Caderno especial: 41 anos da Folha da Manhã
08/01/2019 11:28 - Atualizado em 10/01/2019 16:10
Folha da Manhã
O Plano Real
Nos dias atuais, a estabilidade dos preços é um componente tão comum à economia brasileira, que se mostra difícil imaginar que a inflação chegou às portas dos 100% (governo José Sarney, março de 1989), apesar do “recorde histórico” oficial ser de ‘apenas’ 84,3% para o mesmo mês.
Melhor repetir porque quem está na faixa dos 30 anos pode achar que houve engano e tem um zero a mais. Não. A inflação anual, hoje abaixo de 4,5% (o pico nos últimos anos aconteceu em 2015, alcançando 10,67%, no ápice da recente crise econômica) beirou cem por cento ao mês no início de 89.
Para que se tenha um panorama mais claro, em 1989 o Brasil registrou a maior inflação anual de toda a história: 1.784,73%. (*Alguns institutos apontam percentuais ainda mais drásticos, como de 2.780,06% em 1993).
História da inflação — Do final da década de 50 para os primeiros anos 60, a inflação pulou de 12,4% para 50,1%. Em 1964 alcançou 89,9% e seguiu aumentando.
O regime militar, na esteira do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), trouxe a correção monetária, instituto que promovia reajustes automáticos de preços e salários, conhecido como indexação da economia. Não resolveu.
Ao longo do período militar, a inflação foi combatida por algumas das figuras mais expressivas do cenário econômico, entre elas, Roberto Campos, Octávio Bulhões, Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto. Mas o dragão inflacionário não foi vencido.
A Era Sarney foi a pior. Congelamento de preços, com o lançamento do Plano Cruzado; depois Cruzado Novo, Plano Bresser, Plano Verão e, por fim, o ‘legado’ da “década perdida”, com os maiores índices de inflação.
O governo Fernando Collor trouxe o desastroso Plano Collor, elaborado pela então ministra Zélia Cardoso de Mello, com o absurdo bloqueio das cadernetas de poupança e das contas correntes. O Plano Collor 2 foi outro fiasco, e o Brasil permaneceu refém do ciclo inflacionário que por mais de 30 anos corroeu os salários e emperrou a economia.
Estabilidade econômica — Na virada de 1993 para 94, já no governo Itamar Franco, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, anuncia o programa de estabilidade econômica, apelidado de Plano FHC, inicialmente criando a URV – precursora do Plano Real – que lançaria a nova moeda, o Real, finalmente vencendo a crônica questão da inflação no Brasil.
Após deixar o ministério para disputar a sucessão presidencial, a pasta da fazenda foi ocupada por Rubens Recupero e, depois, por Ciro Gomes.
Numa conquista histórica, que mudou o curso econômico do País e por isso merece grande destaque, nos anos seguintes a inflação baixou exponencialmente. Recuou para 14,7% em 1995; 9,3% em 1996; 7,4% em 1997; 1,7% em 1998, e por aí adiante.
Os Royalties
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É pouco recomendável que se faça comparações da qualidade e da eficiência dos processos de produção, distribuição e utilização de uma determinada época, com outra bem distante. Fácil compreender: o transcurso dos anos impõe características tão distintas que não se pode confrontar ‘coisas’ do mesmo gênero sem levar em conta as diferenças impostas pelas circunstâncias de cada tempo.
Por outro lado, em se tratando da economia do município, é pertinente inferir que nenhuma outra época nos foi tão generosamente favorável como a Era dos royalties, fruto que viria a surgir duas décadas depois da descoberta de uma das maiores áreas de exploração de petróleo do Brasil e da fundação da Bacia de Campos, em 1977.
Se nos primeiros anos a produção comercial de petróleo não trouxe maior benefício financeiro, nos fins dos anos 1990, com a quebra do monopólio estatal na exploração e produção, Campos virou a chave para uma realidade econômico-financeira não vista em qualquer outro período desde a emancipação política, em 1835, ou antes dela, nos tempos de Vila.
Era a hora de retomar os anos dourados que percorreram todo o período colonial, chegaram ao século XX (época em que os ricos engenhos de açúcar começaram a ser transformados em modernas unidades açucareiras), e reverter o quadro de declínio quando a monocultura e a falta de investimentos cobraram seus respectivos preços. Digamos que naquilo que o município era forte, residia, também, sua fraqueza: contar, quase que exclusivamente, com o setor açucareiro.
Repasses — Voltando aos royalties, a partir de 1999, enquanto o petróleo jorrava dos campos de exploração, o dinheiro entrava em enxurrada nos cofres do município, através dos repasses da Agência Nacional de Petróleo, via royalties e participações especiais.
Nos anos 2000 os recursos chegaram numa crescente extraordinária e Campos entrou para a categoria de município milionário. Mesmo com as oscilações mais recentes, nos últimos 20 anos a cidade recebeu cerca de R$ 25 bilhões de reais – o que deveria ter representado algo sobremaneira transformador. Mas não foi o que se viu.
Quanto ao porquê – as razões e motivos – não é assunto que caiba ser tratado por este Caderno Especial de Aniversário.
Frustração
Como já mencionado, não reflete exagero considerar os anos dos royalties – período que ainda estamos vivendo – como único e excepcional para alavancar a economia e mudar a história do município. Agora, se não mudou, são outros quinhentos. Ou, melhor dizendo, são outros bilhões.
O dinheiro chegou. Se na prática não realizou o que tinha por obrigação realizar, não retira do gigantesco volume de recursos a importância econômico-financeira sem precedentes em nossa história.
Os elevados repasses como compensação pelo impacto ambiental e por se estar tirando hoje uma riqueza com a qual não contarão as futuras gerações, deveria ter viabilizado uma mega-infraestrura correspondente ao montante recebido, – o que certamente abriria portas para grandes investimentos.
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Paralelamente, Campos precisaria ter criado um fundo considerável, espécie de reserva financeira, que possibilitasse ao município realizar seus próprios investimentos e se manter capitalizado para aproveitar as oportunidades que surgissem a médio e longo prazos.
Mas enfim, a não ser por realizações isoladas – uma ou outra iniciativa que, com muito boa vontade, pode se levar em conta – o dinheiro dos royalties nem de longe fomentou a fase expansionista que se projetava sem igual.
Pior, nem mesmo os bolsões de pobreza foram eliminados. Basta ir à periferia para constatar a falta de saneamento básico e o esgoto a céu aberto. Ruas sem calçamento, intransitáveis em épocas de chuvas e que sofrem com frequentes inundações. Lixo, mato e falta de iluminação.
Quase tudo como há 30 anos – aliás, bem pior, face ao aumento da população nos bairros distantes.
Quadro desolador que o dinheiro dos royalties deveria ter riscado do mapa. Mas, ao contrário, nem para oferecer um mínimo de qualidade de vida às comunidades carentes os robustos repasses da ANP foram direcionados.
Faltou gestão — Diante do colapso no setor açucareiro, o executivo local poderia ter destinado uma fatia dos royalties e municipalizar uma das muitas usinas fechadas de Campos, alguma abandonadas, numa composição que envolveria os proprietários, funcionários e credores.
Não seria tarefa fácil, mas equacionando o débito e restaurando a parte industrial, a iniciativa traria enorme vantagem para a economia do município, além de resgatar a localidade que passaria a ter vida própria, com os moradores voltando a ocupar as casas e, num processo natural, viriam, também, o posto de saúde, a farmácia, a barbearia, a feira, a antiga venda (secos e molhados) a lanchonete, etc.
Todos ganhariam: União e estado, que receberiam os impostos atrasados; os trabalhadores, as indenizações devidas e o emprego de volta; os pequenos comerciantes do lugarejo e os proprietários da indústria. Mas, nada disso foi feito e agora não dá mais.
Registre-se, a distorção não se viu apenas em Campos, mas também nos demais municípios do Rio de Janeiro beneficiados pelos royalties.
Folha — Através de editoriais, artigos e matérias, a Folha da Manhã foi o jornal do Estado do Rio que mais tratou do assunto, com enfáticas cobranças acerca da utilização do recurso.
Indo além, encabeçou verdadeiros debates, liderando campanhas junto a entidades, órgãos de classe e à sociedade campista em geral, para que aos royalties fosse dado aproveitamento compatível com a expectativa do município.
O Globo denunciou — Na edição de 24 de setembro de 2000, O Globo estampava em manchete de capa que “Governos esbanjam dinheiro do petróleo”.
A matéria deu início a uma série feita pelas repórteres Ramona Ordoñez e Mirelle de França, que citava Campos, Macaé e Rio das Ostras como “alguns municípios que recebem mais royalties”. Um dos textos alertava sobre “gastos a rodo, sem critério, em obras cosméticas”.
Afirmava, ainda, que “...a maioria dos recursos estava sendo usada para obras de ‘maquiagem’, como no asfalto de algumas ruas, embelezamento de praças e até colocação de porcelanato no calçadão da praia de Rio das Ostras. Mas andando um pouco pelo interior do município o que a gente descobriu foi esgoto a céu aberto, problemas de favelização, falta de postos de saúde, escolas com muitas carências” – descrevia a jornalista Ramona.
Num olhar otimista, Campos ainda poderá dar aos recursos destinação à altura, mas a possibilidade de redistribuição dos royalties é um fantasma que nos assombra.

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