Família decide recolher tesouro abandonado há anos no Solar dos Airizes
Edmundo Siqueira 04/06/2022 14:43 - Atualizado em 04/06/2022 15:59
João Pimentel - Campos dos Goytacazes em Fotos
De acordo com a lei, é possível que o descobridor de um tesouro seja seu dono. Mas é preciso respeitar quatro requisitos: o tesouro ser antigo, estar escondido, o dono ser desconhecido e o descobridor ter encontrado sem querer.
Dentro do Solar dos Airizes há um tesouro. Ele é antigo e está escondido, mas não atende aos outros requisitos. Fui apresentado a ele, por uma fonte, há pouco tempo. Não foi “sem querer”; acompanho a situação do Solar de perto. Além disso ele tem ao menos dois donos. Conto mais sobre isso ao final.
O “casarão da escrava Isaura”, ou “casa dos Lamegos”, ou "Solar da Fazenda Airizes", localizado na BR-356 (Campos x Atafona), é um bem de alto valor histórico e cultural — não apenas arquitetônico. Tem tombamento federal, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) (confira aqui). Apesar disso, está em estado de total abandono há pelo menos uma década.
João Pimentel - Campos dos Goytacazes em Fotos
Além de todas as lendas que acompanham o Solar, mantê-lo de pé significa possibilitar aos campistas — e fluminenses — conhecer os processos de formação da região, o papel das grandes fazendas e a problematização necessária do abuso de pessoas escravizadas. Mas, por que o restauro não é feito? Por que a família abandonou? A prefeitura tem alguma coisa a ver com isso? Que tesouro é esse? Explico.
Um tesouro encontrado — e perdido
A justiça já fez a parte dela no Airizes (confira aqui). A decisão judicial tem trânsito em julgado, não cabem recursos, e determina que a prefeitura restaure o Solar imediatamente e lhe confira uso. Sim, falta a execução da sentença, mas é justificável, em algum sentido, pela onerosidade e complexidade da obra. E ainda pela necessidade de acompanhamento do Iphan em todas as etapas, órgão que foi sucateado no governo Bolsonaro.
Porém, o judiciário cita que a prefeitura não pode "esquivar-se da obrigação em decorrência de suposta impossibilidade financeira". 
A família Lamego, fiel depositária do Solar e suas terras, foi parte do processo judicial figurando no polo ativo. E alegou hipossuficiência para restaurar o prédio; o que foi acatado pelo judiciário. Mas além dos bens imóveis, existe um sem número de itens do acervo documental histórico, iconográfico e artístico que Lamego pai e Lamego Filho acumularam em anos de pesquisa.
Vale lembrar que Alberto Ribeiro Lamego é autor das obras “O Homem e o Meio Ambiente", onde descreve sobre a geologia e a história do estado do Rio de Janeiro, "O Homem e o Brejo", "O Homem e a Restinga", "O Homem e a Guanabara" e "O Homem e a Serra". Todas referências em sua área de conhecimento científico.
Museu Antônio Parreiras - Niterói
Mas voltemos ao tesouro. O que o Solar dos Airizes ainda abriga, resistindo há décadas de deterioração, são vários documentos, alguns manuscritos, de várias partes do mundo, com dados, referências e mapas da região. Tesouro que, apesar de ter sido apresentado a ele já em estado deplorável, é possível perceber a riqueza do material. Tentei salvá-lo:
Assim que tive conhecimento do acervo abandonado, comecei a buscar maneiras de torná-lo público, e encaminhar ao Arquivo Municipal para tratamento, digitalização e para que fosse permitida, assim, a acessibilidade, pois entendo ser um registro importante da história campista. O Arquivo possui laboratório para restauro (um dos melhores do estado), equipe de alta capacidade e dedicação.
A prefeitura e os Lamegos
Para esse encaminhamento, procurei o vice-prefeito, Frederico Paes, homem púbico de grande sensibilidade nesses temas, e pedi, via ofício, para que intervisse. Assim ele o fez, encaminhando para a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (Fcjol).
No mesmo dia, fui informado pela presidente Auxiliadora Freitas que as tratativas para recuperação dos documentos já estavam em andamento com os herdeiros e que, em princípio, estariam contra a doação à prefeitura.
O prédio do Solar, e seu entorno, são tombados pelo Estado brasileiro. Confirmando, portanto seu alto valor histórico e cultural. Além disso, decisão judicial de um tribunal, que não cabe mais recursos, determina que a prefeitura de Campos seja a responsável pelo patrimônio. O Solar é tão significativo que possui mais de um “dono”.
Porém, em relação ao acervo, o próprio tombamento permite que os “itens soltos”, ou os bens móveis em seu interior fossem de posse e responsabilidade da família Lamego. Por meio do Ofício nº 1.448/15, de 30/12/2015, o Iphan solicitou ao senhor Nelson Lamego que fizesse a “pesquisa histórica, arrolamento do mobiliário e dos bens móveis e integrados”. Isso em 2016.
Conversei com um representante da família ainda ontem (3). Ele disse que a “posição da família é facilitar todo processo”, mas que, “no momento”, não cederia esse acervo . E diz que estaria disposto a cooperar caso o “município se disponha, de fato, a cumprir suas obrigações”. Lembra também que “até agora nada de concreto foi feito”.
Propriedade e interesses à parte, não seria possível para um particular recolher o material e trata-lo como se deve. Apenas uma instituição arquivística de qualidade teria essa capacidade. E Campos possui essa instituição e ela está pronta para salvar esse tesouro abandonado. Mesmo que continuem de propriedade da família. Mas é preciso permitir o compartilhamento do conhecimento e da história. Perdido, eles valem nada. 

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