Não havendo nada além de uma nesga de desesperança, ele entrou em casa, olhou em continência para o espelho – o sol que invadia a janela fazia reluzir pelo cômodo o amarelo de sua camisa – e percebeu que passara dias na lida vazia de querer o egoísmo contra a possibilidade de olhar seus semelhantes não apenas pelas semelhanças, mas pelas desigualdades abismáticas. Ainda tinha, porém, o farto apartamento – as cascatas vítreas pendiam levemente do lustre como a negar todos os abalos do lado de fora – e nada lhe faltaria nesses dias de fartura de faltas para tantos outros que mirava pela janela intocável. A garganta sentia os solavancos da realidade externa enquanto a saliva descia arranhando de tanto gritar – a derrota era algo inconcebível -, mas nada tirava de sua cabeça que só ele e os seus tinham razão. Puxou pela cabeça a camisa malcheirosa de alguns dias e contemplou de repente o símbolo da confederação incrustado no pano amarelo com estampa de onça. A camisa era de um amarelo bandeira-do-Brasil, ainda refletido pelo cômodo sob o sol que pairava na tarde. A ideia que ele fazia, porém, era em amarelo outro, qual coloração de papéis que se desfazem com o passar inadiável dos dias. Pensava em sépia e agia em carmesim. Estava prestes a entrar no chuveiro para sair vestindo a mesma camisa rançosa de concepções defasadas. Seu patriotismo vestia amarelo para esconder o libelo de suas ideias anêmicas, cor de um retrocesso que vez ou outra sobe à mente de quem não se percebe toda a gente.
*Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com