Desmascarar
Ronaldo Junior 26/03/2022 14:00 - Atualizado em 03/04/2022 01:02
Fonte: Pixabay
Por trás do pano, a vaga lembrança de quando o costume era manifestar as emoções com traços faciais e dizer, muito além da fala e dos gestos corporais, um sem número de coisas – do deboche ao consentimento.

A pandemia tirou muito de nós, ceifando vidas e oprimindo liberdades, o que se apresenta não apenas com o isolamento social, mas também com a necessidade do uso de máscaras, que acaba isolando as pessoas em si próprias, ocultadas por seus paninhos de nariz e boca.

Este texto, claro, fala de quem usa máscaras. Quem não usa – nem agora nem antes – já é absolutamente descrente da gravidade da doença e do momento pandêmico.

Como muitas outras pessoas, ainda mantenho o costume de usar máscara – sobretudo em lugares fechados - por não sentir essa segurança plena que estão pregando por aí. Mas admito, claro, que sinto a diferença dos tempos e percebo que vivemos um novo momento de transição.

Nada disso de “novo normal” ou qualquer outra nomeação pasteurizada. Acredito que esse negócio de normal já é discutível por si só, mas não é o foco daqui. Fico com o fato de que certos hábitos acabam sendo mais fortes do que as exigências da rotina, não estando necessariamente aptos a ser banidos de forma abrupta.

As incômodas máscaras são um deles. Fazem parte de uma rotina cristalizada – da qual queremos, acredito, nos livrar enervadamente – que gerou uma série de dificuldades e comodismos muito próprios.

As dificuldades eu nem preciso mencionar – cada um tem a sua. Mas, entre os comodismos, decerto está a possibilidade de ocultar as emoções ao se esconder atrás do paninho com elásticos, seja para murmurar, cantarolar ou rir de alguém, a máscara guarda a função de ocultar muito do que somos e fazemos.

Numa sociedade em que as pessoas se pautam em se mostrar fortes e maduras a todo tempo, esconder suas fraquezas e feições pode ser um ganho para alguns, que guardam desde a infância a reforçada ideia de que chorar, por exemplo, é sinal de embaraço e fragilidade.

Isso fala muito sobre nós, o que desemboca no fato de que a ocultação de parte considerável da face tem um significado próprio nas relações sociais, na forma como falamos uns com os outros pelas expressões não verbais e, sobretudo, na forma como expressamos o que sentimos.

Numa época em que o sentir se resume a um story ou a um número delimitado de caracteres – que acabam por ocultar a realidade da mão que posta e nem sempre sente o que representa -, tirar máscaras é se despir em público, expondo além do que se pretende, desocultando a privacidade que se queria guardar.

Para além da doença que tirou vidas e quebrou rotinas, se mascarar tem um fundo simbólico profundo, que leva ao questionamento interno: estamos prontos, enquanto sociedade, para nos livrarmos das tantas máscaras que acumulamos ao longo desses últimos anos, expondo francamente quem somos e o que sentimos dentro do caos social em que vivemos?
 
*Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.