Cinema - O fim da era Craig
Felipe Fernandes - Atualizado em 04/10/2021 16:36
Lançado em 2006, Cassino Royale foi o primeiro filme do ator Daniel Craig como o espião mais famoso do cinema e trouxe uma proposta diferente. Funcionando como um reboot, fomos apresentados ao agente no início da carreira, conseguindo sua licença para matar, com uma pegada mais realista que buscou humanizar o personagem.
Passados 15 anos e quatro filmes, “007: Sem tempo para morrer” é a despedida de Daniel Craig do icônico personagem e, ao que tudo indica, dessa abordagem que começou com o ator. O longa-metragem busca fechar todas as pontas deixadas desde o filme de 2006, que, diferente do geral da franquia, trouxe histórias que se conectam direta e indiretamente e explorou as origens do personagem como nunca antes.
Na trama, Bond (Daniel Craig) vive tranquilamente após abandonar o serviço secreto, até que seu amigo Felix Leiter (Jeffrey Wright) pede sua ajuda em uma missão para resgatar um cientista desaparecido, situação que vai levar o agente a uma trama cheia de segredos e traições, que vai resgatar inimigos do passado em uma corrida atrás de uma arma de destruição em massa que põe em risco a vida de milhões de pessoas.
O filme começa com Bond e Madeleine (Leá Seydoux) curtindo a aposentadoria do agente, mas ambos escondem segredos que precisam ser superados. E é justamente esse passado que vai pôr em risco a relação e a vida dos dois. Não por acaso, a cena pré-crédito é dividida em duas, com cada uma tendo um dos personagens como protagonista.
O roteiro escrito pela dupla habitual Neal Purvis e Robert Wade, tendo aqui a ajuda do diretor Cary Joji Fukunaga e da premiada roteirista e atriz (indicada por Craig) Phoebe Waller-Bridge, tem a missão de contar uma nova história, e ao mesmo tempo a de fechar todas as pontas da era Craig, dividindo o filme em três atos com propósitos diferentes. Esse excesso de questões para abordar é o maior problema do filme e justifica a sua longa duração.
Trazendo a busca por uma arma de destruição em massa como evento motivador, essa situação reúne velhos inimigos e aliados, ao mesmo tempo em que insere novos personagens, trazendo até mesmo uma nova agente 007, interpretada com intensidade por Lashana Lynch. Uma decisão corajosa, que mostra como os produtores entendem que a série precisa constantemente se modernizar sem perder a sua essência.
A sequência em Cuba é muito boa, mas é ali que o roteiro começa a indicar os seus problemas. Com decisões questionáveis que, muito convenientemente, resolvem o problema da Spectre, o filme fecha o primeiro ato de forma emotiva e dramaticamente intensa.
Desenvolvendo a trama e a relação de Bond com seus parceiros de MI6, o segundo ato freia a ação, buscando a tensão por meios dramáticos, enquanto introduz o vilão Lyutsifer Safin (Rami Malek), toma novas escolhas corajosas e transita entre as histórias. Olhando a grosso modo, são praticamente dois filmes distintos em um único longa.
Se falta ação no segundo ato, o terceiro ato é basicamente uma grande sequência de ação, com respiros dramáticos e discursos absurdamente chatos do vilão. Essa última característica era muito comum nos vilões da década de 1960, mas nada se compara à falação de Safin. O próprio plano do vilão não faz muito sentido (assim como de alguns dos filmes clássicos da franquia), tornando o personagem não só deslocado dentro da proposta da era Craig, como um dos piores vilões da franquia.
Sensação que vem da interpretação de Rami Malek. Se o Blofeld de Christoph Waltz já soava caricato, o vilão de Malek tem uma fala mansa, irritante, com uma cena de discurso pavorosa, em que o texto contribui muito para o desinteresse no personagem. Nesse sentido, o terceiro ato é muito problemático. Longo, cansativo e com cenas de ação pouco inspiradas.
Tomando decisões corajosas (goste você delas ou não), “007: Sem tempo para morrer” funciona como encerramento para a era Craig, mas, como filme de ação e da franquia, carece de foco. A necessidade de fechar todas as pontas e elevar o drama dessa versão humanizada e atormentada do personagem cobra o seu preço.
É difícil imaginar o futuro da franquia, mas é fato que a era Craig renovou o personagem e termina com um saldo positivo. Apesar de alguns tropeços, os cinco filmes trazem um arco fechado, que, com o tempo, vão se tornar um ponto de destaque na filmografia mais longeva do cinema.

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