Memórias que o mar não leva
Jonatha Lilargem 14/04/2018 18:49 - Atualizado em 17/04/2018 17:02
A aposentada Sônia Ferreira, de 73 anos, hoje observa o mar bem próximo de sua casa, onde mora há quase 40 anos e de onde já presenciou vários imóveis levados pela água
A aposentada Sônia Ferreira, de 73 anos, hoje observa o mar bem próximo de sua casa, onde mora há quase 40 anos e de onde já presenciou vários imóveis levados pela água / Paulo Pinheiro
Viver na praia parece ser o sonho de muitas pessoas. Para alguns, tomar banho de mar com frequência é tudo de bom, sem contar a possibilidade de relaxar enquanto aproveita o sol, além do contato com a natureza. Porém, nos últimos anos, a situação tem se revertido na praia de Atafona, em São João da Barra, onde muitos moradores e veranistas, que tinham casas na região, têm buscado outros ares. Desde a década de 60, o mar tem avançado cada vez mais e invadido trechos urbanos. Com isso, muitas casas, prédios e estabelecimentos comerciais foram destruídos.
Uma das regiões mais habitadas de Atafona era a avenida Nossa Senhora da Penha, que fica próxima ao mar. Atualmente, a rua ainda é bem movimentada, mas não como era antes. Até hoje, é possível ver que a água tem se aproximado de alguns imóveis que ainda estão bem estruturados. Apesar do problema, há os que acreditam que o cenário irá mudar. Este é o caso da aposentada Sônia Ferreira, de 73 anos, que vive em uma residência bem próxima ao mar desde 1979.
Para a idosa, já são quase 40 anos vivendo perto do oceano e a paixão pelo local parece não ter fim. Apesar de ter ciência do avanço do mar, ela não deseja sair. “Vivemos aqui desde o final de 1979. É muito triste ver que a água está cada vez mais perto da minha casa. Já vi vários amigos que perderam suas moradias, bares e vários outros estabelecimentos comerciais. Todos eles gostavam muito de ficar por aqui, mas desistiram”, comentou.
Dona Sônia também falou sobre sua origem e o sonho de morar em Atafona. “Sou campista, mas já morei no Rio de Janeiro e sempre tive o desejo de morar aqui. Era o meu sonho antigo. Desde que vim para cá, não me arrependi. Acho maravilhoso e quero ficar aqui por muito tempo. É o meu lar”, contou.
Na residência em que mora dona Sônia, vivem outras seis pessoas. A família também gosta muito do lugar, mas as filhas dela já pediram para que a mãe se mude para que não correr riscos. Mas quem pensa que ela quer morar em outro local, está enganado. “Não quero mudar de jeito algum. As minhas filhas pedem para eu sair, mas eu não consigo. Todos os cantinhos daqui me trazem lembranças dos amigos que já moraram ou trabalharam aqui. Vi centenas de pessoas abandonando a beira da praia. Nós gostamos muito de viver aqui e eu não desejo sair, apesar de saber que a situação está cada vez pior”, afirmou.
A idosa gosta de observar o mar e contou um pouco das experiências ruins que já passou desde quando começou a morar em Atafona. “Eu tenho o hobby de admirar a beleza da natureza. Gosto muito de observar as ondas, mas ultimamente, tenho ficado um pouco tensa. Eu fico com o coração apertado quando vejo a água se aproximar da minha casa. É muito preocupante. Fico rezando para que a situação melhore”, disse.
Saul Rangel, amigo de dona Sônia, mora há mais de 60 anos no distrito. Ele viu várias casas e prédios serem destruídos pela água. “Nasci aqui. Moro em Atafona e vi muitas moradias serem engolidas pela água. As ondas estão cada vez mais fortes e causando muitos estragos. Acredito que as autoridades deveriam olhar mais para nós”, comentou.
Próximo à avenida Nossa Senhora da Penha, em Atafona, é possível observar os impactos que o avanço do mar deixou
Próximo à avenida Nossa Senhora da Penha, em Atafona, é possível observar os impactos que o avanço do mar deixou / Paulo Pinheiro
Prédio do Julinho foi ao chão há 10 anos
O Prédio do Julinho, edifício que foi construído na década de 1970 pelo comerciante Júlio Ferreira da Silva, foi um ponto de referência em Atafona por muitos anos. O local era muito movimentado e frequentado, até mesmo porque no térreo, havia alguns estabelecimentos comerciais como restaurantes, padaria e supermercado.
A casa de dona Sônia fica localizada bem próxima à área onde funcionava o prédio. Ela contou que acompanhou todo o processo de construção do lugar até o momento em que ele desabou, no mês de abril de 2008. “Eu lembro do prédio sendo erguido e também vi quando ele desabou. Foi tudo tão triste. Todos gostavam do Prédio do Julinho. É lamentável que tenha acabado assim. Muitas famílias tiveram que se mudar depois que o mar começou a avançar”, comentou.
Alguns meses antes do edifício desabar, a Defesa Civil de São João da Barra fez vários alertas para a população tomar cuidado ao passar pelo local. Na ocasião, a aposentada estava entre os moradores que foram alertados. “Quando estava caindo, os agentes da Defesa Civil disseram para que tomássemos cuidado, porque o edifício podia cair em cima da nossa casa, já que éramos vizinhos”, contou.
Atualmente, ainda é possível ver restos do antigo edifício. O local, onde também funcionou o primeiro supermercado de Atafona, ainda é lembrado e comentado pelos moradores mais antigos do distrito.
Desde a década de 60 que o mar de Atafona tem avançado e invadido trechos urbanos
Desde a década de 60 que o mar de Atafona tem avançado e invadido trechos urbanos / Paulo Pinheiro
Prefeitura ainda busca recursos para obras
O mar ainda avança cada vez mais em Atafona. Além das inúmeras moradias que já foram destruídas, ainda há muitas outras que correm esse mesmo risco. Para tentar reverter a situação, a Prefeitura de São João da Barra tem buscado recursos para colocar em prática um projeto de contenção do mar, que foi elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e prevê um valor em torno de R$ 180 milhões para sua execução.
Enquanto isso não sai do papel, a Defesa Civil do município segue com monitoramento de toda orla, principalmente no trecho onde ocorre a erosão com mais agressividade (Prédio do Julilho até o Pontal). “A orientação é que todos os moradores entrem em contato com a Defesa Civil caso necessite de apoio para remoção, se a casa estiver sendo tomada pelas águas ou risco de desabamento, ressaltando que o monitoramento e inspeção nessas áreas são feitos de forma contínua pela Defesa Civil. Telefone 199 ou 27418370”, dizia nota.
Determinada a continuar na mesma residência em que vive há quase 40 anos, dona Sônia confessa estar assustada com o que pode acontecer. “Sei dos riscos que corro ao permanecer vivendo nesta região. Além das minhas filhas, muitos ao meu redor dizem para eu sair daqui, para garantir a minha segurança, mas quero ficar morando neste mesmo imóvel”, disse.

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