Artigo: Do mau uso ao declínio dos royalties, momento é de definir prioridades
17/11/2019 11:32 - Atualizado em 17/11/2019 11:41
Quem passa a ganhar um pouco mais vai, de forma natural, aumentando também seus gastos. O salário mais alto proporciona colocar um filho na escola particular, aderir a um plano de saúde e até mesmo gastos antes considerados supérfluos — restaurante um pouco mais caro, uma viagem repentina... Entretanto, o cuidado na administração do orçamento pessoal deve ser constante. Não entrar no especial, não estourar o cartão (nem sempre isso é fácil), não contrair empréstimos que comprometam o futuro de quem necessita do seu dinheiro (seja só você ou sua família). É preciso responsabilidade. Na administração pública, ela é ainda maior, porque é a responsabilidade de gerir os recursos de todos, sobretudo daqueles que mais necessitam dos serviços públicos.
Do fim dos anos 1990 para cá, Campos e alguns municípios vizinhos ganharam um presente com os royalties e participações especiais sobre a produção do petróleo. Era um recurso finito, todos sabiam, mas ninguém se preocupou com isso. Aliás, desde 2013, é uma liminar da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), que mantém o atual modelo de redistribuição. A partilha para todos os estados e municípios está na pauta da Corte do dia 22 de abril, uma vez que os produtores conseguiram adiar o julgamento que seria nesta quarta-feira (20 de novembro).
No período de fartura, gastos supérfluos vieram de todos os lados, passaram por vários governos e, sobretudo, incharam a máquina pública. Um inchaço que causa consequências até hoje — e vai continuar causando por um bom tempo.
Não faltam exemplos em Campos de gastos considerados desnecessários. No governo Rosinha Garotinho (Patri), talvez, tenham acontecidos os mais icônicos. O Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop) parece ser o maior entre eles. O carnaval campista não cresceu a contento de um espaço gigantesco como aquele, que custou mais de R$ 100 milhões ao município, e sempre foi subutilizado — para não dizer que sempre esteve abandonado. Tem também os arcos da Beira-Valão, a “Disney campista”, que é a Cidade da Criança, e alguns investimentos necessários, como o Bairro Legal (os que realmente ficaram legais) e o Morar Feliz — que acabou levando para a cadeia políticos como a ex-prefeita Rosinha e o ex-governador Anthony Garotinho, marido dela, em uma investigação que apura transações suspeitas com a empreiteira Odebrecht, responsável pela obra.
E para não falar dos gastos com obras que parecem desnecessárias só na última gestão, dá para recordar da primeira impulsionada com os royalties, quando Arnaldo Vianna (MDB) decidiu transformar a praça do Santíssimo Salvador em um calçadão de granito que, na maioria dos dias, é quente pra “cabrunco”. O mau uso dos recursos dos royalties também ocorreu em outras cidades, vide o calçadão de porcelanato de Rio das Ostras, entre tantos outros exemplos que podem ser recordados na região.
Se até agora lembramos de obras, o inchaço da máquina pública talvez tenha sido o maior legado, negativo, por sinal, da época áurea da exploração de petróleo na região. A folha de pagamento de Campos gira na casa de espantosos R$ 1,1 bilhão. Prefeituras menores, como São João da Barra e Quissamã, são as maiores empregadoras dos municípios. Isso sem falar nos gastos exacerbados ao longo dos anos com shows. Fizeram de tudo com o dinheiro dos royalties, só esqueceram de diversificar a economia para o período de declínio.
Não dá para analisar o cenário atual sem lembrar do passado. Só que quem está na ponta, o cidadão que precisa efetivamente dos serviços públicos, espera mudanças efetivas. Quer respostas. Em sã consciência, ninguém nega que o prefeito Rafael Diniz (Cidadania) pegou uma Prefeitura cheia de “gatilhos”. Todo mundo que acompanha o noticiário também sabe que a arrecadação vem caindo, sobretudo de royalties. E não há perspectiva de melhora no futuro, ao menos em curto prazo.
Quem tinha passado a ganhar um pouco mais e, de repente, perde o emprego tem que cortar gastos, readequar seu orçamento. É assim com todo trabalhador. Guardada as devidas proporções, com uma prefeitura não pode ser diferente. Por mais que o governo Rafael já tenha adotado medidas de austeridade, outras terão de vir. Não há dúvida de que é preciso cortar. E tem de cortar na carne, reorganizar o modelo administrativo. É o mínimo que se pode mostrar para população em um momento com RPAs com salários atrasados, sem falar no atraso de complementações aos hospitais contratualizados. Cabe ao administrador traçar prioridades.
No governo Rosinha houve uma válvula de escape. Venderam, três vezes, o futuro de Campos. No caso de Rafael, com royalties em queda, não há o que vender. É preciso encarar o problema de frente. Ao longo desse tempo na Prefeitura, com todo desgaste de capital político que vem enfrentando, o prefeito não parece ter perdido a disposição, que lhe deu destaque à época da Câmara, para o enfrentamento. Recebeu motoristas de vans, representantes de médicos, de hospitais, do carnaval, entre outros, sempre pregando o diálogo.
O gestor do orçamento familiar (ou pessoal) que vê a renda cair muitas vezes precisa tirar um filho da escola particular, readequar os gastos com diversão, replanejar uma viagem. Agora, quando isso acontece com o município, o prefeito, além de reclamações populares, ao cortar na carne precisa enfrentar uma grita interna, reclamação de vereadores, dos aliados. Isso faz parte do jogo. É preciso coragem ao definir prioridades. E na atual situação financeira de Campos, decisões precisam ser tomadas com urgência.
Publicado neste domingo (17) na Folha da Manhã

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    Arnaldo Neto

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