A vida – essa rotina cíclica dividida por pausas pontuais com tempo marcado – é um clichê por si só. Sendo que a clicherização não passa de uma ênfase dada a algo incrivelmente idiota ou mesmo a algo curiosamente relevante, que, por isso, se repete.
Mas tem sempre um sujeito que, ao comentar um filme ou uma obra de arte, vai dizer, envolvido em sua empáfia: achei muito clichê – o que, convenhamos, é um comentário bem clichê.
E é por isso que, apesar de me esforçar, não entendo o que essas pessoas têm contra o clichê. Talvez seja um desejo insaciável de serem surpreendidas, o que, por si, já acaba com qualquer surpresa. Ou mesmo uma necessidade de ver coisas completamente originais que, mal sabem, são paráfrases bem feitas de algo batido há muito tempo.
A dica, de pronto, para viver sem clichês é parar de dar atenção ao mundo ao redor. Penso que o mundo é uma eterna – e cíclica – novidade aos desatentos, que sempre perdem um detalhe e podem ser pegos de súbito por uma nuance óbvia que passou enquanto se mexe no celular.
Por outro lado, a repetição das mesmas coisas pode ter uma utilidade nostálgica de retomar certo sentimento que ilustrou deliciosamente uma parte da vida. Por isso, repetir – e valorizar o clichê – tem o seu valor para reviver com novos significados.
Aos extremamente atentos e presunçosos por isso, vale sempre ponderar: talvez o clichê que você critica seja sua própria vida passando regular e serena enquanto você exige novidades da ficção.
*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
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Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.