Arthur Soffiati - Holocenologia (final)
Arthur Soffiati - Atualizado em 03/02/2022 20:06
Já é possível afirmar com segurança que existe uma mudança estrutural no clima do Holoceno, agora causada por atividades humanas, observando a atipicidade dos: 1 - Incêndios: com o aumento severo das estiagens, os ambientes recobertos com vegetação nativa ou cultivada se ressecam e se tornam propícios a queimadas. Pode haver combustão espontânea no início de incêndios, mas as queimadas para limpeza de terreno e criminosas são as principais responsáveis pelos grandes incêndios; 2 - Chuvas atípicas: os fenômenos meteorológicos conhecidos continuam existindo, mas de forma potencializada. Assim, a água acumulada na atmosfera em estado gasoso se precipita na forma de temporais arrasadores com um evento de resfriamento; 3 -tempestades de vento: no Caribe e no sul dos Estados Unidos, é comum ocorrerem furacões. A quantidade vem diminuindo e a intensidade vem aumentando. Na Ásia, essas tempestades de vento são chamadas de tufões; 4 - ondas de frio: é um erro negar o aquecimento global diante de massas de ar frio. Os desequilíbrios na atmosfera tanto podem provocar massas de ar quente quanto ondas de frio. A que varreu o cone sul da América do Sul em julho/agosto de 2021 trouxe geada e neve, que podem ser atrativos turísticos, mas também matam pessoas, animais e plantas. Segundo previsões, a tendência é o aumento de ondas de frio em lugares em que predominam temperaturas amenas, como aconteceu na costa leste dos Estados Unidos; 5 - ressacas: o efeito estufa aquece a atmosfera e a superfície da Terra, tanto nos continentes quanto nos mares. As calotas de gelo estão derretendo com o aumento das temperaturas, e o nível do mar está se elevando. As terras baixas nos continentes e nas ilhas estão sofrendo com o aumento do nível do mar, como na zona costeira e nas ilhas baixas. No pico da maior elevação do nível marinho, em 5.100 antes do presente, as áreas costeiras baixas do Brasil foram todas submersas. As atuais praias charmosas do Brasil deixaram de existir.
Aqueles que recentemente se convenceram da gravidade da crise ambiental dizem que é preciso mudar a matriz energética. Que é preciso substituir os combustíveis fósseis e a energia nuclear pela hidroeletricidade, para a energia eólica e solar. De acordo, mas mudar a matriz energética inclui ainda a hidroeletricidade, uma forma de geração de energia que exige barramento de rios, obra das mais impactantes em termos ambientais. Mesmo excluindo os rios da mudança na matriz energética, os ventos, o sol e a biomassa não dariam conta de mover a mais devoradora civilização de energia que se desenvolveu no Holoceno. Hoje, ela está globalizada.
Portanto, não basta mudar a matriz energética. É preciso também mudar o sistema produtivo, a publicidade, os meios de transporte, as cidades, a alimentação e as formas de pensar. Não bastam fórmulas simples, como “menos é mais”. A mudança tão necessária depende de empenho, esforço e tempo. Para retornarmos aos padrões naturais do Holoceno, estimo que dispomos de 80 anos pela frente. A globalização capitalista se processou em 600 anos. Os ingredientes formadores da crise foram se acumulando ao longo de seis séculos e só foram percebidos com clareza no último meio século. A crise se assemelha àquelas doenças que corroem a pessoa sem que ela perceba. Quando os sintomas se manifestam, já é tarde.
Diante dos sintomas da crise, os pensadores buscam conceitos. Eles gostam de conceitos, como se eles não só explicassem, mas também funcionassem como terapia. Eles se enfileiram: gaia, pegada ecológica, resiliência, ciência do sistema terra, antropoceno e até capitaloceno. Estamos diante de um conjunto de fatores que caracterizam uma crise ambiental inédita porque de origem antrópica e global. No Holoceno, registramos crises naturais e antrópicas. Estas sempre foram localizadas e quase sempre reversíveis. A atual poderá recrudescer ou retroceder por ação humana ou natural. Trata-se de uma crise. Não se encontra no registro fóssil crise com nome próprio. Não estamos no Antropoceno, mas na crise conjuntural ou estrutural do Holoceno. Ela passará de uma forma ou de outra. Voltaremos ao Holoceno ou entraremos em outro época, período ou era.
Capitaloceno é conceito de quem se contenta apenas com a parte conceitual. Ciência do sistema Terra parece uma proposta adequada para efetuar-se o diagnóstico e promover a terapia para o planeta. Precisamos nos movimentar com mais intimidade no Holoceno, tanto nas ciências da natureza quanto nas ciências humanas. A realidade mudou profundamente, mas continuamos examinando o mundo com instrumentos e métodos do século XIX, notadamente as ciências humanas, que não querem reconhecer as forças da natureza.
Carecemos de uma holocenologia, que integre ciências interessadas em estudar o estado atual do mundo em suas múltiplas dimensões. Dimensões que se integram e se complementam de forma complexa.
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