Crítica de cinema - Monoteísmo, humanidade e natureza
Edgar Vianna de Andrade 25/09/2017 17:00 - Atualizado em 02/10/2017 13:54
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Atriz Jennifer Lawrence em cena de ENTITY_quot_ENTITYMãeENTITY_quot_ENTITY / Divulgação
(Mãe) - Darren Aronowski, roteirista e diretor de “Mãe”, revelou em recente entrevista que está encontrando dificuldade em compreender um mundo cada vez mais confuso. Ele não é o único. Muitos intelectuais acabam se revelando confusos ao tentar formular diagnósticos e terapias para a realidade de um mundo globalizado que parece caminhar por conta própria, que é refratário a qualquer interpretação e caminho. No máximo, o que se pode fazer é tentar compreendê-lo. Nunca apontar caminhos, já que ele segue o seu próprio.
Aronowski tenta apenas um diagnóstico, mesmo assim confuso, sobre a confusão. Os críticos do filme também parecem confusos ou incapazes de análise. Houve um que chegou a comparar “Mãe” ao “O bebê de Rosemary”. A comparação não tem o mínimo cabimento. Aronowski fala de Deus, não do diabo. O filme é metafórico do princípio ao fim.
Numa casa de campo destruída por um incêndio (talvez o dilúvio), vive um casal solitário. Ele (Javier Bardem) é poeta. Ela (Jennifer Lawrence) reconstrói a casa aos poucos. Certo dia, bate à porta um médico (Ed Harris). Atrás dele, vem sua mulher (Michelle Pfeiffer). Ambos são hospedados pelo dono da casa, o que parece algo muito estranho para sua esposa. Num passeio campestre, o médico revela sua admiração pelo poeta que vive uma crise de criatividade. Logo, seus dois filhos também invadem a casa e brigam por conta de herança. Um deles mata o irmão. A crítica entendeu que se tratava de uma representação de Abel e Caim. As condolências são apresentadas na residência do casal. Chegam várias pessoas que, aos poucos, transformam o luto numa festa, com cigarros, comidas, bebidas e sexo. A jovem dona sempre estranha e defende a casa dos vândalos.
Mas todos se vão e ela fica, enfim, grávida. O poeta sai de sua crise de criatividade e escreve um belo poema, logo editado e muito vendido. Sua casa é cercada por seus admiradores. Há gente de toda espécie. Seitas religiosas, tribos urbanas, gangues violentas, policiais. A casa se transforma num campo de batalha. Apesar de tudo, o poeta regozija a veneração que lhe dedicam. Todo o seu narcisismo vem à tona. Mas ele não exerce mais controle sobre a multidão enfurecida e violenta que arranca pedaços da casa como relíquias. No refúgio do quarto, o casal consegue um momento de solidão para que a mulher dê à luz o seu filho. Ela não permite que seu marido toque no menino. Mas basta um simples cochilo para que o marido arranca o filho da mãe e o apresente à multidão fanática. Passando de mão em mão, a criança é esquartejada e canibalizada por todos.
Desesperada, a mãe refugia-se no porão da casa e a detona. Mas ela e o marido não morrem. Ela sai muito ferida. Ele fica ileso e arranca o amor da esposa, que morre. Tudo será recomeçado com outra mulher. Estamos no cruzamento de dois mitos. A mãe é Gaia, a Terra, vilipendiada por todos. Ela tenta manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio dinâmico do planeta. O pai revela seu nome no final: “Sou o que sou”, como Deus se apresentou a Moisés no monte Sinai.
A confusão de Aronowski fica clara no fim. Ele atribui à tradição judaico-cristã a confusão do mundo — uma espécie de Sodoma e Gomorra — e a destruição da Mãe Terra. Ele não considera que a confusão e a destruição decorrem da economia de mercado, hoje globalizada, que usou o cristianismo para dominar o mundo. Hoje, todas as religiões caíram na sua malha. As religiões orientais oferecem apenas sorte e prosperidade, além de terem igualmente se tornado intolerantes. A leitura do mundo é mais complexa que a de Aronowski. Pelo menos, ele não apresentou o caminho de salvação.

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