Cinema - Natureza contra natureza
Edgar Vianna Andrade - Atualizado em 28/09/2021 12:58
Banner de divulgação do filme 'Monstro do inferno verde' (1957)
Banner de divulgação do filme 'Monstro do inferno verde' (1957)
Dois grandes medos imediatos marcaram o mundo depois da Segunda Guerra Mundial: a radiação nuclear e o totalitarismo. Em “Monstro do inferno verde” (“Monster from green hell”), filme B de 1957 dirigido por Kenneth G. Crane e produzido por Al Zimbalist, foguetes tele-tripulados estão sendo lançados ao espaço com animais a título de experiência. Isso, de fato, aconteceu. Os soviéticos, antes de lançarem um homem ao espaço, fizeram uma experiência com a cadela Laika. Ela voltou sã e salva, mas no filme de 1957, animais colocados no espaço foram expostos a 40 horas de radiação.
Na volta, o foguete cai na África sem que os cientistas norte-americanos se importassem em localizá-lo a fim de averiguar o resultado da experiência. Tem-se a impressão, na conversa de dois cientistas, que foguetes com animais são lançados com frequência. Ambos desconfiam de algo estranho na leitura de um jornal dando conta de que um ser desconhecido está aterrorizando nativos na África.
O governo dos Estados Unidos autoriza a ida dos dois cientistas à África ao encontro de um médico abnegado que lá estava havia 40 anos com sua filha, atendendo aos nativos. O clima é claramente de superioridade racial. O médico considera os negros supersticiosos. A expedição dos dois cientistas tem como guia um muçulmano e é formada por vários negros carregadores. Antes da partida, um cientista compra quinquilharia para dar para os nativos, numa repetição de algo muito comum no início da colonização da América.
Depois de muitas fadigas, ambiente hostil, animais selvagens, tribos selvagens, a caravana chega ao destino e recebe a notícia de que o médico foi morto pelo monstro do inferno verde. As suspeitas de uma mutação provocada por radioatividade em vespas aumentam. Para os atrasados nativos, trata-se de uma entidade sobrenatural. Para os brancos, é a natureza modificada. As vespas cresceram tanto que suas pegadas ficavam impressas no chão. Um cientista comenta que não existe dúvida quanto à pegada de uma vespa, mas muito maior. Nunca se viu a pegada de uma vespa, mas em filmes B, vale o comentário.
Ficou a dúvida sobre as paisagens africanas. Fazem elas parte do filme ou foram tomadas de outras filmagens? Era muito comum esse tipo de apropriação na década de 1950. Grande é também o número de figurantes à guisa de africanos. Depois de explicações científicas sobre a vida das vespas, a colônia delas é encontrada. As vespas foram produzidas em série e são péssimas. Contudo, esse aspecto é muito atraente nos filmes B. Um Ray Harryhausen criaria uma vespa assustadora, mas seu preço como criador de efeitos especiais era muito alto para Alfred A. Zimbalist, o produtor que colocou em cartaz muitos filmes B.
A vespa rainha não foi muito feliz ao escolher o pé de um vulcão para formar sua colônia. Ele entrou em erupção e rapidamente fez o que muitas granadas dos brancos não conseguiram. A única mulher no filme — Lorna — é representada por Barbara Turner, que ficou famosa por pesquisar muito para seus roteiros. O de “Mostro do inferno verde” não deve ter sido escrito por ela. Saudades das tardes de sábado e domingo do cinema Santa Helena em Paranaguá, nos anos de 1950.
Num país em que a ciência está sendo contestada por negacionistas, a discussão entre ciência e fé me fez pensar. Certamente, o colonialismo usou o conhecimento ocidental contra o que era considerado superstição. Os brancos usaram a ciência de forma arrogante como instrumento civilizatório. É preciso distinguir essa arrogância do negacionismo.

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