Precisamos Falar do Orçamento das Universidades Públicas
19/06/2020 22:34 - Atualizado em 19/06/2020 22:46
Universidade Federal Fluminense
Universidade Federal Fluminense
Políticas públicas baseadas em evidências. Estas cinco palavras são a melhor síntese daquilo que acredito ser o norte de todos que de alguma forma vierem a se debruçar sobre a coisa pública.
Especificamente no campo orçamentário, é conclusão necessária de qualquer análise, a qualquer nível federativo, em qualquer poder da República, que "folha de pagamento" representa o maior gasto público, cuja expansão resulta na asfixia de outros gastos, como despesas de capital (investimentos, obras, infraestrutura), e mesmo outras despesas correntes, principalmente assistência social.
Tal estados de coisas é especialmente grave durante uma pandemia, que acentua a escassez de recursos. A eficiência em sua alocação ganha especial valor, e se torna decisiva para evitar desastres e garantir o progresso social.
Nos orçamentos das Universidades Públicas não é diferente. Hoje, todas elas - acertadamente - suspenderam as atividades presenciais, mostrando grande responsabilidade e o valor da autonomia universitária.
Polêmica maior, no entanto, é gerada pela decisão predominante de manter as atividades de graduação e ensino suspensas. O ensino mediado por tecnologias remotas gera calorosos debates, e o padrão nas Universidades Públicas tem sido um debate mais emocional que racional, muito pautado pelas corporações, e caracterizado pela interdição da discussão que se propõe.
É importante vencer este tabu e trazer a evidência científica e os dados para o centro da discussão, afastando as paixões e os interesses de classe tanto quanto for possível.
Um estudo publicado por uma empresa americana de consultoria chamada Mckinsey & Company demonstrou que simplesmente suspender a educação formal indefinidamente tem um potencial, nos Estados Unidos da América, de aumentar gravemente a desigualdade social daquele país.
O estudo considera três cenários i) suspensão do ensino; ii) ensino remoto de qualidade média, iii) ensino remoto de baixa qualidade. O resultado é o intuitivo, sendo os alunos do primeiro cenário os que obtém progresso de aprendizagem, os do segundo cenário mantém a estagnação, e os do terceiro regridem. A pesquisa é muito bem comentada em português neste artigo da plataforma medium, onde também há o link para sua íntegra em inglês. 
Ao que tudo indica, os efeitos de aumento da desigualdade, sobretudo considerando a continuidade das aulas em instituições como PUC, IBMEC, FGV e cia, num país extremamente desigual como o nosso, será também devastador por aqui, mantidas as condições de temperatura e pressão.
O principal argumento sério contrário à implementação do ensino remoto, deixando um pouco de lado os jargões sindicalistas e corporativistas como "desmonte da educação pública", "ataque neoliberal e privatista às Universidades", "complô para precarização deliberada do serviço público e gratuito", é a falta de acesso por parte de alunos hipossuficientes financeiramente, às tecnologias necessárias para fruir deste modelo de ensino.
Por conta da já mencionada interdição ao debate, após três meses de suspensão das atividades, ainda não é possível estimar com clareza quantos e quem são os que compõem o grupo de alunos hipossuficientes e incapazes de fruir do ensino remoto.
Me permito opinar sobre o tema na condição de aluno, graduando, aflito e temeroso com esta situação, e possível indivíduo atingido pelo agravamento do fosso da desigualdade. Para alguns, principalmente os que vem das classes sociais mais baixas, o diploma é elemento essencial para mobilidade social, obtenção de emprego e renda. A competição com os pares de Universidades privadas fica desleal.
A mais intuitiva proposta é que a Universidade Pública financie, com recursos próprios, promovendo uma das vocações da Universidade Pública que é a assistência social visando a redução de desigualdades, as condições para que estes alunos hipossuficientes tenham os meios de fruir do ensino remoto.
Em resumo, fazer como fez a USP e simplesmente doar computadores e financiar conexões para estes alunos. Fica, então, a pergunta: De onde viriam estes recursos?
Após calorosas discussões sobre o tema com os resistentes colegas contrários ao ensino remoto, decidi analisar superficialmente (ou nem tanto assim) os orçamentos das Universidades Federais.
Fui ao "Education at a Glance" de 2019, relatório da OCDE sobre o ensino de primeiro, segundo e terceiro grau, e descobri que as Universidades públicas dos países da OCDE em média gastam 89% de seus orçamentos com despesas correntes.
Destes 89% com despesas correntes, 69% são gastos em com folha de pagamento (global, incluindo professores e não professores).
Isso significa que, em média, cerca de 60% do orçamento total das universidades dos países da OCDE é gasto com folha de pagamento.
Segundo reportagem do jornalista Itamar Mello, do jornal gaúcho Zero Hora, as Universidades Federais brasileiras gastam em média cerca de incríveis 90% dos seus orçamentos com folha de pagamento, 30% a mais do que a média da OCDE.
Na Universidade Federal Fluminense (onde estudo), por exemplo, foram gastos 2.1 bilhões de reais no ano de 2019 de acordo com o portal da transparência. Deste valor, cerca de 1.87 bilhões de reais foram gastos com folha de pagamento.
Segue exatamente a média de 90% de comprometimento com despesas de pessoal levantada pelo jornalista.
Embora eu não tenha em mãos o dado médio das Universidades Estaduais, o exemplo da Unicamp, que chegou a ter 102% de seu orçamento comprometido com folha de pagamento, indica que o cenário não é muito diferente.
Falar sobre isso na Universidade Pública é um tabu. A verdade é que o orçamento é uma guerra de interesses, e o interesse das corporações de funcionários públicos (que obviamente não deve ser ignorado) está sendo absolutamente hegemônico e sobrerrepresentado, capturando o orçamento, e sufocando outras demandas. Qual o limite?
Por fim, não deixa de ser estranho ser tratado como um pária entre autodenominados progressistas, por sugerir que o custeio com o pagamento de computadores e conexões para alunos hipossuficientes, com o objetivo de combater a desigualdade, isto é, assistência social, venha da redução do percentual destinado a este tipo de gasto.
Precisamos de bom senso, alteridade, ciência, dados e empatia.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Marco Alexandre Gonçalves

    [email protected]