Cinema - O cadáver da jovem bruxa
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 29/03/2023 12:17
Divulgação
Numa casa afastada da cidadezinha, várias pessoas foram assassinadas brutalmente. Seria mais uma investigação de rotina para descobrir o(s) assassino(s) se não fosse encontrado no porão o corpo completamente desnudo de uma jovem e bela mulher. Nenhuma mutilação. Nenhuma relação com o massacre dos moradores. A imprensa vai querer uma explicação e o xerife não a tem. Então, ele encaminha o corpo o pequena necrotério da cidade para uma autópsia. Nela, trabalham um legista experiente e seu filho. É noite e o xerife quer uma explicação para o dia seguinte, logo de manhã.
Lá está o corpo íntegro, claro e sereno, como um enigma a ser decifrado. O médico confia em sua experiência. Cada corpo tem sua personalidade e pode contar o que aconteceu. Nas unhas dos pés, há vestígios de uma terra que ocorre no norte dos Estados Unidos. E a integridade corporal engana: pulsos e tornozelos foram quebrados. O abdômen é aberto como se abre uma caixa de segredos. Aos poucos, a explicação vai aparecendo. Versículos bíblicos estão no seu interior e, na face interna dos tecidos, encontra-se uma inscrição enigmática. O corpo veio de Salem, norte do país. A moça foi condenada como bruxa no século XVII. Viajou no tempo e no espaço sem se decompor. O legista sabe que todos eram inocentes, mas essa jovem mulher acabou se transformando num bruxa verdadeira depois de executada injustamente. Ela quer vingança.
A ideia é boa e daria um bom filme de terror se André Ovredal, seu diretor, não enveredasse em dramas pessoais como querendo esticar a duração do filme. Bastava explicar que os corpos guardados em frigorífico são acompanhados de um sininho para advertir que não morreram. Seria perfeitamente dispensável a visita da namorada do filho ao necrotério e a morte dela nos arredores do prédio depois de ter voltado à cidade. Por que retornaria ao necrotério. A doença que conduz à morte a mulher do legista também seria perfeitamente dispensável. Como é comum nos filmes de terror norte-americanos, ruídos começam a se ouvir do nada. A luz apaga. Aparelhos sonoros funcionam misteriosamente, uma tempestade severa derruba uma árvore que bloqueia a porta de entrada do necrotério. Quando o xerife consegue chegar em seu interior, o médico, seu filho e um gato de estimação estão mortos. Tudo obra da bruxa silenciosa, que recompõe seu corpo e é enviada a outro necrotério. A cena final mostra a moça numa maca. O dedão do pé esquerdo faz um ligeiro movimento acompanhado pelo som de um sininho. Sinal de que ela está viva e continuará se vingando de quem tocar em seu corpo.
André Ovredal tem uma filmografia ainda magra, mas um bom domínio da câmara. “A autópsia”, filme de 2016 já comentado aqui por mim, tem Olwen Catherine Kelly como atriz principal. Seu papel é singular. Ela passa o filme inteiro representando uma bela moça morta. Talvez seja difícil passar 85 minutos nua, exibindo a beleza corporal e apenas mexendo o dedão do pé no final do filme. Mas “A autópsia” não se limita a uma mulher jovem e nua. O cenário principal é uma sala de necrotério. O tratamento dos corpos sem vida pelo médico e por seu filho é prosaico. Eles desmontam cadáveres como crianças desmontam brinquedos. Médicos que trabalham nessa área tornam-se materialistas e frios, mesmo que sejam religiosos. Nota-se, no filme, o contraste entre natural e sobrenatural. Dois homens racionalistas e frios acabam sendo obrigados a acreditar em bruxas.

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