento de Joesley que chocou o Brasil. No auge do escândalo, Temer, em enfático pronunciamento: “Não renuncio”. Na mais recente cena, o empurra-empurra na Câmara durante a votação que o livrou da denúncia.
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