Tamanho único
Ronaldo Junior - Atualizado em 25/02/2022 12:05
Fonte: Pixabay
Sob o manto de uma igualdade que só reafirma as diferenças, os seres e discursos e modos de vida são podados, limados, até alcançar a simetria mercadológica que permite o amplo controle humano, um a um, dentro das curvas de oferta e demanda.

Consome-se o tempo, a realidade, a vontade, o corpo, a fome, a culpa, o planeta. Consumir para não ser consumido dentro dos padrões inalcançáveis das fotos instagramadas.

Na prateleira do comercial televisivo, brota uma vontade no sofá que leva a mão ao celular, alcança o comodismo da entrega sob a ilusão da economia de um cupom que tabela o preço do produto e fecha o ciclo da compra facilitada com o consumidor confortável. Tudo no trabalho incansável de quem sua para manter o conforto de outros, alimentando a máquina que mói mão a mão no dia que não passa.

Produtos: enquanto parafusos que fixam a engrenagem ao eixo, cada consumidor é usado até o fim enquanto crê estar usando o que, na verdade, ceifa a natureza do ato de existir. Passo a passo, é necessário algo novo para passar o tempo que não cessa – até ser preciso um novo consumir ou mesmo um novo consumidor. O novo é o agora que se quer na necessidade que se cria a partir do passado que se descarta para obter outro idêntico, mas com embalagem novíssima.

Assim, moramos e vestimos e assistimos e lemos e sentimos e viajamos e seguimos na rede social com base em um padrão imperceptível que leva a crer que cada decisão é personalizadamente única – perdida na multidão de decisões igualmente direcionadas por um único gesto, uma única aparição midiática.

Nessa lógica de consumo, o ser humano nasce programado para extrair cada benefício de tudo ao redor ou jogar fora para trocar quando valer mais a pena, o que cada indivíduo projeta em suas próprias relações – com os outros, com os produtos e com o planeta e seus recursos. Mas ninguém nota que não será possível consumir até o fim sem, antes, ser consumido pela escassez inobservada.

Isso porque não se percebe – os sinais são inúmeros, mas os olhares, não – que a lógica predatória do consumo carrega consigo o próprio gesto impetuoso de tirar o ar o chão a terra a comida e a própria mão que clica no carrinho do aplicativo do celular, pois, na ausência de uma, haverá outra mão interessada em clicar.

E as necessidades e desejos se correlacionam: o prazer leva à doença, que leva ao remédio, que leva a um novo hábito guiado por outros desejos e necessidades artificiais, num ciclo que se fecha se renova mês a mês no saldo da conta-salário.

No acordar de cada hora para fazer dia, há trabalho e consumo e consumo de trabalho para valer a pena o que se gasta fazendo tudo ficar igual – e necessário - para cada mente que conecta sinapses de prazer a cada “blip” do celular.

Assim é a experiência personalizada: humanidade homogênea sob a dinâmica que só evidencia e aprofunda as desigualdades de quem ainda não percebeu seu papel na lógica das experiências uniformizadas.
 
*Ronaldo Junior tem 25 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.