Crítica de cinema: O dinheiro e os homens
*Felipe Fernandes 21/10/2019 18:15 - Atualizado em 26/10/2019 09:12
Divulgação
(A lavanderia)
— Steven Soderbergh é um cineasta peculiar. Tem uma das carreiras mais prolíficas de Hollywood. Sua filmografia é formada por filmes completamente diferentes em tom, formas e estilos. Confesso que, olhando de fora, parece ser um dos cineastas que mais se divertem no ofício.
Ele usa pseudônimos para atuar em diversas áreas, lança filmes com muita frequência, já reeditou um de seus filmes por prazer e, recentemente, voltou de uma prematura aposentadoria, que nunca se concretizou de fato.
Seu mais novo filme, “A lavanderia” (o segundo da parceria com a Netflix e que concorreu ao Leão de ouro em Veneza), é uma comédia que trata uma história real de forma bem humorada e lida com os absurdos de uma forma que fica difícil acreditar no que se vê em tela. Esse descrédito é fundamental para o tom que o cineasta imprime no filme.
O filme trata do escândalo de 2015 que ficou conhecido como “The Panama papers”, quando milhões de documentos de empresas offshore em paraísos fiscais foram levados a público, junto a identidade dos administradores e acionistas.
A princípio parece complexo de entender, mas Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns (parceiro recorrente do diretor) usam o humor e artifícios como a quebra da quarta parede para esclarecer ao máximo os detalhes mais burocráticos. Artifício já utilizado no bem sucedido “A grande aposta”, de 2015 (curiosamente, mesmo ano do escândalo aqui apresentado). Porém, aqui eles são mais visuais e um pouco menos verborrágicos, conseguindo resultados mais satisfatórios, mesmo que não tão elegantes.
O roteiro parte da introdução de dois narradores bem caricaturais, interpretados pelo oscarizado Gay Oldman e por Antônio Banderas, em um plano sequência interessante que faz um breve resumo da história da relação do homem com o dinheiro. O filme é todo dividido em capítulos que narram pequenas histórias que se interligam, progredindo para abranger as diversas facetas do escândalo.
Todos esses capítulos se interligam de alguma forma à história principal, que acompanha Ellen Martin (Meryl Streep) e seu marido, que fazem uma viagem para celebrar o aniversário de casamento. Mas, tudo termina em um trágico acidente de barco, onde ele morre, junto a outros 19 tripulantes. Sua luta pela indenização e a situação da companhia do barco junto à seguradora são o fio narrativo central do filme.
Com uma montagem dinâmica e inteligente, Soderbergh consegue um ritmo agradável, que mantém o filme sempre dinâmico. Mesmo tendo uma divisão em capítulos, o filme funciona como uma unidade, não deixando que cada história soe separada do contexto geral. Usando a metalinguagem para tornar um assunto chato em algo divertido, seus realizadores ainda fazem críticas sociais contundentes e pontuais (o Brasil e a Odebrecht chegam a ser mencionados), principalmente no terceiro ato.
O filme conta com um elenco recheado de grandes atores em pequenas participações. Só para citar os mais famosos: Meryl Streep, Gary Oldman, Antonio Banderas, Jeffrey Wright, James Cromwell, Sharon Stone e Robert Patrick. Apenas os três primeiros têm papéis de mais destaque. Mesmo assim, todos têm pouco tempo de tela, mas são fundamentais na construção do quadro geral.
“A lavanderia” é um filme divertido, que consegue tratar de um assunto sério de forma leve e didática, sem diminuir a gravidade das denúncias. Contando com bons diálogos e críticas que provocam reflexão, o novo trabalho de Soderbergh mostra que o diretor continua se divertindo em seu ofício, e que, enquanto essa diversão continuar, ainda teremos muitos de seus trabalhos pela frente.

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