Enquanto sou observado
Ronaldo Junior - Atualizado em 18/06/2022 14:57
Fonte: Pixabay.
 
Uma confidência pouco relevante: eu me divirto enquanto, num lugar movimentado, crio ficções improváveis sobre as pessoas ao meu redor.

Praça de alimentação de shopping, por exemplo, é o lugar perfeito para sentar e observar e comentar os hábitos das pessoas – numa espécie de flaneurismo sedentário que substitui tranquilamente uma caminhada urbana por um hambúrguer.

Horas antes de este texto ser escrito, três homens reunidos numa mesa da área de alimentação de um shopping campista dividiam garrafinhas de água e pacotes de um biscoito de isopor com corante amarelo não identificado.

O motivo de estarem ali? Hipóteses surgiram – de terapia em grupo até promessa religiosa -, mas eles, provavelmente, estavam apenas fugindo da pacata rotina de suas casas numa sexta à noite.

Quase ao mesmo tempo, uma menina chorosa derrubou uma cadeira e saiu acompanhada por um grupo de adolescentes agitados. Teria ela ficado sabendo do fim de sua banda preferida por um colega inclemente que deu a notícia sem a devida cerimônia?

Tudo se passa na dinâmica dos minutos enquanto a comida não chega.

Ao meu lado, um homem sozinho passou cerca de meia hora com dois pratos de comida intocados na sua frente. Teria ele sido abandonado num encontro ou a pessoa realmente estava a caminho? Ou teria ele espaço interno para duas refeições?

Na verdade, a vida dos outros é de interesse público enquanto o estômago não está ocupado.

O que não se sabia, porém, é que o pessoal da mesa ao lado ria inventando histórias sobre quem estava observando a atitude dos outros – numa reação desencadeada pela simples presença humana ociosa num ambiente aglomerado.

Antes de terminar, vale um detalhe final a título de desfecho: apesar do tempo passado, a acompanhante do rapaz da mesa ao lado chegou. A espera não foi em vão, e eu não podia deixar vocês sem esse comentário relevante.

Com um pouco de criatividade ou de esperança, portanto, até o apetite pode aguardar.
*Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.