Terreiros ameaçados em Campos
Daniela Abreu 01/06/2019 19:48 - Atualizado em 06/06/2019 15:11
Comunidades se sentem desprotegidas
Comunidades se sentem desprotegidas / Genilson Pessanha
O racismo religioso está pondo em risco a continuidade das religiões de matriz africanas em Campos. A denúncia vem do Fórum Municipal de Religiões Afro-brasileiras (Frab). Segundo o presidente do órgão, Gilberto Totinho, somente em Guarus, foram fechados seis terreiros na última semana. Na área central, nove foram invadidos e tiveram seus líderes ameaçados e mais de 20 terreiros, espalhados por todo município, estão submetidos a funcionar somente durante o dia. A imposição, viria de pessoas ligadas ao tráfico, que já teriam ordenado o fechamento de todas as casas Santa Rosa, Penha, Vila Manhães e Pecuária, até o final do ano. O Frab reclama da falta de órgãos de proteção e garantia de direitos. Há ainda uma página na internet que dissemina notícias falsas, aliando as atividades de terreiros a traficantes rivais às comunidades onde estão sediados, fomentando expulsão dos responsáveis, pelo tráfico.
O presidente do Frab, Gilberto Totinho explica que, em Campos, as comunidades de terreiro estão sem meios de defender seus direitos. Segundo ele, os ataques sempre existiram, mas, a partir de 2010 ficaram mais intensos, levando os líderes de terreiros a se reunirem, para a criação do Frab em 2014. Outro agravante é que, ao contrário do que ocorre em outros locais, em Campos, cerca de 90% dos terreiros, segundo ele, são nas casas de seus líderes. O fechamento desses espaços e expulsão de seus líderes implica na expulsão de famílias inteiras de suas casas.
— As invasões fundamentalistas radicais são fomentadas pelas bancadas partidárias e a ausência de representatividade nesses partidos põem as religiões de matriz africana a mercê do poder paralelo — disse Totinho.
Ainda segundo o presidente do Frab, em 2017, líderes religiosos que compõem o órgão foram, mas sem sucesso na conversa. Em 2018, foi enviado ofício solicitando Audiência Pública, mas ainda não houve resposta.
Além das ameaças e violências reais e físicas, as comunidades de terreiros também sofrem racismo religioso na esfera virtual. Um perfil no Facebook estaria passando falsas informações de que terreiros localizados em comunidades estariam recebendo traficantes de facções rivais a dos locais de origem. As fake news estariam fomentando as expulsões compulsórias. A denúncia foi encaminhada à Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), no Rio de Janeiro, por sugestão do, então delegado titular da 134ª Delegacia de Polícia do Centro, Geraldo Rangel.
Hoje a frente o 6º Departamento de Polícia de Área (DPA), Geraldo diz que a prática criminosa que vem ocorrendo com líderes de terreiro deve ser denunciada para gerar investigação e inquérito. “Eu não tenho conhecimento desses casos, mas eles devem procurar as respectivas delegacias, 134ª DP e 146ª DP para que os delegados instaurem os respectivos inquéritos para apurar associação ao tráfico, eventual crime de ameaça, injúria, preconceito. É difícil analisar sem saber os fatos, mas a Polícia Civil está aberta a recebê-los e instaurar o inquérito policial e apurar”, disse, lembrando ainda que o crime pode ser denunciado em qualquer delegacia e posteriormente será enviado para a circunscrição de origem.
Líderes religiosos violentados pelo racismo
Sem outra forma de protegerem a si mesmos e suas famílias, as comunidades tradicionais de terreiros estão interrompendo suas atividades e buscando outras formas de exercerem suas religiões.
— Hoje a nossa religião está muito massacrada. Eu fico muito triste de ter parado. Eu nasci dentro da umbanda, sou umbandista há 30 anos. Agora estou atendendo na minha casa, mas eu confio em Deus e nos meus orixás que eles vão me dar outro lugar pra eu dar continuação, porque eu não aceito isso que aconteceu — disse a mãe de santo que, por segurança não pode se identificar.
A forma como os bandidos agem para retirar as pessoas de seus locais e interromperem as atividades variam. “Eu saí da minha casa. Eles não fizeram nada comigo, mas pediram pra eu dar um tempo por que o chefe de lá não queria mais ‘macumba’, não queria mais tambor. Eles não me expulsaram mas eu fiquei com medo. Como a gente denuncia morando lá? Estou sem terreiro, uma coisa que eu lutei muito pra ter. Agora o que me resta é ter fé e esperança de consegui outro lugar,” disse.
No Rio de Janeiro, na última semana, mais de 100 terreiros foram fechados na Baixada Fluminense. Os casos, 20 em Duque de Caxias e 15 em Nova Iguaçu, 10 em São Gonçalo e 15 em Campos, estão sendo analisados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e investigados pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos De Intolerância (Decradi).
Até que algo seja feito, as comunidades de terreiros ficam impedidas de exercerem o seu direito de manifestação religiosa.
— Se a gente tem um decreto, de Rui Barbosa, que torna o estado de fato laico, olha quantas coisas já se passaram e esses direitos não foram garantidos. De fato, não é um direito — analisa Totinho.

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