Reflexões para fotógrafos de selfie
Ronaldo Junior 21/08/2022 13:22 - Atualizado em 21/08/2022 13:22
Fonte: Pixabay.
Pra começo de conversa, a língua portuguesa possui em seu vernáculo uma palavra muito mais adequada do que o sucinto estrangeirismo selfie. Veja se a pronúncia não fica muito melhor: autorretrato.

Os preguiçosos de plantão vão me tachar de purista, de chato, mas eu já falo isso ciente de que a palavra não vai cair na boca do povo. Afinal, partindo da tendência esquartejadora que os falantes possuem, logo ouviríamos “vamos tirar um ‘aut’?”, o que estragaria por completo a beleza da palavra.

Fico com o termo estadunidificado, por fim – mas não convencido.

Enfim, selfie ou autorretrato, a questão reside no ato. O narcisismo pode atacar em qualquer lugar, onde menos se espera. Veja se esta cena não te faz lembrar algo: enquanto você lava as mãos num banheiro público, lá está, logo no lavatório ao lado, uma careta aleatória para a câmera.

Já cheguei a presenciar amigos se juntando para uma foto no espelho do banheiro e já ouvi relatos femininos sobre congestionamento na entrada do sanitário por amontoados de meninas tirando autorretratos – viu como soa melhor?

A questão que me inquieta não se refere à liberdade artística do fotógrafo que quer uma imagem do próprio rosto no banheiro, mas sim ao porquê de tão insólita escolha.

Tacham as mães e avós de bregas por pedirem uma “pose” pra foto ao lado de um vaso de planta, mas se acham vanguardistas por caretear na frente do espelho de um banheiro de shopping?

Entre tantas dicas que eu poderia deixar aqui, fica apenas uma: encontre seu melhor cenário, a melhor luz e o seu melhor ângulo, mas, para o bem das pessoas a contragosto fotografadas enquanto transitam pelo banheiro, espere a solidão do lugar para realizar seu ensaio fotográfico individual ou coletivo no sanitário público.

Pra acabar, vale a reflexão: se houvesse espelho em um banheiro químico, você também quereria um registro em tão íntimo e azulado lugar?

*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.