A culpa é do Aécio
Edmundo Siqueira 18/02/2022 20:08 - Atualizado em 18/02/2022 20:11
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2014. O Brasil ainda era um país minimante civilizado. Uma pessoa preta não seria amarrada e açoitada até a morte, na Barra da Tijuca, com espectadores passivos ao redor. Claro, já (e ainda) éramos um país racista e violento, distantes do “homem cordial” idealizado. Mas, barbáries não eram cometidas de forma tão explícita. Os extremismos não estavam tão normalizados, como hoje. Os ataques de ódio não eram frequentes e a sociedade não apresentada polarizações tão violentas. Em resumo, não concebíamos que a extrema-direita chegaria à presidência.
Não evoluímos desde 2014; ao contrário. Existem diversas causas para isso, com posição hierárquica de difícil definição. Porém as eleições daquele ano marcaram uma “anti-inflexão” importante. Explico.
O Partido dos Trabalhadores governava o país há 11 anos, e Dilma Rousseff tentava a reeleição. Visivelmente desgastada e com evidente inabilidade política. Mas o PT insistiu em sua candidatura. Se por um lado não havia quadros no partido preparados — situação mantida principalmente pelo centralismo na figura de Lula, mas também pelo envolvimento de nomes importantes em casos de corrupção —, por outro era perigoso demonstrar que o governo ia mal ao ponto da presidente não tentar a reeleição.
Aécio Neves era o principal adversário petista em 2014. Apesar de PT e PSDB possuírem praticamente a mesma origem e programa, eles foram se consolidando, desde a redemocratização, como antagônicos. No imaginário político brasileiro, PSBD representava a direita e o PT a esquerda. Na prática, os dois, por seus governos, enquadraram-se na socialdemocracia. Porém, Aécio em 2014 representava um PSDB mais conservador, mais liberal e mais à direita, em comparação a Fernando Henrique.
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Mas Aécio Neves perdeu as eleições. Por apenas 3.459.963 votos, no segundo turno, ou 3,28 pontos percentuais. O Brasil precisaria viver mais quatro anos de governo petista. Com seus acertos, mas também com seus erros e imagem desgastada por malfeitos.

Talvez a derrota nas eleições não tenha sido “culpa do Aécio”, somente, mas o fato é que a vitória de Dilma não propiciou o equilíbrio ideológico e programático no Brasil, tampouco a saudável alternância de poder. Goste-se ou não do PSDB ou de Aécio (que depois se mostrou — ou se confirmou como — uma opção desastrosa), uma vitória psdebista significaria que o jogo voltaria ao eixo. Uma direita democrática voltaria ao poder para apresentar sua visão de mundo.
O que veio depois foi não foi apenas a manutenção do pêndulo em um dos lado. A democracia brasileira se deteriorou drasticamente. Aécio foi um mau perdedor e questionou o resultado das urnas, pediu auditoria e foi o percursor da ideia de “voto impresso”, defendida anos mais tarde. Uma bobagem antidemocrática perigosa.
Além disso, iniciava-se a operação Lava-Jato, que na prática atuou como uma força política, um levante de membros do judiciário que desmoralizou a classe política e o devido processo legal, utilizando de conluio entre acusação e julgadores, vazamentos ilegais e diversas outras nulidades processuais. O PSDB foi um dos partidos mais afetados.
O segundo governo Dilma agravou o desastre econômico em curso à época, e deixou uma parcela significativa da sociedade não representada. Ressentimento que passou ao ódio. Tempestade perfeita culminada em 31 de agosto de 2016, quando as forças políticas decidiram por uma solução radical. Sem base jurídica, e aproveitando da fragilidade crescente de Dilma, o remédio amargo do impeachment assolava mais uma vez a república.
Durante o julgamento, os votos dos parlamentares foram precedidos de declarações curtas, e televisionados para o país inteiro. Um desses votos representou um limite rompido, que nunca mais foi imposto novamente. O então deputado Jair Messias Bolsonaro usou o microfone do Congresso Nacional para homenagear um torturador da ditadura, acusado de barbaridades sádicas contra a mesma mulher que estava sendo julgada ali. Esse parlamentar não saiu de lá preso por fazer apologia à tortura, não perdeu os direitos por extrema falta de decoro, não sofreu qualquer punição pelo ato nefasto.
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E pior: foi eleito presidente da República.

Falar que a culpa de todos esses processos é de Aécio Neves é no mínimo um exagero retórico. Mas certamente a democracia brasileira foi solapada por ineficiência própria e por inabilidade em reconhecer os graves ataques que sofreu, depois de que o pêndulo ficou muito tempo em apenas um lado. Aprendemos a tolerar os intolerantes. Até hoje. 

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