Como (não) disfarçar a realidade
Ronaldo Junior - Atualizado em 11/06/2022 10:42
Fonte: Pixabay
 
A casa está pegando fogo. Um incêndio. Fumaça, labaredas, um calor absurdo espalhado ao redor, algo factualmente aferível.

Mas ele não acreditava. Sentado na sala, sequer era capaz de se incomodar com a fumaça e o calor insuportáveis. Estava, é claro, em seus últimos minutos, mas insistia em crer que não havia fogo, fazendo valer sua teimosa opinião até o fim.

Não chamaria socorro, uma vez que não acreditava no que vivia. A realidade palpável dependia de sua interpretação para acontecer, prevalecendo sua opinião sobre o mundo ao redor.

Parece absurdo, mas o mesmo ocorreu com a COVID, com a vacina, com a terra plana e com tantos outros temas que são reduzidos a assuntos de ordem opinativa.

Fica a critério, porém, de quem presencia o absurdo julgá-lo como tal. Mas o que se faz ainda mais incongruente nisso tudo é pensar que a negação da realidade pode ter um propósito muito bem articulado.

Exemplos importantes contornam as jogadas de marketing das eleições presidenciais deste ano: a constante negação da segurança das urnas eletrônicas e o despautério da negação das pesquisas de intenção de voto - que dão a vitória para o candidato da oposição - são dois emblemáticos casos de rejeição da realidade.

O primeiro caso a gente já sabe o porquê: negar a segurança das urnas é apenas uma prévia do queixume - leia-se chilique - de uma possível derrota.

O segundo caso não é tão grave para a democracia brasileira, mas sim para a sanidade mental: eleitores fanáticos atacaram, nesta semana, a XP Investimentos em razão da pesquisa encomendada ao Instituto Ipespe. Nenhuma novidade nos números divulgados: a diferença entre o primeiro e o segundo candidatos era significativa, e a pesquisa, diante dos protestos, foi anulada.

A sede por negar a realidade é tanta que os transgressores da existência tendem a evidenciá-la nos atos grotescos de quem não se localizou na tragédia brasileira dos últimos anos.

A melhor parte, pensando no segundo caso, é que a casa - diz a pesquisa - está pegando fogo e vai ruir em breve. Só não vê quem permanece dentro dela.


*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.