Inês Ururahy - O incentivo à leitura em tempos de ampliação da produção textual por meios tecnológicos
Inês Ururahy - Atualizado em 15/02/2022 14:10
O contexto contemporâneo tem revelado o poder das tecnologias digitais com suas redes sociais, aplicativos, ferramentas de última geração e informações que chegam de todos os cantos do mundo, a cada segundo. Essa torrente de notícias, fatos, dados, mal assimilada em razão das circunstâncias dadas, cria uma cultura descartável, que desaparece na mesma proporção em que surge. Refletir essa realidade é papel das instituições como a Academia Campista de Letras (ACL), cuja missão é, entre outras, estimular a leitura e os novos e consagrados autores da boa literatura.
A tecnologia nos permitiu conhecer a história do pensamento humano e, sem ela, jamais poderíamos utilizar os meios tecnológicos, tendo em vista que o código alfabético ainda é o meio de comunicação que possibilita compreendermos mensagens que chegam e saem dos meios digitais fixos e móveis, além de oportunizar contatos em rede, essenciais nesses tempos de letramento digital.
Se as mensagens postas nas cavernas da Antiguidade possibilitaram saber da rotina dos povos antigos, a partir de Gutenberg, fomos capazes de registrar experiências humanas que enriqueceram as gerações que puderam usufruir da escrita. O livro promove transformações, até hoje consideradas revolucionárias.
Quando Ítalo Calvino, em sua obra “Por que ler os clássicos”, diz da importância da leitura que remete ao entrelaçamento das culturas que precederam o momento vivido, o autor fala dessa experiência única da relação autor e leitor com o que acontece nas identificações do querer se ver e se sentir humano, parte de uma história que é universal.
Observar uma criança no momento em que aprende ler, que descobre o mundo encantado das histórias, das aventuras, é algo indescritível. O brilho dos olhos que revela a viagem pelo imaginário e as cenas e personagens que se descortinam em sua mente, são vivências que passam a fazer parte da formação do leitor.
É a força da leitura e seu poder de transformar vidas...
A leitura transforma, mexe com a consciência crítica, semeia ideias no imaginário e cria visões de mundo. As gerações do futuro deveriam ser incentivadas a ter contato com os livros, mesmo que os e-books sejam mais práticos. Nesses tempos de redes sociais, fake news e notícias descartáveis, a leitura se transforma em terapia.
Lembro-me de quando li pela primeira vez “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa, e me encantei por aquela linguagem. A mesma emoção senti quando li e reli várias vezes o conto “A Terceira Margem do Rio”, do mesmo autor. Ali consegui compreender o profundo significado de “ser margem” em seu duplo sentido.
Uma das grandes tragédias da humanidade em tempos de tecnologias e ferramentas sofisticadas é o analfabetismo, esse mal revelador da impossibilidade do alcance da plena cidadania. Ler é condição e passaporte para a formação da consciência crítica, tão necessária nesses tempos de anulação cultural. Incentivar a formação de leitores é garantir um futuro mais humanizado.
Assim, mesmo diante dos novos gêneros textuais, a literatura e seus gêneros tradicionais devem ser cada vez mais expandidos nas instituições culturais. A poesia, a crônica, o conto deveriam ser partes integrantes dos currículos escolares e da formação do leitor. Sem ler, a pobreza da comunicação anula a capacidade dos letramentos, em uma época de pobreza cultural.
Nesse milênio, mediar e utilizar estratégias de integração, e não de substituição do livro físico pela cibercultura, será uma difícil tarefa. A implementação dos livros digitais foi uma verdadeira revolução na vida dos leitores. Poder transportar inúmeros exemplares em um kindle, que cabe na palma da mão, é, realmente, um sonho. Contudo, manusear o livro físico é como carregar uma história nas mãos, num momento prazeroso.
Não há como negar a importância dos meios tecnológicos digitais, sobretudo no acesso à literatura e aos textos multimodais. O ideal para o estímulo aos novos leitores são as ações pedagógicas que articulam os gêneros literários e os gêneros nascidos com as novas tecnologias, de forma que tanto a leitura quanto a escrita ganhem contornos atualizados. As ferramentas do mundo tecnológico são meios e, como tais, devem ser utilizadas em benefício da leitura, que eleva o espírito e instaura o prazer de ler.
Nada pode substituir a leitura de um bom livro. Para a geração dos nativos digitais, fica aqui a dica: manuseie o livro, sinta seu cheiro e só depois saboreie o seu conteúdo, pois assim, o ato de ler torna-se algo indescritível. Aos jovens e futuros leitores: não custa tentar!
*Inês Cabral Ururahy de Souza é membra da ACL e reitora do Centro Universitário Fluminense (Uniflu)

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