Arthur Soffiati - Os melhores livros de 2021
Arthur Soffiati 08/02/2022 14:56 - Atualizado em 08/02/2022 14:57
Em dezembro do ano passado, a “Folha de São Paulo” convidou quatro críticos ligados à cobertura literária do jornal para indicar cinco livros que consideravam significativos e publicados em 2021. As escolhas podiam recair sobre qualquer gênero, ainda que os livros tivessem sido publicados em outros lugares antes de 2021. Mas eles deveriam ter sido lançados no Brasil em 2021. Não deveria haver repetição de títulos nas listas.
Sem mencionar os nomes dos críticos, os livros escolhidos foram 1 - “Agora veja então”, de Jamaica Kincaid (Rio de Janeiro: Alfaguara); 2 - “Autobiografia do vermelho”, de Anne Carson (São Paulo: Editora 34); 3 - “O lugar”, de Annie Ernaux (São Paulo: Fósforo); 4 - “Poemas 2006-2014”, de Louise Glück (São Paulo: Companhia das Letras); 5 - “Porta”, de Magda Szabó (Rio de Janeiro: Intrínseca); 6 - “Biografia não autorizada do Direito”, de Fábio Ulhoa Coelho; (São Paulo: WMF Martins Fontes),; 7 - “Erva brava”, de Paulliny Tort (São Paulo: Fósforo); 8 - “João Cabral de Melo Neto: uma biografia”, de Ivan Marques (São Paulo: Todavia); 9 - “Mas em que mundo tu vive?”, de José Falero (São Paulo: Todavia); 10 - “As vozes da metrópole - uma antologia do Rio dos anos 20”, de Ruy Castro (São Paulo: Companhia das Letras); 11 - “Escute as feras”, de Nastassja Martin (São Paulo: Editora 34); 12 - “Essa dama bate bué!”, de Yara Nakahanda Monteiro (São Paulo: Todavia); 13 - “A extinção das abelhas”, Natalia Borges Polesso (São Paulo: Companhia das Letras); 14 - “Perder a mãe”, de Saidiya Hartman (Rio de Janeiro: Bazar do Tempo); 15 - “A visão das plantas”, de Djaimilia Pereira de Almeida (São Paulo: Todavia); 16 - “Luxúria”, de Raven Leilani (São Paulo: Companhia das Letras); 17 - “O parque das irmãs magníficas”, de Camila Sosa Villada (Tusquets); 18 - “Todos os contos”, de Julio Cortázar (São Paulo: Companhia das Letras); 19 - “Trapaça noHarlem”, de Colson Whitehead (HarperCollins); 20 - “Vista Chinesa”, de Tatiana Salem Levy, (São Paulo: Todavia).
Meu primeiro comentário é que não li todos os livros apontados. Consolo-me em presumir que os críticos consultados não leram o que eu li e não leram todos os livros apontados pelos colegas. Mas, cá pra mim, creio que eles devem ter lido. Afinal, eles trabalham com leitura e crítica de literatura. Eu moro numa província do Brasil, procuro acompanhar a literatura de poesia, ficção e de estudos. Sou aposentado. Disponho de mais tempo para leitura, mas me dedico a pesquisas em história. Mesmo assim, escrevo quinzenalmente artigos longos para a Folha da Manhã.
Estabeleço também uma limitação: a leitura de livros que não ultrapassem 200 páginas. Faço concessões quando o livro trás referências que me estimulam a ler além de 200 páginas. Portanto, sou seletivo, não tenho obrigação de fazer leituras fora da minha área e estou distante dos grandes centros.
Segundo comentário: dos livros escolhidos pelos críticos, li “Agora veja então”, “Autobiografia do vermelho”, “Erva brava”, “Escute as feras”, “Essa dama bate bué!”, “A extinção das abelhas”, “A visão das plantas”, “Vista Chinesa” e “O lugar”. Nove livros de listas feitas por quatro especialistas não é de todo mal. Adquiri “Todos os contos”, de Julio Cortázar, “Mas em que mundo tu vive?”, de José Falero, e “As vozes da metrópole - uma antologia do Rio dos anos 20”, de Ruy Castro. Provavelmente, não lerei todos os contos de Cortázar, mas apenas os escolhidos, como no caso de Machado de Assis, cujos contos são reunidos em três volumes. A antologia de textos organizada por Ruy Castro aguarda sua vez. De antemão, já sei que ele tenta ilustrar sua tese (redundante) de que o Rio de Janeiro era mais moderno que São Paulo na década de 1920. Tenho também a meu lado o novo livro de José Falero para ler.
Terceiro comentário: esperei que, nas listas dos críticos, fossem figurar pelo menos os nomes de Micheliny Verunschk, com seu “O som do rugido da onça”; Simone de Beuvoir, com “As inseparáveis”; o atualmente cultuado Itamar Vieira Junior, com “Doramar ou a Odisseia”. O livro de Micheliny Verunschk não está na linha dos livros escolhidos pelos. Simone de Beuvoir é um nome consagrado. Itamar Vieira Júnior não está nas listas. Contei também de encontrar “O último gozo”, de Bernardo de Carvalho, “O riso dos ratos”, de Joca Reiners Terron, “O deus das avencas”, de Daniel Galera, e “De cada quinhentos uma alma”, de Ana Paula Maia. Eles são autores conceituados na atualidade. Confesso que, se fosse convidado a apresentar minha lista, eles também não figurariam nela.
Por uma questão de homenagem, também notei a ausência dos livros póstumos de Sérgio Sant’Anna, “A dama de branco”, e de Juan Rulfo, “Chão em chamas”. Mas já começo a me exibir, fazendo a minha lista. Já que é assim, senti falta também de “A culinária caipira da paulistânia”, de Carlos Alberto Dória e Marcelo Corrêa Bastos, um excelente estudo antropológico, sociológico e histórico sobre a alimentação num território enorme do Brasil no período colonial e no século XIX. Comumente, acreditamos que os povos nativos do Brasil deram uma parca contribuição ao que comemos antes da industrialização dos alimentos, atribuindo aos portugueses e africanos as duas grandes influências da nossa alimentação. Esse livro resgata a enorme contribuição dos guaranis. Mas cada um tem as suas preferências e seus critérios de escolha.
Por fim, o quarto comentário. O momento histórico é sombrio. Os países foram envolvidos pela globalização ocidental. O conceito de soberania nacional perdeu força num mundo todo integrado. Não se pode mais pensar em qualquer forma de desenvolvimento desvinculada do internacional. Qualquer conflito local envolve o regional e o global, como, neste momento, é o caso da Ucrânia, do Iêmen e de Taiwan. Não se pode mais pensar numa revolução de esquerda ou de direita. Os problemas sociais se agravam no planeta sem que se identifique uma classe que possa promover uma revolução. As forças de direita e reacionárias avançam. Os problemas econômicos de países como os Estados Unidos e a China se refletem no mundo todo. E a crise ambiental se agrava.
O clima é favorável para o pensamento distópico, assim como o Renascimento europeu estimulou utopias. Em 2021, choveram distopias na literatura brasileira. Bernardo de Carvalho, Joca Reiners Terron, Daniel Galera, Ana Paula Maia e Natalia Borges Polesso, pelo menos, escreveram distopias. Nenhuma delas tão convincente quanto “Não verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, de 1980, e “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro, lançado em 1989. Dos cinco, o mais convincente, na minha opinião, é “A extinção das abelhas”, de Natalia Borges Polesso, por mostrar que a distopia não é uma ameaça a ser esperada. Nós já a vivemos. Dos outros livros distópicos de 2021, falarei em outro momento.
Mas a tônica dos livros de ficção de 2021 recaiu sobre o enfoque antropológico: o diferente, o estranho, o monstro. Quando uma moça jovem pratica exercício na floresta da Tijuca em lugar solitário, sai da mata um homem que a ameaça com um revólver e a conduz para a floresta, onde a estupra. Esse é o tema de Tatiana Salem Levy em “Vista Chinesa”. De fato, aconteceu de uma amiga sua ter sido estuprada na floresta da Tijuca. Tatiana colheu o relato da amiga para escrever o livro. Depois de um estupro, a vida não é mais a mesma por muito tempo ou para sempre. As lembranças, a violência, a investigação, o trauma. Tatiana narrou o caso de forma romanceada e com muito vigor. Só errou na escolha da forma de relato. A mulher estuprada escreve uma carta aos filhos pequenos narrando o que aconteceu a ela. A carta é para ser lida quando os filhos se tornarem adultos. Melhor seria escrever um diário, pois a mulher detalha situações de intimidade com seu marido para os filhos.
O outro, o estranho, pode sair do nosso meio, cometer barbaridades e voltar para nossa sociedade depois de velho. É o caso de “A visão das plantas”, da angolana Djamilia Pereira de Almeida. Ela escreve um romance breve mas denso sobre um pirata e traficante truculento que teve uma infância comum com mãe amorosa. Cresceu e ganhou o mundo traficando negros para a escravização. Matava pessoas e animais sem a mínima compaixão. Ao envelhecer, ele retorna à sua aldeia e se transforma num jardineiro fiel às suas plantas, que o agradecem pelo tratamento. Plantas desejam, sem consciência do desejo, ser bem tratadas. Não importa se pela chuva ou por uma pessoa boa, má, jovem, velha etc. Elas não se importam com a história do jardineiro. A visão das plantas é de agradecimento ao jardineiro generoso ou cruel. O pirata não se arrepende do seu passado.
No terceiro caso, o outro, o estranho, pode se transformar num mostro. É o caso de “Escute as feras”, de Nastassja Martin. A autora é uma antropóloga que foi atacada por uma ursa com filhotes na Sibéria. Trata-se de um caso real. A ursa atacou a mulher e quase a matou. Mordeu sua cabeça e quebro-lhe ossos, arrancando um pedaço da mandíbula. Antes de ficar desacordada, a antropóloga conseguiu ferir a ursa, que fugiu com seus filhotes. Acostumada a escrever trabalhos científicos, Nastassja relata os acontecimentos em tom de romance. Recuperada de um ataque que quase a matou, ela volta ao local e retoma suas pesquisas até notar que estava se envolvendo muito com o povo estudado e suas subjetividades, suas diferenças em relação ao mundo ocidental. Então, retorna à França.
Podemos também encontrar o diferente, o estranho, na distopia de “A extinção das abelhas”, de Natalia Borges Polesso, com a mãe da personagem principal abandonado a filha e o marido para se juntar a um grupo circense que trabalhava com o ilusionismo de Monga, a macaca feroz. Quem não conhece Monga dos circos e dos parque de diversões? Quem não se assustou com a mulher se seios nus que se transforma numa macaca selvagem? Em ”O som do rugido da onça” (São Paulo: Companhia das Letras), Micheliny Verunschk vai mais longe ainda. Trata-se de um livro com forte base antropológica. Ele gira em torno do casal de índios adolescentes que Martius e Spix levaram para a Alemanha depois da estada triunfal de ambos no Brasil. Foi muito comum entre o século XVI e XIX europeus levarem nativos da América para a Europa a fim de estudá-los e civilizá-los. Quase todos morriam fora do seu ambiente natural e cultural. Verunschk coloca dois diferentes frente à frente: para os dois indiozinhos, o estranho era o europeu. Para Spix e Martius, os estranhos eram os nativos.
Quanto a Paulliny Tort, já comentei antes “Erva brava”, seu primeiro livro de contos. Muitos primeiros livros trazem promessas de novos livros e de consolidação de um novo destaque na literatura ou não. Apenas um livro não é suficiente para se avaliar um autor. Tort faz um retorno ao regionalismo do Cerrado, mas agora com o aspecto melancólico que ganhou com o crescimento do agronegócio. Não vem ao caso comentar os demais livros que li das listas apresentadas.

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