Violência na escola em debate
Matheus Berriel 29/09/2018 16:40 - Atualizado em 01/10/2018 17:08
Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos, foi humilhado por um estudante de uma escola municipal, em Rio das Ostras
Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos, foi humilhado por um estudante de uma escola municipal, em Rio das Ostras / Reprodução de vídeo
Cada vez mais, os professores vêm perdendo autoridade nas escolas. Dois casos recentes de agressões sofridas por docentes tiveram repercussão nacional, ambos na Região dos Lagos. No último dia 18, o professor Thiago dos Santos Conceição, de 31 anos, foi humilhado por um estudante do 9º ano do ensino fundamental, no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Municipal Mestre Marçal, em Rio das Ostras. Uma semana depois, uma professora do Ensino Fundamental II foi agredida por uma mãe de aluna na Escola Municipal Professora Talita Hernandes Perelló, em Cabo Frio. Os casos levam os profissionais da educação a debaterem o problema.
Segundo a psicopedagoga Bianca Acampora, a violência é um problema que não pode ser resolvido exclusivamente dentro da escola.
— O respeito começa em casa. O aluno já vai para a sala de aula levando valores, crenças, o respeito ou a falta dele. E o professor acaba, de certa forma, ficando refém. Toda relação de aprendizagem envolve os dois lados. É necessário que haja respeito em uma via de mão dupla. O professor precisa respeitar o aluno, mas o aluno também precisa respeitar o professor.
Natural do Rio de Janeiro e atualmente residente em Campos, Bianca acrescenta ainda que o aliciamento do tráfico é um fator que exige olhar especial. “Os alunos ficam desmotivados a estudar, porque alguns já têm envolvimento com o tráfico. Essas são as situações mais desafiadoras no âmbito escolar. A gente também tem que tratar a questão da droga na assistência social, junto à saúde e educação, para ter um bom resultado”, avalia.
Em casos de desrespeito de alunos com professores, a orientação é para que o docente tente resolver com uma conversa séria. “Não precisa sair do eixo, gritar para obter respeito”, diz a psicopedagoga. Se a tentativa falhar, a direção deve ser chamada para amenizar o problema. O mais importante acompanhar dos alunos potencialmente violentos, buscando evitar maiores problemas futuramente. “Tem como fazer um acompanhamento individual, chamar os pais para conversarem junto. Se forem adolescentes, dá para fazer grupos com o psicólogo, um assistente social. Os profissionais vão fazer um acompanhamento do aluno junto à família. E também para o professor, que fica com a saúde abalada de alguma forma. Esse trabalho é necessário para que a coisa não vire uma bola de neve a ponto de chegar numa agressão física. A gente acredita no ser humano. Como psicopedagogos, sempre buscamos que a criança ou o adolescente reflita sobre suas ações, recupere a sua moralidade, seu respeito”, completa.
Odisséia Carvalho repudiou atos violentos e citou fatores que contribuem com situação
Odisséia Carvalho repudiou atos violentos e citou fatores que contribuem com situação / Reprodução de vídeo
A coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) em Campos, Odisséia Carvalho, repudiou os atos violentos e citou fatores que colaboram para casos do tipo, como superlotação de salas e número baixo de professores e inspetores em algumas unidades.
— A escola reproduz a violência que está dentro da sociedade. Passamos por um momento muito ruim em todo o país. A escola acaba não tendo uma estrutura mínima para a gente desenvolver um bom trabalho. O professor é muito sozinho dentro da sala de aula. Não existe apoio. O governo precisa investir na educação, ou seja, investir na melhor qualidade de ensino, na infraestrutura e em recursos humanos.
Drama de docente teve repercussão nacional
O caso de Rio das Ostras ganhou repercussão após um vídeo ter viralizado nas redes sociais. Durante aplicação de uma prova, vários abusos foram cometidos por um grupo de alunos. Um deles obrigou o professor a deixar a porta da sala aberta. Outro respondeu a prova com xingamentos e frases irônicas, antes de entregá-la amassada ao professor. A prova de um dos alunos foi rasgada por um colega. Em determinado momento, um dos estudantes quebrou o quadro. Até uma pochete foi arremessada em direção ao docente. Ao perguntar se havia intenção de acertá-lo, ouviu: “Queria, agora ‘peraí’ que agora vou acertar”.
Em entrevistas, o professor contou que, antes da humilhação deste mês, já havia sido ameaçado de morte em sala. Thiago, que mora em Itaboraí, lecionava na turma há seis meses, sempre tentando ser pacífico. Porém, chegou ao seu limite e pediu afastamento.
Já no caso de Cabo Frio, a mãe de uma estudante de 13 anos agrediu a professora devido a supostas humilhações que a filha estaria sofrendo. Ela teria “perdido a cabeça” durante uma conversa em que tirava satisfações e teria sido chamada de “desequilibrada” pela professora.
Outros dois casos ocorridos em escolas brasileiras também chamaram a atenção na última semana, apesar de não terem sido praticados diretamente contra professores. Na tarde da última quinta-feira (27), três alunos quase causaram uma tragédia ao colocarem fogo em um pedaço de papel, no Colégio Municipal Senador Teotônio Vilella, em Itaguaí, Região Metropolitana do Rio. Uma das cadeiras da sala de aula foi destruída pela chama. Situação mais grave aconteceu no Colégio Estadual João Manoel Mondrone, em Medianeira, no Paraná. Na manhã de sexta (28), um estudante de 15 anos, que estaria sofrendo bullying recentemente, atirou contra colegas de classe. Ao menos dois ficaram feridos, um deles, também de 15 anos, em estado grave, pois foi baleado nas costas. O outro, de 18, foi atingido de raspão em uma das pernas. Além do responsável pelos disparos, a polícia apreendeu outro adolescente da mesma idade, que estaria dando cobertura. A dupla tinha um revólver de calibre 22, munição e uma faca.
Ações, projetos e medidas preventivas
Questionado sobre a existência de projetos que incentivem o respeito dos alunos para com os professores, o Ministério da Educação (MEC) alegou que “os Estados e Municípios são autônomos e principais responsáveis pela educação básica no Brasil, segundo a Constituição Federal. Qualquer trabalho neste âmbito precisa partir localmente”. A secretaria estadual de Educação não se manifestou sobre o tema. Já a secretaria municipal de Educação, Cultura e Esportes (Smece) de Campos informou que tem desenvolvido ações com o objetivo de fortalecer vínculos e resgatar valores. Entre os projetos, estão o Construindo Valores nas Escolas, dentro do Programa Saúde na Escola (PSE), e o Gentileza, pretende humanizar relações através de atividades pedagógicas.
De acordo com a coordenadora do PSE, Cátia Mello, o Construindo Valores nas Escolas objetiva reaver nos alunos os valores do respeito, amor, paz, convivência, colaboração, honestidade, responsabilidade, solidariedade, humildade, preservação ao ambiente e patrimônio público. O Projeto Gentileza, por sua vez, realiza dinâmicas nas unidades de ensino. Já foram contempladas as escolas municipais Ferroviário Jacy, no Parque Tamandaré, Wilmar Cava Barros, no Jóquei, e Maria Lúcia, no Turfe Clube. Na próxima semana, será a vez do Ciep Arnaldo Rosa Viana, no Parque Aurora.
— Estamos atentos e tomando medidas preventivas para garantir que valores sejam preservados. Uma vez por semana, iremos em várias unidades escolares e, uma vez por mês, em escolas do interior levando essa ação — disse o secretário da pasta, Brand Arenari.

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