Relações promíscuas
25/06/2017 10:23
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 25 de junho de 2017
Relações promíscuas
Arthur Soffiati
 
Não é de hoje que existe relação promíscua entre economia e política. Não tenho partido político nem ídolos de pés de barro. Além do mais, não costumo perder a floresta de vista por conta de uma árvore. Vejo o mundo de longe e no longo tempo. Quem vê a realidade de perto e no curto prazo fica chocado com as revelações de corrupção no Brasil. Parece algo inédito. Joesley Batista declara que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil e que Temer é o chefe da quadrilha. Examinando a trajetória da economia de mercado nos últimos 600 anos, afianço que Batista também chefia uma quadrilha.
Numa economia de mercado, o empresário não vive sem o político e vice-versa. Estou na reta final da vida e não vejo luz no fim do túnel. A expansão da Europa no século XV foi impulsionada pelos Estados nascentes e pelos comerciantes. A relação entre ambos já era promíscua, não na intensidade de hoje porque Estado e empresários ainda estavam nos seus primórdios.
A escravidão africana e a servidão indígena foram um grande negócio para os Estados europeus e para comerciantes. O Estado criava condições para tanto e os comerciantes se valiam dela. Até Chica da Silva, uma negra alforriada, teve escravos. Quando o trabalho assalariado se generalizou, a escravidão deixou de ser lucrativa. Então, os Estados Europeus passaram a combatê-la. Os comerciantes não queriam concorrência e os Estados se colocaram a seu serviço. A política econômica do mercantilismo dava aos Estados o controle da economia. Os empresários eram beneficiados e estimulavam os governos a mover guerras contra outros Estados para dominar o mercado.
Depois da Revolução Industrial do século XVIII, o poder dos empresários aumentou. Sua influência sobre os Estados nacionais se ampliou. Políticos e empresários se completavam numa relação espúria. A abertura dos portos brasileiros às nações amigas resultou de pressões do governo britânico sobre a monarquia portuguesa para beneficiar comerciantes ingleses. O mesmo é válido para os tratados de comércio e navegação de 1810. A própria transferência da família real portuguesa foi determinada pelo governo e comerciantes ingleses.
No século XIX, comerciantes ingleses humilharam a China. Eles vendiam ópio aos chineses e criavam viciados. Quando o governo imperial da China proibiu esse comércio, o governo britânico declarou duas guerras ao grande império, atendendo a interesses comerciais. Foi assim também na Índia. Quando os soldados indianos (sipaios) que serviam no exército britânico se rebelaram pelos maus tratos, o tratamento dado a eles foi o massacre, aplaudido pelo próprio Marx.
Aliás, nem mesmo os países que romperam com o capitalismo mediante revoluções inspiradas no marxismo conseguiram erradicar as relações promíscuas entre política e economia. Elas desembocaram numa Rússia e numa China capitalistas. A experiência com burocratas nomeados para empresas estatais não deu certo.
Fico impressionado com declarações do tipo “esta é a maior crise política vivida pelo Brasil”, feitas até mesmo por historiadores que repercutem suas frívolas e parciais opiniões nos meios de comunicação. Trata-se de puro presentismo. Olhando para o passado, pode-se concluir que a mais longa crise vivida pelo Brasil estendeu-se por quase 20 anos. A independência, proclamada em 1822, não separou de forma convincente o Brasil de Portugal. D. Pedro I continuava muito interessado na vida política de Portugal. Ele acabou abdicando em nome do seu filho menor por pressão interna e partiu para sua pátria. De 1831 a 1840, o Brasil mergulhou em verdadeiro caos econômico e político. As forças rurais conservadoras e movimentos centrífugos de natureza liberal abriram fogo contra o governo interino que reinava o país durante a menoridade de D. Pedro II. Parecia que o Brasil ia se esfacelar em vários países, como a América espanhola. Mas a ferro e fogo, derramando muito sangue, o governo central triunfou.
Mas não foi só. A abolição da escravidão atendeu a produtores de café de São Paulo e descontentou cafeicultores fluminenses. Se houve algum sentido humanitário na abolição, ele ficou no nível do pessoal, não do coletivo. E o que dizer do Convênio de Taubaté, assinado em 1906 para salvar os produtores de café no Brasil?
Trata-se de balela acreditar na separação de economia e política, como preconiza o neoliberalismo atualmente. O político pode até favorecer empresários, criando regras que permitam lucros maiores. Mas política e economia vêm mantendo uma relação promíscua por pelo menos 600 anos. Ilustremos com o complexo industrial-militar dos EUA. Ele se mantém por força política. Qual a saída? Sugiro um pouco mais de estudo, educação universal de qualidade e controle, sempre consciente de que a corrupção continuará como uma doença crônica.

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    Aristides Soffiati

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